Levantando a voz
No campo do volume de voz, detesto gente que fala baixo, para dentro, do tipo “come como são e fala como doente”. Assim como não gosto de dá um aperto de mão frouxo. Digo isto porque sou uma pessoa que fala alto e aperto a mão forte. Talvez devido ao meu nome: Antônio quer dizer alte tonans, “aquele que fala alto”. Por causa desse falar alto, às vezes podem brotar algumas antipatias ou mal-entendidos. Mas isto, deixa para lá.
Os meus críticos dizem que falar alto é sinal de má-educação. Quem dera que eles tivessem voz para alçá-la. Minha mãe dizia – no que foi endossada por meus amigos – que falar em voz alta é sinal de personalidade. Prefiro essa opinião, já que vem de pessoas mais categorizadas.
Essa conversa toda é um proêmio para o mote central do artigo: as brutais demoras nos aeroportos nacionais, ocorridas no início de novembro. Não sei ainda se os “controladores” são os vilões da questão, mas sei que o público – muitos dormiram nos aeroportos – foi a vítima. Gozado que ninguém reclamou, não tiveram coragem de levantar a voz, e se renderam passivamente ao sistema caótico.
Uma vez, vinte anos atrás, eu viajava com Carmem e crianças (estavam na faixa de 10-12 anos) para João Pessoa. Havia uma conexão em São Paulo (Congonhas) com chegada prevista no Recife para as 21 horas. Em São Paulo o negócio começou a atrasar, ninguém dava conta de nada. Lá pelas 20 horas o balcão da Varig informou que o vôo estava cancelado, e quem quisesse poderia apanhar o que saía às 3 da manhã. Foi nessa hora que resolvi levantar a voz.
Um cliente/paciente/usuário levantando a voz é o que menos o prestador de serviço (empresa aérea, consultório, loja, boteco, etc.) quer. Eles fazem tudo para você calar a boca e não “contaminar” a massa tímida. Logo, um chefete me chamou, pediu que eu me acalmasse que a empresa daria um jeito. Fomos colocados em um ótimo hotel, com direito a transporte, e vaga na Primeira-Classe na manhã seguinte. Se eu falasse baixo, tinha dormido no saguão do aeroporto, feito gado.
Recentemente, em Roma, Carmen, minha mulher, esqueceu na bagagem de mão, dois garfos e duas facas de casa, que deveriam ter seguido na mala. Na hora da esteira, os objetos foram detectados. Perguntei à atendente, e ela me fez um gesto de desprezo, apontando para a lixeira. Eu até podia ter posto fora, pois eram talheres comuns, mas o desdém da gringa me botou em ebulição. Com os talheres na mão retornei ao balcão. Não podiam mais ser colocados nas malas, pois estas já haviam sido encaminhadas para o avião. Como a atendente não se mostrou sensível ao meu problema, levantei a voz: “Chiama il duce! Dove stá il duce? Io voglio parlare com lui” (Chama o chefe! Onde está o chefe? Eu quero falar com ele). Foi um corre-corre.
Tudo o que eles não queriam era um passageiro, com sotaque estrangeiro, falando alto. Veio o gerente e mais um cara fantasiado de militar (depois descobri que era o chefe da segurança do aeroporto de Roma). Pediram que eu os acompanhasse a uma sala do primeiro andar. Achei até que iam me prender. Conversamos, gentilmente me serviram café e água mineral, ofereceram charutos, enquanto a secretária fez um pequeno pacote dos meus talheres e me deu o tíquete, possibilitando-me retirá-los em Atenas. Se eu não levanto a voz, tinha perdido a questão.
Nem era pelo valor, mas pelo desaforo.
Filósofo e escritor