A produção de Açaí na Ilha de Marajó
A Ilha de Marajó é considerada a maior ilha fluvio-marítima do mundo, abrangendo uma área com 49.606 Km². Nessa imensidão existem 16 cidades, o que engloba uma população de aproximadamente 450 mil habitantes. Assim, a Ilha de Marajó apresenta uma variedade enorme em termos de ambientes naturais e de diversidade socioeconômica.
A parte leste da Ilha, próxima ao oceano Atlântico, do ponto de vista geológico é bem mais velha que sua parte oeste. Essa porção oriental situa-se cerca de 20 metros acima do nível do mar, o que a deixa livre da influencia das marés que inundam periodicamente parte do território da ilha. Na Amazônia, áreas livres de inundação são conhecidas como “terra firme”.
Já, a parte oeste da Ilha do Marajó é do ponto de vista geológico bem mais nova e, por estar em processo de sedimentação, vive sujeita às inundações constantes das águas. Na Amazônia, áreas inundadas totalmente ou parcialmente são conhecidas, respectivamente, como “igapós” e “várzeas”. Enquanto que a parte leste da Ilha tem um contorno bem definido, a porção oeste tem um formato dinâmico, em constante mudança, pois nesse lado da Ilha existem centenas de canais, furos e paranás, num emaranhado de centenas de ilhotas, formando o delta interior do rio Amazonas.
Na região oriental da Ilha do Marajó ocorrem os campos cobertos por pastagens naturais, que são utilizados há décadas para o desenvolvimento da pecuária extensiva, principalmente para a criação de búfalos (bubalinocultura). Essa é a parte da Ilha do Marajó mais divulgada nos documentários e reportagens, o que deixa uma falsa impressão para as pessoas de outras regiões do Brasil que imaginam a presença dos búfalos em toda sua extensão. A maioria das pessoas desconhece a imensidão do arquipélago marajoara e não sabe que em grande parte da Ilha não existem búfalos.
Na região ocidental há prevalência de florestas inundáveis, de grande potencial econômico, com espécies madeireiras e não madeireiras. Nessa região de florestas, o açaí (Euterpe oleracea) é considerado a árvore símbolo por sua importância na economia e na dieta alimentar típica das populações locais, que sobrevivem principalmente da coleta do fruto e da extração do palmito.
Contudo, vale ressaltar que nem sempre o açaí foi o principal produto da economia marajoara. Desde o inicio da colonização, o desenvolvimento econômico da Ilha de Marajó sempre foi alicerçado no extrativismo. A pesca comercial, a extração da borracha e a exploração de madeira foram alguns dos produtos da floresta que promoveram ciclos de desenvolvimento nessa parte do Norte brasileiro.
Pouca gente sabe, mas para que o hoje açaí se tornasse o principal produto da economia marajoara ocorreram muitos fatos e grandes mudanças na dinâmica social e produtiva dessa região, o que procuro apresentar logo a seguir.
O sistema comercial na Ilha do Marajó, especialmente, e na Amazônia, como um todo, historicamente se baseou no “aviamento”, cuja principal característica era a troca de produtos entre as comunidades extrativistas e os atravessadores, praticamente sem presença de dinheiro em espécie.
Assim, as comunidades ribeirinhas extraiam da floresta os produtos e recebiam em troca bens de consumo, ferramentas de trabalho e eventualmente algum dinheiro. Os preços dos produtos (fornecidos e recebidos) eram sempre definidos de forma injusta pelo “patrão” (suposto dono das terras), de modo que ele sempre levada vantagem, o que deixava as comunidades ribeirinhas eternamente endividadas.
Esse tipo de relação desigual ainda está presente em algumas localidades do interior da Ilha, mas com outras características. Atualmente, muitas comunidades ribeirinhas dependem dos “regatões” para escoar sua produção, o que se dá sempre em troca de produtos manufaturados de primeira necessidade (açúcar, café, gás, combustível etc.).
Para a maioria dos pesquisadores o início do processo de valorização do açaí tem seu inicio na década de 1970. Pois foi nesse período que a região da Ilha de Marajó passou por intensas transformações sociais e políticas com a intensificação da exploração dos recursos naturais com a chegada de grandes empresas madeireiras e palmiteiras. Essas empresas atuavam em diversas localidades e tinham suas sedes em municípios do próprio arquipélago do Marajó, como Portel, Breves e Anajás, na capital paraense, Belém, e em cidades do Estado do Amapá, como Santana e Macapá.
Nessa época, a atividade de extração do palmito do açaí tinha maior valor do que a coleta dos frutos, pois o palmito representa um tipo de “poupança” disponível a qualquer época do ano, no caso de uma necessidade urgente. Já, o fruto do açaí, mesmo proporcionando rendas maiores, era considerado secundário. Isso se justiçava pela produção sazonal dos frutos do açaí, que tem safra bem definida na maioria das localidades do Marajó entre os meses de abril e outubro.
Assim, com a intensificação exploração descontrolada do palmito de açaí começaram a surgir problemas de equilíbrio populacional da espécie. Isso causou queda na produção de frutos e um conseqüente aumento nos preços da “polpa”. Esse desabastecimento do fruto do açaí gerou uma repercussão bastante negativa, pois esse é o principal item na dieta de grande parte da população marajoara.
Além dessas questões que envolviam a exploração e o consumo do açaí na Ilha de Marajó, outros dois aspectos favoreceram para aumentar o valor do açaí. Desde o final dos anos 80, a polpa de açaí ganhou destaque nos grandes centros urbanos do Sul e Sudeste, impulsionado pelo crescimento das academias e pela valorização da beleza e juventude amplamente divulgadas na mídia. Paralelamente a isso, a migração de moradores de comunidades interioranas da Ilha de Marajó para as periferias de Belém e Macapá trouxeram o hábito de consumir açaí. Tudo isso fez explodir o consumo do fruto, que passou, então, a ter maior valor que o palmito do açaí.
Assim, por todo Marajó, em Belém e Macapá, iniciaram inúmeros debates para equilibrar a exploração, com foco na necessidade de potencializar as duas vocações da espécie e também com objetivo de controlar e regulamentar sua exploração. Esses debates contaram com atuação das lideranças das comunidades, os consumidores, pesquisadores, gestores de órgãos públicos, políticos e imprensa de modo geral.
Vale destacar, no entanto, que até esse momento o açaí ainda não era o principal produto nativo da Ilha de Marajó, pois a extração madeireira era o que realmente movimentava a economia local. Mas, com o fechamento inesperado de diversas madeireiras e palmiteiras, entre os anos 2005 e 2006, a região do Marajó sofreu um colapso econômico e social. De modo geral, os marajoaras não concordaram com essa ação promovida pelo governo, pois a população era quase totalmente depende da exploração de madeira e palmito e não estava preparada para novas atividades produtivas.
Assim, da noite pro dia os marajoaras foram forçados a mudar suas relações econômicas e produtivas, o que aumentou ainda mais a importância da produção do fruto do açaí nessas localidades.
Algumas poucas ações desenvolvidas pelo governo que compensaram essa tragédia foi a criação de diversas Unidades de Conservação de uso sustentável (RESEX Mapuá, RESEX Terra Grande-Pracuúba, RESEX Gurupá-Melgaço e RDS Itatupã-Baquiá), o que de certa forma valorizou ainda mais a produção do açaí.
Contudo, em muitos municípios da Ilha de Marajó a extração madeireira ainda ocorre por meio das micro-serrarias, que atuam principalmente na produção de cabos de vassoura. Essas atividades têm sido licenciadas pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA).
É certo que hoje o açaí é atualmente o produto nativo mais importante na Ilha de Marajó, tanto por ser item principal da dieta, como por seu potencial na geração de renda para as comunidades extrativistas.
É visível também em muitas localidades o fortalecimento das Associações e Cooperativas de produtores que se organizaram melhor para evitar a atuação de “atravessadores” e dos “regatões”. Assim, é possível ver que tem aumentado a autonomia das comunidades extrativistas que passaram a fornecer diretamente seus produtos para pequenos e grandes comerciantes.
Mas, ainda há um longo processo que deve ser percorrido para ampliar ainda mais o potencial produtivo dessas comunidades que vivem de forma sustentável com os recursos da floresta.
Vejo que há uma significativa necessidade de projetos de capacitação para melhorar, entre outras coisas, a regularidade e a qualidade da produção do açaí. É notório o grande interesse das comunidades extrativistas em desenvolver projetos para melhorar a cadeia produtiva do açaí, o que deve focar o manejo e a comercialização de produtos do açaizeiro, desde frutos até o palmito.
Para que isso aconteça é preciso que haja um envolvimento de todos os atores, as comunidades extrativistas e os pesquisadores, mas principalmente aqueles que tem poder de decisão e são responsáveis pela execução das políticas públicas, como governantes e órgãos de meio ambiente e de extensão rural.
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WIKIPÉDIA – A Enciclopédia Livre. 2011. Ilha de Marajó. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ilha_de_Maraj%C3%B3
AGRADECIMENTOS
Aproveito para agradecer ao apoio e inspiração proporcionados por diversas pessoas que em diferentes momentos e de inúmeras maneiras contribuíram, em especial aos servidores do ICMBIO: Engenheiro Florestal Diego Meireles Monteiro, Comunicadora Social Diana de Alencar Menezes, Engenheiro Sanitarista Rafael Cadeira Magalhães, Biólogo Maximiliano Niedfeld Rodrigues e Engenheiro Florestal Patrick Rabelo Jacob. Além destes, manifesto meus préstimos pela motivação ao Jornalista do Site Voz do Marajó de Abaetetuba, Marcos Paulo G. Miranda.
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Ilha de Marajó – PA, Fevereiro de 2011.
Giovanni Salera Júnior
E-mail: salerajunior@yahoo.com.br
Curriculum Vitae: http://lattes.cnpq.br/9410800331827187
Maiores informações em: http://recantodasletras.uol.com.br/autores/salerajunior