Quaresma: um período de reflexão que une judeus e cristãos
Os brasileiros, não diferentes de outros povos, também desfrutam dos feriados, como uma forma de combater o estresse e buscar o lazer e o convívio familiar. Razão pela qual, geralmente, os aguardam com uma certa ansiedade.
Após o carnaval, certamente, a maioria da população já espera a chegada da Semana Santa, uma vez que o fato do seu principal dia ocorrer na Sexta-Feira da Paixão que é feriado, em virtude da religião oficial ser a católica, propicia, assim, um fim-de-semana prolongado que culmina com a Páscoa.
Mas, em que pese a ansiedade de cada um de nós, antes do desfrutar de mais um período de descanso e descontração, como passeios prolongados ou simplesmente não fazer nada, é bom lembrar que para os povos cristãos e judeus vive-se agora um período peculiar marcado por quarenta dias que precedem a Páscoa.
Para os cristãos, sejam evangélicos ou católicos, é a Quaresma. E, aí evidencia-se, uma vez mais, a origem judaica da fé cristã, já que a história bíblica narra que o povo israelita, sob a liderança de Moisés, caminhou por quarenta anos no deserto até chegar à Canaã, a terra prometida, e seus profetas disseram que esse foi o tempo mais fértil e significativo da história do povo bíblico.
Daí a importância de perceber, também, que na celebração da Festa da Páscoa judaica o drama principal da fé cristã se insere de forma decisiva e, portanto, acaba por unir ainda mais as duas antigas tradições.
Não é sem razão que a palavra páscoa, dos cristãos, por exemplo, vem do hebraico pesah cujo significado é salto, movimento, caminhada, travessia. Vemos, assim, que o nome pesah está estreitamente ligado à história dos acontecimentos que antecederam a saída dos escravos hebreus do Egito em direção à liberdade e à vida plena, em Canaã.
No que se refere aos quarenta dias, que é a Quaresma propriamente dito, pode se ver, também, que no Antigo Testamento, que descreve a tradição judaica, o número 40 ocorre muitas vezes relacionado a momentos significativos da história bíblica e, entre tantas ocorrências, quatro são destaques: o período do dilúvio foi de 40 dias (Gn 7.4); os hebreus caminharam 40 anos pelos desertos até atingir Canaã (Js 5,6); a duração do bom reinado de Davi foi de 40 anos (2Sm 5.4); Elias caminhou 40 dias para encontrar com Deus no Sinai (lRs 19.8).
Assim, também, não é diferente no Novo Testamento, que nos apresenta o advento do cristianismo, já que o simbolismo do número 40 continua a expressar vários eventos e registrar ensinamentos como, por exemplo, o momento em que Jesus recolhe-se no deserto por 40 dias e 40 noites (Mt 4.3; Mc 1.1; Lc 4.2) ou, ainda, a citação no Atos dos Apóstolos em que narra a ocorrência que Jesus, após a ressurreição, permaneceu na terra 40 dias (At 1.3).
De uma forma ou de outra, a Quaresma deve traduzir um momento propício para a ponderação e, para muitos, um período intenso de preparação, que exige jejum e abstinência, como forma de purificação para as práticas de suas peculiares devoções.
E, isso, pode nos conduzir também, independente de crença ou religião, à reflexão por que o homem em vários pontos da Terra passa, neste momento, por profundas e significativas transformações, onde se vê prevalecer a desarmonia, que causa as mais horrendas guerras, que provoca mortes e humilhações, até os mais extravagantes abusos e degradação dos valores da vida humana, bem como o desrespeito ao meio ambiente. Podemos, quem sabe, aproveitar o período para repensar os valores humanos e buscar, como quer propor a Campanha da Fraternidade deste ano, desenvolver nas pessoas a consciência crítica diante das estruturas que geram a violência e acabam por promover a manipulação e comercialização da própria vida humana.
Este é, pois, antes um momento de reflexão, na expectativa de que a Páscoa não seja só mais um feriado prolongado, mas que ela possa vir, sobretudo, como uma forma de redenção para todos os povos, quaisquer que sejam as suas religiões.