INFORMÁTICA. O NOVO MAGISTRADO.

COLOCO ESTE ARTIGO NESTE ESPAÇO, EM HOMENAGEM AO NOBRE E EFICIENTE ADVOGADO, MARCOS FELÍCIO PANZA, MEU FILHO.

----------------------------------------------------------------

Ocorre atualmente no judiciário, como se tem dito, os fenômenos da feminilização e da infantilização da justiça. Deve-se o primeiro fenômeno ao ingresso na magistratura, pelo sistema de mérito, concurso público, o melhor de todos, da maior parte de mulheres.

Costumo dizer que o local de lanches da Escola da Magistratura do Rio, mais parece recreio de normalistas, o segundo em razão da idade dos admitidos, homens e mulheres, variando entre vinte e cinco e trinta anos, daí a definida infantilização.

A baixa idade motiva críticas, com o que estou em desacordo. Criaram-se órgãos de vitaliciamento, do que também discordo respeitando. Magistrados já idosos e aposentados que integram os órgãos, são conselheiros nas sentenças que prolatam os jovens juízes, nas quais têm dificuldades, embora altamente preparados, ou seja, enfrentam o desafio juntos; orientadores e orientados. Ao curso do tempo adquirem esse predicamento da magistratura; a vitaliciedade.

Na minha época de ingresso nos quadros do judiciário, dificilmente, ou melhor, era raro um magistrado abaixo dos trinta anos. Todos tinham trinta e cinco ou mais. Para mim foi uma grande e irônica experiência pelas histórias que vivi, praticamente contos, com desfechos imprevisíveis, mas de grande sabor pela novidade.

Tinha vinte e nove anos e era o mais novo magistrado do Estado. Vinte e nove com fisionomia de vinte e três. Hoje inúmeros magistrados têm vinte e cinco, vinte e seis, vinte e sete anos. Nos corredores do Palácio da Justiça do Rio, onde circulam mais de 80.000 (oitenta mil) pessoas por dia, os novos juízes (e são muitíssimos) não passam de um rosto na multidão. O apelo para a carreira é enorme, pois dificilmente no Brasil de hoje, mesmo com os grandes descontos de impostos na fonte, alguém nessas idades conseguiria salário tão expressivo. Mas é preciso cuidado com o exercício da função e com a informática, que mais a frente abordaremos. Necessita-se de um sacerdócio, sem prejuízo da vida pessoal. Cuidadoso preparo psicológico para evitar o que chamamos de “juizíte”, porque embora pareça pequeno o poder, não o é. Ele é exercido sobre uma parcela do território, mas maximamente. Daí se avizinhar do juiz a bajulação, o excesso de reverência a que muitos se entregam e gostam, chegando lamentavelmente ao ufanismo.

Tudo devido ao poder de mando, que inequivocamente é enorme sobre os maiores valores e bens do ser humano; honra, liberdade, propriedade, etc.

Quando alguém fala que faz e deixa de fazer, que manda ou desmanda, brinco e digo, quem manda é o juiz que expede um mandado. Se a ordem não for obedecida a espada da justiça faz sentir sua força.

É a coerção, que Edmond Picard, em O Direito Puro, obra referencial da ciência do direito, dizia ser o elemento essencial, pelo qual se distingue o direito de todas as outras ciências, como se distingue o elefante pela tromba. A tromba do direito é a coerção, a obrigação. Manda que se obedeça o juiz . E essa coerção que abriga e distingue o direito, nos acompanha socialmente desde antes de nascer (direitos do nascituro), até após a morte (execução da vontade de um testador, pessoa que fez um testamento dispondo sobre seus bens). E está presente em todos os passos de nossa vida. Ninguém percebe.

Gosto de dizer principalmente aos jovens: imaginem um enorme armário, um armário infinito com milhares e milhares de gavetinhas. Nessas gavetinhas estão guardados nossos direitos. São as leis. Ameaçados ou violados, abrimos a gaveta e o colocamos em movimento, em defesa, levando ao juiz a lesão ou a ameaça que sofreu, e pedindo que reponha o direito ao estado saudável em que se encontrava. Fazemos isso através do processo, ao que creio o grande instrumento do direito.

Creio nessa mocidade que estuda e muito, até a exaustão, alguns com comprometimento da saúde, pois para ingressar na magistratura há de se estudar com dedicação absolutamente integral; depois, nunca parar de fazê-lo. Gosto dessa mocidade que entra jovem nos quadros da magistratura, pois não traz os cacoetes da advocacia .

Esse estudo gigantesco, hoje, é galvanizado na cibercultura. Essa é uma preocupação e um avanço.

Tratemos de ambas as facetas.

Em notável artigo na recentemente lançada Revista da Escola Nacional da Magistratura, de número 1, às paginas 21, "A Formação do Juiz", aponta o Desembargador José Renato Nalini, notável jurista, que "o ensino para os futuros Juizes há de ser voltado para o futuro. Vive-se a era da velocidade de surgimento e de renovação de saberes. Não se poderá descuidar nem desconhecer a influência da cibercultura. O ciberespaço suporta tecnologias, que amplificam, exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas".

Em razão dessa poderosa ferramenta que é o computador, escrevi artigo para o Instituto dos Magistrados do Brasil, publicado na Revista “In Verbis”, número 22, com o título do presente artigo, assim elaborado:

“Acudo ao chamamento do Instituto dos Magistrados do Brasil, externando reflexão sobre o tema em epígrafe, no processo dogmático que serve a todos, através de seu valor pensante mais alto, a crítica.

Data muito, Marchal Macluhan, em obra de tomo, “Galáxia de Gutemberg”, em cerebração máxima na expressão “aldeia global”, adensou nações transpondo o limite da temporalidade, vaticinando a nova idade da eletricidade, não sepultando nem mesmo Rei Lear, no seu sentir, primeira manifestação na história da poesia e da angústia em terceira dimensão verbal. Restou sobrevivo o pensamento materializado na prensa, para quem com desassombro descerrou novas conquistas para a comunicação.

Agigantada a comunicação de forma restrita e ampla na informática, ganhando asas e volatilidade, tornou milhares de quilômetros aproximáveis em segundos.

Valor imensurável, o ciberespaço passou à disponibilidade das ciências e das atividades em geral. Como todo valor, apresenta duas faces nas ações humanas marcando o mundo exterior; o estigma e o benefício. Não consideraremos academicamente a duplicidade notória, posto que exíguo o espaço e exaustiva a matéria, oferecendo asperezas desse passo.

Na prestação jurisdicional - função mais excelente do Estado para Saredo, publicísta itálico de nota - a informática ganhou vulto multifacetado. Percorre caminhos vários, da abolição da máquina de escrever até às grandes redes de consulta jurisprudencial, transitando pela intimidade com os dados dos Tribunais, acesso facultado a todos.

Sob esse prisma; banco de dados, tombamento e andamento processual, investigação científica atualizadora, estudo enciclopédico, aglutina benefícios e avanços para a celeridade procedimental, pilar político norte da prestação jurisdicional; o mais desejável.

Na equação das posições contrafeitas, benefício e estigma, advém saldo positivo incalculável. Há, porém, presentes, as possibilidades de estigmas, preocupantes, esculpidas no intocável e inviolável sacrário da democracia - a sentença.

O magistrado, em seu ato por excelência sacerdotal, a sentença, se investe, corporifica, projeta e transcende por representação indireta, aquela "acomodação racional" e "harmonia interior" de que fala Ihering, entre o princípio da hegemonia da lei e o do poder autônomo do juiz. Ele é, antes e sem dúvida, na frase bem apanhada de certo escritor, "um ajustador do direito à vida".

Desde Montesquieu, se vem doutrinando que se não exprime inteiramente a verdade quando se considera o juiz mero aplicador da lei. A autonomia e a verdade pessoal do magistrado, em face da perigosa massificação informatizada dos julgados, em testilha com a mora permanente da lei com o fato social, que impõem a presença do sentimento pessoal da magistratura, permanente e proficientemente, por política judicial social, movem a consideração crítica positiva ora declinada.

Com Del Vecchio , secundando-o, podemos afirmar : "O juiz precisa ser, antes de tudo, um jurista , isto é, um homem que deve resumir e viver, por dizê-lo, a unidade do sistema inteiro, compreendido como um organísmo vivo e acompanhar , afirmemos assim, sua seiva, quando sobe das raízes, e, com sua força animadora , se difunde pelos órgãos que o compõem". Estes os mandamentos do inigualável lente em "Lo Stato" , escólio que tomba sob os sentidos de todos os intérpretes da interação social e os obriga.

Temos aqui a virtude da expansão lógica , própria do sistema em razão do caráter orgânico. A preocupação, muitos podem considerar demeritória - mas a facilitação da informatização pode deflagrá-la, já é visível - busca conscientizar para a não mecanização do judiciário, relativamente ao seu ato essencial, a sentença, sua condensação infértil, pois o juiz que se impressiona fortemente com julgados, sem enriquecê-los com seu patrimônio intelectual e pessoal, voltado exclusivamente para a iteração jurisprudencial, concorre para a feitura de exprimir justiça na monótona solução reprisada, mas não a melhor, que alcance não só o casuísmo angulado mas a sociedade como um todo.

Vivifica a regência social o magistrado que empresta seu diário existencial aos conflitos que lhes são submetidos, por serem as violações das relações ou suas ameaças, semelhantes mas não iguais. Daí a necessidade de sua participação personalíssima no desate posto ao seu livre convencimento, que o convívio informático, por vezes, pode mutilar, envolto no açodamento compreensível do trabalho desmesurado.

A modernização do magistrado, apologia proclamada como sufrágio democrático para participação em sociedade até os limites legais, é aceitável tanto quanto necessária, se não compromete seu múnus maior: viver em simbiose social plena para dizer o direito; direito que sente e o legislador não tornou lei, o direito latente, ansiado e pretendido por todos, não materializado, de “lege ferenda” (direito futuro), coluna mestra e referência ímpar para um dos maiores mestres da história do Supremo Tribunal Federal, Orozimbo Nonato.

Para tanto a informática não pode contribuir e o magistrado não deve descurar.

Nada haveria de concorrer mais decisivamente para a decadência dos estudos jurídicos, que o desserviço da investigação unitária, submissa ao computador, referendando matérias por paradigma, em anuência emprobrecida, sem a presença do estudo sério e científico conquistado na ampulheta do tempo, debruçado sobre os livros, lacre e corolário da vida do magistrado em geral. Seria o esvaziamento da prestação jurisdicional, mimetizada, travestida de meias verdades.

A verdade de justiça , por vezes, em confronto com a verdade legal, é a que faz justiça de conteúdo e envolve a todos em seu pregão disciplinador e educativo, sendo etiológica na formação humanista do magistrado, que sentencia com a força de sua personalidade, independente e soberana, comprometida exclusivamente com sua consciência, expectante desse posicionamento toda a massa social.

Isto por motivo singelo; o judiciário, originariamente, nas investiduras mais precoces na história da humanidade até nossos dias, é o reduto derradeiro onde estão depositadas as esperanças do homem na feitura de justiça, enfim, de felicidade aspirada, plasmada na harmonia social resguardada pela toga.

Fique em realce inexistir qualquer colidência desses conceitos relativamente à informática, muito menos gravames nossos. Ao revés, a informática confere ao magistrado maior condição de abraçar o mundo no processo de pesquisa para seu enriquecimento. Essa a nutriz maior da informatização relativamente à prestação jurisdicional - pesquisa, estudo, ciberespaço.

O judiciário, modernamente, compreendeu que precisa valorizar sua missão. E o faz, por óbvio, na propagação das personalidades que compõem a instituição, precípuamente, pelas normas que erige em última instância como padrão do estado de direito na interpretação das leis, por força dos julgados. Tais fomentos, impulsionadores das regras de conduta, brotam do senso de competência de regência dos julgadores, de suas formações, que de forma alguma podem aflorar da unicidade pela intimidade com a computação.

O ideal de justiça, embora vizinho do direito cogente, deve rastrear exclusivamente a existencialidade do juiz, sua vivência, emoções, seu pulsar de aferição das transformações sociais e suas necessidades, ferindo-as e transformando-as se é de sua convicção e sentimento, sem receio de censura, logo que maturado na razão e no bom senso; na prudência enfim. Por vezes ao seu talante, em solitária decisão, há espectro “erga omnes” (que atinge a todos) onde a informática pela pesquisa pode informar e somar, nunca, porém, criar, por ser oráculo da reprise.

A justiça em sua alta missão não pode estar ligada às formulas ou assentamentos herméticos. Ela transmite como fim teleológico a verdade, filha da legalidade e irmã da prudência.

Questionado pelo pretor romano, Jesus de Nazaré admitiu ser rei e disse: Nasci e vim a esse mundo para dar testemunho da verdade. E Pilatos perguntou: O que é a verdade? Cético, o romano não esperava resposta a essa pergunta, e o santo também não a deu.

Dar testemunho da verdade não era essencial em sua missão como Messias. Ele nasceu para dar testemunho da justiça. Por essa justiça morreu na cruz. Nenhum outro tema foi tão passionalmente discutido, de Platão a Kant, por nenhum outro foram derramadas tantas lágrimas amargas, tanto sangue precioso, continuando até hoje sem resposta, embora as mentes mais ilustres da humanidade tenham amanhado esse campo fértil de semeadura. Não é possível pois aprisioná-lo em paradoxais convenções que não estejam pensadas, meditadas, por cada pessoa formada e convocada pelo destino para esse difícil contexto. Nesse dimensionamento o juiz está no ápice do vértice triangular, não podendo só enxergar a árvore sem ver a floresta.

São Paulo, em suas cartas, legou para a posteridade, estar o juiz abaixo de Deus e acima dos homens enquanto exercer com dignidade sua missão. E ela, reitere-se sempre, é só sua, para que se não apague a investigação cuidadosa que cada caso merece, seja curricular ou complexo.

A prática da judicatura quando enfrentada de maneira filosófica e abrangente, assim podemos nominar, desnuda a dificuldade de seu exercício, e é soberana.

Nenhuma questão é desimportante, nenhum processo legislativo deve ser deixado sem crítica, se necessário.

A complexidade e a identidade do magistrado com sua sentença, caso por caso, não serão minimizadas pela informática. A aplicação da teoria do interesse - econômico e moral - aos valores do direito é o resultado de uma identificação falaciosa da norma jurídica com o ato por meio do qual ela é criada . A norma e o ato que cria a norma são duas entidades que devem ser mantidas nitidamente separadas.

Não fazer essa distinção torna impossível obter uma descrição satisfatória do fenômeno do direito. Como o princípio da eficácia, que refere-se essencialmente à norma jurídica como um todo.

Tal complexidade não pode e não deve ficar à mercê da informática, que serve apenas como meio de pesquisa, devendo estar sempre submissa à formação do magistrado. Nesse universo estará colocando sua mensagem como pessoa chamada a decidir os mais altos valores da humanidade.

Acrescer à presente reflexão os grandes desafios que o processo informático abre ao direito, sob o aspecto da tutela jurídica , cujos hiatos legais apresentam densa anomia, se faz necessário, obviamente sem abordagem, por sua extensão, assunto momentoso, questionado por todos quanto à necessidade de proteção, como fazê-la e em que casos, corroborando todo o objeto da presente explanação, onde a prestação jurisdicional encontrará vasto campo de didática criativa, nunca reprisada.

Celso Felício Panza.

Artigo publicado na Revista dos Instituto dos Magistrados do Brasil, número 22.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 24/02/2011
Reeditado em 25/02/2011
Código do texto: T2811955
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.