Mordendo a língua
Caro leitor, não é porque eu tenha certa predileção por parecer um sujeito do contra, mas a verdade é que não sinto a menor atração por palavras ocas de sentido. O dia a dia é passado em frenéticas mentiras compulsivas, alegremente permitidas, sendo elevadas à verdade por decreto apenas porque interessa que assim seja.
Não há volta a dar e os meios que temos para viver têm que ignorar esse pressuposto, sob pena de agonizarmos e o tempo tomar toda a felicidade que procuramos, em vão.
As palavras não podem nunca ser espontâneas ou o prevaricador se sujeita a ser banido da doentia normalidade. E mesmo engolindo os pecados de quem nos digladia à vontade, sorrindo a quem apetece bater, elogiando quem se quer ver no fundo do poço, a alma não se agiganta porque se vive tomado pela cobardia.
Eu, um escrivão, muito tem a ver com tudo que me cerca e vejo quanto desperdício de gestos, de palavras e quantas palavras capenga derramadas sem finalidade. Mas que estranho que tudo pode ser enquanto escrevo. Hoje escrevo o que me provoca o meu cotidiano. Eu apenas os escrevo e sigo meu caminho.
Convém não esquecer que a cobardia acaba com a morte de quem a pratica e, salvo raras exceções, a alma que se liberta do corpo, para sempre (?) será esquecida. Haja então a coragem de discordar, apesar do ridículo de ter de se tomar posição pelo simples fato de termos vontade própria.
É assim que vivemos com a boca trancada a sete chaves pelas ideias quase sempre castradoras de alguns iluminados (as trevas em si, digo eu) que nos punem a ousadia de corrermos atrás do desejo de viver, que nos proporcionam as crises, todas propícias à loucura infinita da imobilidade.
Poderia dizer que a vida não presta e não fugiria muito da verdade, só que tudo o que temos de tal forma ilusória e finita que urge agarrar cada momento de luz que nos trespasse o corpo e a alma.