KARDERCISMO - O Exercício da paciência
Em março agora a minha mãe completará 82 anos de idade. Tirando o problema de junta, o resto vai tudo bem. O único problema dela é o bendito do joelho que, devido ao desgaste natural causado pelo tempo, lhe impede caminhadas mais longas por sentir muita dor ao locomover-se.
No fim do ano passado ela passou pelo Doutor Clóvis, médico do posto de saúde aqui da Vila Prudente, que a examina periodicamente depois que se submeteu a uma angioplastia. O Doutor Clóvis solicitou a minha mãe que ela fizesse alguns exames de praxe e, após o resultado dos mesmos, emitiu uma guia de encaminhamento para o Incor, a fim de marcar a realização de um cateterismo renal.
Devido a sua dificuldade para locomover-se, eu me ofereci para ir até lá agendar esse tal de cateterismo. Pois fiquei sabendo que não era necessária a presença dela para tal procedimento.
Um dia antes comentei com um vizinho que eu iria até o Incor, ali no Hospital das Clinicas, fazer o agendamento. De imediato ele já me desanimou, dizendo que eu ia tomar uma canseira danada, pois uma vez agendou uma consulta para a sua irmã e levou quase que o dia todo para ser atendido.
Foi ai então que eu resolvi por em prática o exercício da paciência. Agora estou frequentando as reuniões kardecistas aqui perto onde moro, e um dos temas que eles mais insistem, nas reuniões de quarta-feira à noite, é exatamente isso; o amor ao próximo através do exercício da paciência e da tolerância com aqueles com quem convivemos.
Sai de casa preparado para enfrentar todos os obstáculos que surgissem em meu caminho. Assim que cheguei ali no Incor, me orientaram a subir até o terceiro andar e procurar o Doutor Marcos em um dos setores, que agora não me recordo o nome, para pegar uma guia. Tomei o elevador e ai, então, começou a minha via crucies, uma verdadeira peregrinação pelas dependências do hospital. Corredores pra tudo quanto é lado, davam a impressão de se estar dentro de um enorme labirinto, deixando a pessoa completamente desnorteada. Mas tudo bem, mantive tudo sobre controle e, com um sorriso enorme no rosto, fui me informando com um e com outro até que consegui chegar ao setor que haviam me indicado. Conversei com uma senhora em um dos guichês no fim de um dos corredores, que me atendeu muito bem. Ela me informou que o Doutor Marcos ainda não havia chegado. Pediu-me educadamente para aguardar sentado em um banco ali próximo do guichê, que assim que ele chegasse me avisaria.
Depois de quase uma hora e meia de espera o Doutor Marcos chegou. A demora para o atendimento não foi culpa dele, mas sim minha, pois não prestei atenção que no documento que entregaram para minha mãe estava anotado, exatamente, o horário que ele começaria a atender. Só não paguei um mico danado, pelo simples motivo de encontrar-me naquele dia exercitando a minha paciência. Se tivesse armado um barraco pela demora no atendimento, com certeza eu seria chamado de analfabeto, e com toda razão, pois em minhas mãos encontrava-se um documento com anotações em letras bem legíveis indicando o horário em que o Doutor Marcos chegaria.
Tudo bem, o Doutor Marcos, que por sinal é um sujeito super educado, atendeu-me com toda a calma do mundo, preencheu uma ficha e pediu para que eu passasse em um guichê no fim do corredor e solicitasse a uma das funcionárias que me entregasse outro formulário para o agendamento. Foi o que eu fiz, só que a menina que me atendeu, orientou-me a descer até o térreo, no setor ambulatorial que lá eles fariam o atendimento de praxe. Eu insisti que o Doutor Marcos havia me orientado a pegar outro formulário antes de eu descer, porém ela informou-me novamente que não seria necessário.
Eu, ainda exercitando a minha paciência, agradeci educadamente e desci até o setor ambulatorial. Só que antes de encontrar o local onde eu teria que ir, passei novamente pelo teste do labirinto. Corredores pra tudo quanto era lado ali no térreo confundiam a minha tosca inteligência sensorial, e tive que novamente recorrer ao auxílio daqueles que eu ia encontrando pela frente, até que finalmente cheguei aos guichês do ambulatório. Foi ai que eu quase caio de costas. Teria que enfrentar uma fila de umas duzentas pessoas para poder ser atendido.
Já fazia mais ou menos uns dez minutos que eu estava ali e a fila não andava. De imediato veio-me a vontade de fazer um daqueles escândalos que eu costumo promover nessas situações. Por sorte não o fiz. De repente eles começaram a atender e em menos de meia hora chegou a minha vez. Outra vez fui salvo de passar um vexame graças à insistência, naquele dia, de exercitar a minha paciência.
Desejei um sincero bom dia ao rapaz do guichê, que de imediato respondeu-me polidamente, também, com um largo sorriso. Porém, ele, ao verificar a documentação informou-me que eu teria que voltar ao terceiro andar para pegar outro formulário, em razão daquele que eu tinha em mãos ser o formulário antigo e por isso ele não poderia tomar os procedimentos de agendamento. Eu, com um sorriso enorme no rosto concordei. Percebi um certo espanto nos olhos do rapaz, pois com certeza ele esperava que naquele momento eu tivesse um ataque de histeria, e não um sorriso de aceitação como eu o fiz.
Subi até o terceiro andar e, naquele labirinto de corredores, não conseguia encontrar novamente o guichê onde a menina que me atendera minutos antes havia me proporcionado a perda de todo aquele tempo.
Com muito custo consegui encontrá-la e pacientemente expliquei que aquele era um formulário antigo e eu precisava de um formulário novo para poder ser atendido no setor de agendamento. Era exatamente por essa razão que o Doutor Marcos havia pedido o preenchimento de um outro formulário. Foi ai que ela percebeu o engano e ruborizada pediu-me mil perdões, pois não havia prestado atenção no formulário que eu lhe havia entregado e por essa razão me fizera perder quase uma hora zanzando de um lado para o outro dentro do hospital. Ela preencheu o formulário novo e entregou-me, antes, porém, pediu-me novamente desculpas e mais desculpas, e eu percebia uma certa surpresa em seus olhos em me ver tão sereno como se nada houvesse acontecido.
Desci novamente até o térreo, enfrentei toda aquela fila mais uma vez e quando chegou o momento de ser atendido, dessa vez por um outro rapaz, ele perguntou-me educadamente se eu havia pegado no setor C-4, o formulário de orientação pré-atendimento. Eu respondi que não, e o rapaz informou-me pacientemente que sem aquilo ele não poderia fazer o agendamento. Como ninguém havia me informado sobre isso, mais uma vez perdi um tempão danado naquela fila sem conseguir nada.
Mas tudo bem, por incrível que pareça, eu estava achando graça em tudo aquilo. Dirigi-me, Através do labirinto de corredores, ao setor C-4 e solicitei a tal guia de orientação. A menina que me atendeu, por sinal também muito educada e prestativa, pediu-me as receitas dos medicamentos que a minha mãe estava tomando, ao que eu lhe informei não tê-las em mãos. Infelizmente ela não poderia me atender, pois sem as receitas não tinha como fazer o formulário de orientação pré-atendimento, e sem esse documento não tinha como eu fazer o agendamento no setor ambulatorial.
Eu percebi que a menina falava comigo com certo receio, pensando que, talvez, eu fosse explodir por ter que voltar para casa sem ter conseguido nada. Notei em seu olhar uma ponta de surpresa quando abri um sorriso do tamanho do mundo e respondi-lhe educadamente que não tinha importância, voltaria para casa e no outro dia com as receitas em mãos faria o agendamento.
E depois de um dia maravilhoso, onde fiz uma verdadeira turnê pelo Incor, um dos hospitais mais famosos do mundo, uma verdadeira referência da medicina cardiológica, ter conhecido um monte de gente bacana e educada, pessoas prestativas e abençoadas por Deus, retornei para casa feliz da vida. Sem nenhum tiquinho de raiva, alma leve e solta, e com a certeza de ter cumprido a minha missão em meu exercício de manter-me calmo e tolerante diante das adversidades da vida.
No outro dia voltei ao Incor e já conhecendo perfeitamente os corredores daquele labirinto, fiz todos os trâmites necessários e em coisa de mais ou menos uns quarenta minutos já tinha resolvido tudo, agendando assim o cateterismo para minha mãe para a próxima semana. Sai dali feliz da vida e, por estar pertinho da Avenida Paulista, resolvi estender a minha turnê ali por aquelas bandas. E o passeio pelo local mais charmoso de São Paulo, um dos orgulhos do nosso Brasil varonil, serviu-me como prêmio pela persistência em manter o meu equilíbrio espiritual através do amor ao próximo, exercendo um dos ensinamentos mais profundos do evangelho de Jesus, que é a paciência e a tolerância com todos aqueles que estão a nossa volta. E uma coisa que eu percebi é que, quando agimos dessa maneira, parece que o mundo todo entra em receptividade e resolve ser educado e simpático conosco.
Moral da história: "Em uma sociedade não existem pessoas de difícil convívio, nós é que somos difíceis de conviver em sociedade."