BRINCANDO COM A VIDA

Este é meu texto de número quatrocentos e justamente este eu não posso deixar de escrever mais uma vez sobre o Oriente Médio, mais especificamente sobre os movimentos insurrectos que estão varrendo a história recente das ditaduras que se dizem árabe.

A história já começa a ser reescrita e tudo que era um belo conto de fadas começa a se revelar no mínimo crítico, para não se afirmar catastrófico. Daqui do Uruguai, interior dos pampas onde só se fala castelhano, as notícias são basicamente sobre o carnaval brasileiro com suas belas mulatas de seios de fora e glúteos arredondados, mas o noticiário internacional não dá trégua e nos bombardeia com notícias vindas da Líbia, país do Norte africano.

O que não para de chegar são as constantes notícias de que rebeldes contrários ao regime de Kadafi conquistam cada vez mais território dentro do país; de outro lado, os que ainda se rotulam defensores do ditador, bombardeiam sem piedade qualquer tipo de revolução que esteja ao seu alcance, promovendo a maior matança em série que aquele povo já viu nos últimos anos.

O que se consegue furar o bloqueio da censura líbia nos mostra centenas de corpos espalhados nas ruas, dilacerados muitas vezes, por projéteis de calibre normalmente utilizados para abate de aeronaves. As forças (ainda) leais a Kadafi, segundo imagens de internet, estão atirando com metralhadora de calibre ponto 50 na multidão enfurecida que se cansou de ser extorquida e escravizada por um cruento psicopata que pensa que é Deus.

Muammar Kadafi está há simplesmente 42 anos a frente da autoridade maior da Líbia; ainda assim, o Coronel Kadafi, que faz questão de criar mito em torno de si próprio, não se considera nem Presidente, nem Primeiro-Ministro, nem Rei, Imperador ou qualquer outro tipo de monarca; Kadafi exige que sua alcunha laboral seja pronunciada como Líder Fraternal e Guia da Revolução. Ninguém sabe ao certo a sua idade, muito menos de onde veio e como de fato chegou ao poder; sabe-se bem que ele anuncia as tolices mais toscas do mundo árabe e quem não lhe dá ouvido ou não lhe seja adulador, morre ou fica preso pro resto da vida.

Logo que chegou ao poder em 1969, quando golpeou duramente a monarquia, ele tratou de refazer a bandeira do país, que passou a ser verde; apenas verde e nada mais; depois ele também mandou fazer o brasão de armas que é uma águia de asas abertas carregando o lema do país: “liberdade, socialismo, unidade”; sua próxima proeza foi mudar o nome da Líbia, que hoje é conhecida como Grande República Socialista Árabe da Líbia. Traduzindo o movimento histórico recente dos líbios, Kadafi refez tudo e criou uma nova nação com a sua cara e que pudesse lhe obedecer para sempre. Não satisfeito e já ficando velho, tratou de criar um caminho fácil para que seus filhos dessem continuidade as suas atrocidades, fosse à base da força, fosse à base dos bilhões de dólares que ele furtou dos cofres públicos.

Se esquecermos tudo que este povo já passou desde o Século II antes de Cristo; quando romanos, fenícios e turcos fizeram a maior bagunça nos costumes do povo, a Líbia é árabe há cerca de 1600 anos e o povo árabe de verdade não nasceu para ser escravo. Itália e Alemanha fixaram também seus poderios por lá até a Segunda Grande Guerra. O pós-guerra iniciou um movimento de libertação e a ONU aprovou não só a liberdade do país, mas também a coroação de um Rei, Idris I, mas o monarca não ficou muito tempo no poder. Idris I governou de 1951 até ser derrubado em 1969 por Kadafi.

O curto reinado de Idris I criava oportunidades mercantilistas com diversas nações, dentre estas os Estados Unidos da América. No meio do reinado de Idris I também começaram a explorar petróleo em grande quantidade e isso dava (e ainda dá) muito dinheiro; e onde tem muito dinheiro haverá sempre os amigos e os inimigos; há os que têm e também há os que querem; Idris I tinha e Kadafi queria...

O grande problema de Muammar Kadafi é que em 42 anos de mando pouco fez em prol do povo líbio. Kadafi, que de fato foi decretado como comandante em 1970; expulsou os estrangeiros da Líbia e nacionalizou todas as empresas de outras nações que estavam lá; ele fez exatamente aquilo que muitos outros já fizeram e só logrou êxito até hoje por causa da intervenção de outros lunáticos poderosos.

De posse de muito dinheiro Kadafi também cometeu outros erros em nome da sua revolução pessoal; comprou o que pôde e o que não pôde para formar um exército de respeito; interferiu nas políticas de vários outros países vizinhos ameaçando-os de invasão, como fez com o Chade em 1980. Ainda insatisfeito e sem voltar seu poder econômico para seu próprio povo, Kadafi também financiou inúmeros grupos radicais de oposição a Israel e aos Estados Unidos. Há quem diga que nas décadas de 70 e 80, a maioria dos atentados terroristas contra estadunidenses e aliados tenham sido patrocinados com dinheiro líbio advindo de Kadafi; enquanto isso o povo permanecia passando fome!

Em 1986 Kadafi sofreu o mais duro golpe desde o início de seu Governo; viu seu país sendo invadido pelos EUA e viu sua filha adotiva ser morta após um bombardeio a sua casa. Depois deste fato, vendo que sua imagem interna ainda se mantinha em queda, Kadafi passou a fazer qualquer coisa para se manter no Poder. A Líbia sofreu pesado embargo internacional, mas seguiu um curso curioso; os índices de desenvolvimento humano não despencaram como previam os pessimistas; há quem diga que Kadafi brecou suas abstrações durante duas décadas para não cair do trono e quase deu certo, quando o ditador quase conquistou a amizade de muitos povos; mas o que nasce torto, dificilmente cresce perfeito, Muammar Kadafi começou a ver seus objetivos caírem por terra; os palestinos mudaram o discurso e passaram a querer paz com Israel; em retaliação, Kadafi expulsou 30 mil palestinos da Líbia.

A década de 90 foi dura para o ditador líbio; ele não só viu seu poderio oscilar, como também mandou matar até pessoas de sua “corte” os acusando de espionagem e em 1997 ele chegou a admitir a extradição de alguns terroristas acusados de derrubar um avião dos EUA na Escócia que matou 270 pessoas; de lá para cá Kadafi tentou até impor uma imagem de bom moço comportado, aparecendo em inúmeras reuniões em países que não o censuram, como o Brasil; mas esta imagem também começou a cair por terra depois de fevereiro último, quando o povo passou a exigir com rigor a saída dele do poder.

Agora esta mula sem pai e mãe, que pensa que é Deus e dono de um país e de um povo, mata indiscriminadamente qualquer um que não lhe beije a mão. Após a revolução que o colocou sitiado em Trípoli, Kadafi mandou bombardear as pistas do aeroporto da capital para dificultar, acreditem, pousos de invasores. A insanidade do ditador chegou a um ponto tão crítico que para não ficar calado diante da revolta justa de seu povo, ele disse que Bin Laden mandou colocar pílulas alucinógenas nas bebidas dos jovens líbios e que seu povo estava drogado, mas que a maioria ainda lhe amava como um verdadeiro líder espiritual. Kadafi também soltou em discurso recente que mataria sim toda e qualquer pessoa contrária a seu regime, porque estas são inimigas do país!

Ninguém esperava nada diferente de alguém tão lunático, ignóbil e déspota; Kadafi uma vez instalado no governo do país declara ilegais as bebidas alcoólicas e os jogos. Exige e obtém a retirada americana e inglesa de bases militares, expulsa as comunidades judaicas e aumenta decididamente a participação das mulheres na sociedade. Além disso, ele retira da Líbia todos os americanos; fecha danceterias, bordéis e bares instalados pelos americanos, impondo a toda Líbia o respeito aos preceitos morais do islamismo. Proibiu a exportação de petróleo para os EUA e confisca propriedades internacionais; tudo em nome da moral e dos bons costumes, mas esqueceu de impô-los também a si próprio; os palácios construídos por Kadafi sempre tiveram orgias sexuais, jogatinas e bebedeiras que deixariam Baco humilhado!

E assim está hoje Muammar al-Gaddafi, ou Muammar Kadafi; sitiado em Trípoli protegido por pouquíssimos simpatizantes que ainda querem lhe tirar os últimos trocados que resta em solo líbio; sua fortuna, boa parte está indisponível em bancos suíços e sua moral perante seu povo anda mais baixa do que o rabo de um cão sarnento; seus filhos estão com medo e ele próprio, que vê de perto a chegada no mínimo de uma prisão, enxerga ao longo o cheiro da morte, porque se o povo irado lhe põe a mão, nem Deus o protegerá! Nas ruas de toda a Líbia, aquele que já foi endeusado, agora se vê em cartazes que o rotulam como o Abutre da Líbia. A bandeira verde já foi substituída pela antiga com o verde, o vermelho e o preto.

O que o mundo espera é que o regime decrépito e arcaico imposto a custa de sangue e petróleo de Kadafi dê lugar a democracia; que o povo líbio sofra o mínimo possível em baixas, porque sofrimento eles vêm absorvendo desde 1969; que o senil dê lugar ao amável, sem que as tradições e as crenças sejam modificadas; o mundo espera que a Líbia seja uma nação aberta e que se faça presente nas outras nações, porque somente assim, poderemos ainda alimentar o sonho de termos um mundo cada vez mais distante de gente como Kadafi!

Que fique a lição e que cada nação veja que não é através da força, da tirania, do canhão, do medo ou do fuzil que se reúne o povo.

Irã, Venezuela, Equador, Bolívia, Cuba, Sudão, Coréia do Norte, Síria e tantas outras: fica o alerta, porque o vento da Revolução de Jasmim chegará também a cada uma; é uma questão de tempo...

Carlos Henrique Mascarenhas Pires

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CHaMP Brasil
Enviado por CHaMP Brasil em 08/03/2011
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