A Renascentista Louise Labé, uma precursora feminista

Dizem os chineses que a humanidade se faz pelo seu passado. O homem de hoje é o produto dos homens que viveram em outras épocas.

A civilização ocidental teve na Antiguidade duas fontes: o mundo chamado de Crescente Fértil e o mundo chamado de Clássico. O primeiro representado pelo antigo Egito, povos mesopotâmicos e os semitas, judeus e árabes. O segundo, gregos e romanos.

Enquanto o primeiro voltado para a aridez de suas terras dependendo da natureza promover a fertilidade fornecida pelos seus rios, acabaram sublimando suas realidades. Por isto desenvolveram uma religiosidade voltada para a visão entre o Bem e o Mal. O segundo voltados pelas possibilidades do mar, o Mar Mediterrâneo e tantos outros, explicavam a vida pela lógica humana. O sublime era apenas a ampliação de suas humanidades. Seus deuses humanizados, indistintos e indiferentes ao bem e ao mal, apenas reagiam conforme suas emoções e sentimentos eram provocados pelas circunstâncias.

Sintetizando, a humanidade do Crescente Fértil explicava sua realidade como sendo produto de duas forças, Bem ou Mal, que eles procuravam entender divinizando os infortúnios. Já o mundo clássico humanizava o que eles achavam divino procurando racionalizar o que queriam sublimados.

Enquanto o Maniqueísmo Oriental apontava a perfeição divina que o humano deveria buscar, o classicismo justificava as paixões humanas mostrando que os deuses também seguiam a ordem dos desejos, sentimentos e emoções. Assim nestes mundos havia duas direções: O homem imperfeito deveria buscar a perfeição divina fugindo do domínio do mal, a outra era que o homem era apenas um deus menor que deveria viver a sua vida, pois já era um todo perfeito.

Estas duas visões sempre se alternariam no desenrolar da humanidade. Uma sobrepondo à outra, querendo triunfar, recebendo influência mútua, provocando desconforto e produzindo hoje a civilização pós-moderna.

Do Crescente Fértil perduraram o islamismo e o judaísmo, mas o vitorioso mesmo foi o cristianismo, que deixaria suas marcas na sociedade ocidental que estava se fazendo.

Durante mais de mil anos, a Idade Média, assim chamada pela História tradicional, o cristianismo iria “civilizar” os germanos ou bárbaros e parecia acabar com o hedonismo greco-romano.

Nesta época, a precariedade da vida, a fome, a violência e a peste negra fizeram o homem se diminuir. O cristianismo apontava como saída para vida além, além túmulo. A fé triunfava.

O mundo se remodelou e o antropocentrismo e o humanismo ressurgiam e promoviam a Renascença.

Neste mundo cheio de novidades, entre tantos homens ilustres, surgiram mulheres atuantes. Entre as quais Louise Labé cujo livro “Discurso entre o Amor e a Loucura” foi objeto de leitura, estudo e discussão no Clube de Leitores de Barbacena, Minas.

Após debates sobre o tema percebeu-se que, mesmo na pós-modernidade, o ser humano busca respostas para sua humanidade. O que é o Amor? O que é Loucura? O sublime existe ou é uma projeção que o humano faz para se sentir mais divino e menos telúrico, mais deus e menos humano, mais humano e menos animal? Qual é o significado de viver para depois morrer? Ou como já dizia Cazuza: O seu amor é uma mentira que a minha vaidade quer? Vale ser romântico e sofrer ou driblar a angústia de viver e ser realista e existencialista? Existe paixão ou é o amor um mero capricho? Que sociedade é esta que surgiu no Século 21? A sociedade atual se faz do egoísmo ou do amor altruísta? O amor hoje é mais amor, mais loucura ou uma desculpa para aliviar a solidão?

Estaria Louise Labé com sua obra apenas levantando uma equação:

AMOR + LOUCURA = PAIXÃO ?

O certo é que na dedicatória de seu livro ela conclama as mulheres à realidade. Deixemos a autora falar lendo suas palavras que do Século 16 chegou até nós:

EPÍSTOLA DEDICATÓRIA

À Senhorita Clémence de Bourges Lionesa

Tendo chegado o tempo, Senhorita, em que as severas leis dos homens não mais impedem as mulheres de se aplicarem às ciências e às disciplinas, parece-me que aquelas que têm facilidade devem empregar essa honesta liberdade que nosso sexo antigamente tanto desejou para cultivá-las; e mostrar aos homens o equívoco em relação a nós quando nos privaram do bem e da honra que delas podiam vir. Se alguma de nós logra colocar por escrito as suas idéias, que o faça com aplicação e não desdenhe a glória, e se adorne com ela, mais do que com colares, anéis e suntuosos vestidos que não podemos considerar verdadeiramente nossos senão quando o usamos. A honra que a ciência nos dará será inteiramente nossa, e não poderá ser retirada nem pela astúcia do ladrão, nem pela força do inimigo, nem pelo passar do tempo. Se eu tivesse sido favorecida pelos Céus com um espírito grande e suficiente para compreender tudo o que eu desejasse, eu serviria mais de exemplo do que de advertência. Mas tendo consumido parte de minha juventude no exercício da Música, e tendo sido curto o tempo que me restou, por causa da rudez de minha inteligência, e sem poder eu mesma satisfazer o desejo de ver o nosso sexo ultrapassar ou igualar os homens não somente em beleza, mas também em ciência ou virtude, não posso fazer outra coisa senão suplicar às virtuosas Damas que elevem um pouco seus espíritos por cima de suas rocas e fusos, e se dediquem a mostrar ao mundo que, se nós não somos feitas para combater, não devemos contudo ser desdenhadas como companheiras tanto nos negócios domésticos como nos públicos por aqueles que governam e se fazem obedecer. Além da reputação que nosso sexo alcançará, nós prestaremos um serviço à sociedade, já que os homens dedicarão mais esforço e estudo às ciências meritórias, por temor à vergonha de se virem ultrapassados por aquelas sobre as quais eles sempre pretenderam ser superiores em quase tudo. Por isso, precisamos encorajar umas às outras nesse louvável empreendimento, do qual não deveis nem afastar nem despender vosso espírito, já de muitas e diversas graças acompanhado; nem mesmo vossa juventude, e outros favores da sorte, para adquirir essa honra que as letras e ciências costumaram trazer às pessoas que as cultivam. Se há alguma coisa que posso recomendar, além da honra e da glória, é o prazer que o estudo das letras nos dá, estimulando-nos a cada uma, bem diferente de outras distrações que, quando repetidas à exaustão, só fazem passar o tempo. Mas o estudo deixa um autocontentamento bem mais duradouro, pois o passado nos alegra e ajuda mais do que o presente, enquanto que os prazeres dos sentidos se perdem rapidamente e não voltam jamais, e recorda-los é tão aborrecido quanto foi deleitoso senti-los. Além disso, as demais volúpias são tais que, embora as recordemos, não são suficientes para que as sintamos novamente; e por mais impressão que nos cause na cabeça, percebemos logo que não passam de uma sombra do passado que nos engana e ilude. Mas quando colocamos por escrito as nossas idéias, ainda que nosso cérebro percorra uma infinidade de assuntos e incessantemente se agite, ao retomarmos nossos escritos, mais tarde, voltamos ao mesmo ponto e mesmo estado de espírito em que nos encontrávamos. Então é dupla a nossa satisfação, pois nós reencontramos o prazer passado que sentimos às quais nos dedicávamos. Além disso, o julgamento que nossas idéias atuais têm das antigas nos causa um singular contentamento. Esses dois benefícios da escrita vos deveriam estimular, seguro de que o primeiro não deixará de acompanhar vossos escritos, como em todos os vossos atos e maneiras de viver. O segundo depende de vós obtê-lo ou não: se bem que o que escreveis vos satisfará. Quanto a mim, tanto ao escrever a minha juvenília quanto ao revê-la, não procurava outra coisa senão um passatempo e um modo de fugir à ociosidade; e nunca tive a intenção de que alguém, além de mim, devesse vê-la. Mas desde que alguns de meus amigos encontraram um modo de lê-las, sem que eu soubesse, e (assim como nós acreditamos com facilidade naqueles que nos louvam) me fizeram acreditar que eu deveria publicá-los, não me atrevi a escondê-los, mas os ameacei contudo de lhes fazer beber a metade da vergonha que provocariam. E como as mulheres não se mostram sozinhas em públicos, eu vos escolhi para me servir de guia, e vos dedico esta pequena obra que só envio com a finalidade de vos assegurar do afeto que há muito eu tenho por vós, e de vos estimular e provocar o desejo, ao ver esta minha obra rude e mal-alinhavada, de dar à luz uma outra que seja mais bem polida e de maior graça.

Deus vos mantenha com saúde.

De Lyon, neste 24 de julho de 1555

Vossa humilde amiga, Louise Labé

Achamos (particularmente eu) que toda mulher deveria ler, refletir e se apossar destas palavras, sobretudo naquele dia que foi criado para discriminá-las e estereotipá-las, quer seja 08 de março.

Quero as companheiras iguais a mim, ou seja, com os 364 dias restantes, e não somente um, perfazendo os 365 dias (ou 366) como dedicados a nós homens. Somos todos humanos ainda que os hormônios sejam diferentes. Abaixo o dia e o seu engodo que visa somente a venda de flores, perfumes e outras coisas ligadas à figura feminina. Os 365 dias todos nossos que amamos e igualmente sofremos da mesma experiência de viver as aventuras e desventuras da VIDA.

Terminamos parabenizando ao Clube de Leitor, ao Cineclube e ao Coletivo 77 que oportuniza aos barbacenenses pensar e se pensamos, já disse o filósofo, EXISTIMOS.

Portanto, fica o convite a outros para se ingressarem nestes movimentos que faz de Barbacena uma cidade mais VIVA.

Leonardo Lisbôa.

TEXTO 08 - CADERNO: VOLTANDO PARA CASA

Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 18/03/2011
Reeditado em 22/05/2012
Código do texto: T2856400
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