Reserva Extrativista: como fazer sua gestão ???
Historicamente, a criação de Unidades de Conservação sempre teve destaque como uma das mais importantes estratégias utilizadas pelo governo brasileiro para a conservação dos recursos naturais de nossa nação.
Assim, entre 1937, quando foi criado o Parque Nacional de Itatiaia (1ª Unidade de Conservação brasileira), e a década de 1980, o governo brasileiro seguindo a corrente americana do “Preservacionismo” deu preferência por criar áreas protegidas excluindo a presença do “homem”. Os Parques Nacionais (PARNA), as Florestas Nacionais (FLONA) e as Reservas Biológicas (REBIO) são exemplos desse tipo de Unidade de Conservação que faz parte do grupo de áreas de “Proteção Integral”, ou seja, que não pode ter seus recursos usados pelas comunidades que vivem à sua volta. Nessa visão de proteção era inconcebível a associação entre “homem” e “natureza”, o que invariavelmente gerava muitos conflitos entre os órgãos do governo e as populações que viviam nessas áreas
Especialmente nos últimos 20 anos, o governo brasileiro mudou o foco e passou a dar preferência pela criação de Unidades de Conservação do grupo de “Uso Sustentável”, que se baseiam na visão “Socioambiental” como estratégia de conservação da biodiversidade nacional. Nessa nova concepção estão incluídas as Reservas Extrativistas (RESEX), as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e as Áreas de Proteção Ambiental (APA).
A 1ª Reserva Extrativista nasceu pela luta do sindicalista “Chico Mendes”, na sua terra natal, Xapuri, no Estado do Acre. E, de lá pra cá, esse número cresceu assustadoramente, de modo que hoje são cerca de 60 RESEX federais espalhadas por diversos estados em todas as Regiões do Brasil.
As Reservas Extrativistas federais são administradas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), e as Reservas Estaduais e Municipais são administradas pelos órgãos de meio ambiente locais, como as Secretarias de Meio Ambiente.
A Reserva Extrativista (RESEX) é uma área utilizada por populações tradicionais, cuja sobrevivência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte (galinha, pato, carneiro etc.). Tem como objetivo básico proteger os meios da vida e a cultura dessas populações, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais. Quando existem áreas particulares (fazendas, chácaras etc.) no interior da Reserva Extrativista, o órgão de meio ambiente deve abrir um processo de desapropriação dessas áreas e os proprietários devem ser indenizados de forma justa.
No Brasil, a Reserva Extrativista é gerida por um Conselho Deliberativo, que é presidido pelo órgão ambiental responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área.
O Conselho Deliberativo é uma esfera de gestão participativa que possibilita a discussão e o planejamento de atividades com envolvimento de diversas pessoas e instituições. O Conselho Deliberativo segue os princípios da administração participativa. A pessoa que participa do Conselho Deliberativo tem o título de conselheiro.
O Regimento Interno é a norma que regulamenta o funcionamento do Conselho Deliberativo, informando sua estrutura organizacional, número de membros, funcionamento das reuniões ou assembléias, entrada e saída de conselheiros, entre outras coisas.
O Conselho Deliberativo e o Conselho Consultivo estão presentes no processo de gestão de Unidades de Conservação definidas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei Federal Nº 9.985, de 18 de julho de 2000).
O Conselho Deliberativo é diferente do Conselho Consultivo, pois este tem autonomia para decidir, enquanto que o Conselho Consultivo, como diz o próprio termo, é uma instância composta por diversos membros que auxiliam a gestão participativa sem poderes de deliberar, pois sua função é de assessoramento e aconselhamento técnico.
No Conselho Deliberativo o órgão ambiental responsável pela área deve desenvolver suas atividades seguindo o Plano de Manejo da Unidade, que é o documento técnico que contém todas as informações necessárias para a adequada gestão da área. Com base nas informações do Plano de Manejo e nos recursos humanos e financeiros disponíveis os membros do Conselho Deliberativo dizem o que se deve fazer. No caso do Conselho Consultivo, os gestores públicos da área seguem também o Plano de Manejo, mas só consultam os conselheiros, informando-lhes o que se vai fazer, sem obrigatoriedade de atender as solicitações da comunidade. Assim, é possível simplificar dizendo que os membros do Conselho Deliberativo têm maior poder de decidir os rumos da gestão de sua Unidade de Conservação do que seus pares do Conselho Consultivo.
Especialmente após a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), em 2007, aumentaram os esforços do governo federal pela criação de Conselhos Deliberativos nas Reservas Extrativistas, com objetivo de efetivar a gestão dessas áreas.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) tem que dar apoio para que as populações dessas Reservas Extrativistas possam melhorar de vida, usando os recursos naturais de forma sustentável. Para isso, ele precisa fazer uma gama de ações e trabalhos, como por exemplo: (1) ajudar a criar Associações dos Moradores das Reservas Extrativistas, (2) fazer o Plano de Manejo, (3) fazer a regularização fundiária, (4) fiscalizar para que outras pessoas não invadam essas áreas, (5) articular com a Prefeitura e demais órgãos para levar benefícios para as comunidades, (6) buscar parcerias com Universidade e Instituições de pesquisa, (7) repassar informações sobre os trabalhos para o Ministério Publico e para a imprensa, entre outras coisas.
Essa nova concepção de política pública de meio ambiente que envolve a participação de muitas pessoas da comunidade e diversas outras entidades na administração das Unidades de Conservação é algo desafiador para qualquer instituição.
Nosso país não possui uma tradição democrática forte, pois vivemos recentemente um regime militar que proibia a expressão de opiniões e idéias, além de reprimir as manifestações de protesto e reivindicações por meio de ONG’s e Movimentos Sociais.
Acredito que apesar de termos pouco mais de duas décadas de liberdade democrática, é possível ver que surgiram muitos resultados positivos por meio da participação popular através de entidades da sociedade civil na construção de uma nação mais justa e mais preocupada com as questões sociais e ambientais.
Assim, não há muita clareza quanto à forma mais adequada para se conduzir um Conselho Deliberativo. As dificuldades são enormes, que vão desde a dificuldade em reunir as populações locais para discutir e planejar as ações, como também na falta de recursos humanos e financeiros para executar o planejamento. Por causa dessas e tantas outras limitações, surgem muitas críticas sobre o papel dos Conselhos Deliberativos.
Mas, de modo geral, as experiências recentes têm demonstrado que o caminho do sucesso acontece quando o órgão ambiental repassa o máximo de informações para os parceiros e consegue envolver diversos atores sociais locais no sentido de minimizar os impactos que a Reserva Extrativista está sujeita, garantindo o modo de vida das populações tradicionais e a conservação dos recursos naturais.
Mesmo que muitos prefiram trabalhar sozinhos, sem envolver outras pessoas, é certo que o envolvimento da comunidade por meio do Conselho Deliberativo na gestão da Reserva Extrativista tem o valor positivo de reconhecer a capacidade de tomar decisões e resolver problemas, o que serve para aprimorar a satisfação e a motivação no trabalho.
A gestão por meio do Conselho Deliberativo permite um encontro freqüente dos diversos atores envolvidos para compartilhar as decisões que afetam a Unidade de Conservação, não apenas com os moradores, mas também com os pesquisadores e funcionários de órgãos públicos. A meta disso é uma organização participativa em todas as interfaces da Reserva Extrativista.
Esse modelo de gestão participativa valoriza a formação de lideranças comunitárias, promovendo o engajamento no associativismo e valorização da criatividade e autonomia. Ele permite a valorização das experiências e conhecimentos de cada um dos envolvidos, buscando sempre agregar mais valores às funções das pessoas que estão participando do Conselho.
Nos Conselhos Deliberativos que tem acumulado experiências bem sucedidas é visível uma melhora na auto-estima das pessoas envolvidas, pois elas se sentem parte do processo de construção do futuro de sua comunidade.
É certo que não é nada fácil coordenar um Conselho Deliberativo que tenha ampla representação, com tantas pessoas e instituições como ocorre na maioria da Reservas Extrativistas, mas certamente que esse método é o mais adequado, pois permite um processo aberto e transparente de gestão pública, no qual as pessoas são responsáveis pelo seu próprio desempenho e, conseqüentemente, nos resultados conquistados.
Certamente que essa estratégia é uma das diferentes formas que ambientalistas tem buscado para o tão falado “Desenvolvimento Sustentável”, que visa efetivar o equilíbrio entre o uso dos recursos naturais com o crescimento econômico e socialmente justo.
Acredito que fazer valer o papel dos Conselhos Deliberativos é contribuir para a mudança de paradigmas, na qual o “homem” e a “natureza” são valorizados em igual peso.
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Ilha de Marajó - PA, Março de 2011.
Giovanni Salera Júnior
E-mail: salerajunior@yahoo.com.br
Curriculum Vitae: http://lattes.cnpq.br/9410800331827187
Maiores informações em: http://recantodasletras.com.br/autores/salerajunior