Ronda da Noite

Para cinéfilos e pessoas de gosto refinado.

Uma ação que nas cidades anteriores à eletricidade tinha uma importância capital para a segurança dos transeuntes e, sobretudo, dos que dormiam. É a definição para a ronda corriqueira que se fazia todas as noites.

Tal costume de tempos antigos serviu de tema para duas artes e suas obras. Para a pintura, arte que se manifesta desde a época das cavernas e para a arte da época contemporânea, o Cinema. Para a pintura o tema Ronda da Noite nomeou uma das obras de Rembrandt e para o cinema, a obra de Peter Greenaway.

A obra cinematográfica registra justamente o momento da vida que o pintor estava vivendo na época da criação e produção do quadro e o processo histórico que a Holanda e a Europa estavam passando. Os papéis na película são interpretados por Martim Freeman, Emily Holmes, Jodhi May, Eva Birthistle e Toby Jones.

Para avivarmos nossa memória, Rembrandt (1606-1669) foi expressão do Barroco do norte europeu e seu verdadeiro nome era Harmenzoon Van Ryin. Suas obras mais célebres são Tobias e Sua Família, O Samaritano, Os Peregrinos de Emaús, A Lição de Anatomia e esta que serviu de base para a obra de Grenaway, A Ronda Noturna.

Van Ryinm ou Rembrandt foi pintor e gravador holandês e reagiu contra a influência italiana nos Países Baixos em nome da natureza em oposição à pompa clássica da composição, a pureza tradicional da linha, a nobreza teatral das atitudes. Rembrandt representa a energia do pincel, a ciência do claro-escuro, vigor das sombras e brilho da luz. É um dos maiores gênios da pintura.

O filme em questão é um brinde à pintura, ao teatro e à prosa poética. É cheio de estética uma das cenas iniciais quando, em um universo de claro-escuro, o pintor discute com a esposa a simbologia do vermelho e do amarelo como distintas luzes. Belíssimo os efeitos visuais.

O barroco do pintor é enaltecido assim: seu jogo de sobra e luz é representada no filme pela escuridão bordeada pela luminosidade quando o efeito é quebrado às vezes por um vermelho se distinguindo ao centro da composição ou às vezes um amarelo ouro iluminando o conjunto.

O tempo histórico é o Século 17. O texto do filme retrata ainda como o ser humano via com alegria a evolução atingida pela humanidade (européia) desta época. Louvavam a modernidade (como hoje nós brindamos a pós-modernidade e a conscientização de seus malefícios). Eles exaltavam a Revolução Científica de seu tempo e homenageavam Descartes (1596-1650). Constantemente os personagens mencionam o processo revolucionário da Inglaterra que foi o primeiro da série que deu ascensão definitiva à burguesia consolidando o Capitalismo.

Por isto percebe-se no transcorrer do drama a valorização do viver burguês e a ascensão dos novos ricos na Holanda daquela época. A burguesia ascendente tinha necessidade de se ver retratada e pagava ao pintor para se ver eternizada em suas obras. A arte, a pintura notadamente, já estava consagrada como mercadoria (desde os tempos renascentistas quando os pintores descobriram que poderiam pintar em tela e não mais nas paredes – os afrescos; quando desenvolveram a técnica da tinta a óleo e passaram a assinar suas obras – seus nomes tornaram-se o que hoje chamamos de marcas, grifes, etiquetas).

Era um mundo onde a religiosidade – os burgueses protestantes assim como os conservadores católicos – vivia em um clima de sensualidade, sexo, erotismo, liberalidade do corpo – tudo hipocritamente escondido e não explicito. Era a época do Barroco: reforma católica e reforma protestante.

Neste mundo o sexo também era mercadoria. Responsáveis por orfanatos ou por meninas órfãs, o filme mostra, chegavam a sangrar adolescentes que ainda não haviam se menstruado para serem ofertadas a homens como forma de arrecadação de dinheiro para a quem de direito (orfanatos ou tutores). O casamento era forma de conseguir e acumular riqueza. A mulher era desvalorizada tendo três funções na sociedade: gerar filhos, trabalhar para o marido e servir para o seu prazer. Este, quando sua mulher estivesse impedida para os serviços sexuais (menstruada, grávida nos últimos meses ou de resguardo do parto) tinha toda liberdade para buscar outras. Estas poderiam ser babás de seus filhos, amas de leite, órfãs adolescentes e prostitutas em geral. A homossexualidade masculina também era tolerada como opção de alguns desde que não causasse escândalos que ferissem as ordens religiosas. Por isto, os que assim faziam eram geralmente casados com mulheres e tinham filhos. Às vezes era motivo de calúnias para obtenção de ganhos e em outras criticadas e tratada de forma jocosa até por seus praticantes.

Desta forma a produção cinematográfica aqui tratada nos dá uma referência histórica e artística do pintor e sua obra. Além disto, vale à pena ser assistida por nos instigar o senso ético e estético, alimentar nossas almas e refletirmos sobre a humanidade moderna daquela época e pós-moderna do Século 21.

TEXTO 10 - CADERNO: VOLTANDO PARA CASA

Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 31/01/2011
Reeditado em 21/06/2012
Código do texto: T2763834
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