Palavras ou sarvalap?

Por Solange Pereira Pinto

25.10.2006

O desafio que o Mal de Montano (http://maldemontano.wordpres.com) propôs neste mês de outubro não está fácil. Lá vem a faca: ler ou escrever qual é o mal pior? Ou o gozo melhor? Correndo pelas finitas horas do dia, bem que tentei pensar sobre o assunto. Consegui pouco desvendar. No entanto, lá vai meu corte. Ou, melhor dizendo, pela superficialidade, meu arranho.

Por duas semanas, comecei a observar meus atos para ver quem me atacava mais se os livros ou o teclado (pouco escrevo em papel atualmente). Percebi um círculo. Se eu lia algo interessante queria escrever sobre o lido, se ia escrever alguma coisa procurava ler mais, pesquisar. Notei que, nessa cadeia alimentar, a única fera devorada era eu mesma. Prisioneira. Dependente. Encarcerada entrelinhas entre as linhas.

Sou do tipo que perco sono, atraso compromissos, adio responsabilidades, negocio prazos, deixo de resolver algumas urgências, não presto atenção ao que deveria, tropeço em afazeres, em nome do [...]ler-escrever-ler-escrever-escrever-ler-escrever[...]; uma equação infinita na qual as variáveis ficam trocando de lugar o tempo todo. Num sem-fim estonteante que me apaixona.

Elaborar um texto, escolher como dizer o que dizer é fascinante. Juntar as peças, criar, descobrir novas trilhas podem me levar aos mesmos orgasmos que ler um livro muito bom. Sou de fato uma pessoa conduzida pelas palavras a gozos. Seja por vê-las ou ouvi-las. Por vezes, também ao mastigá-las. Gosto de sentir cada uma, cheirar, tocar, experimentar a inteireza dos vocábulos e as tramas que eles produzem. Desnudar. (Nossa agora delirei!).

Pensando bem, é um jogo de sedução. Construir uma frase, um texto, me deixa numa excitação semelhante a correr os dedos pelas páginas para o próximo capítulo. Gosto do desfecho. Do gozo?

Aprecio também o percurso, as preliminares (tantas vezes tortuosas). Agora mesmo, tentando continuar este texto. Paro na interrogação do gozo acima e viajo pela net. Li um monte. De sites a blogs. Buscando exatamente o quê?

Ler e escrever já viraram, para mim, promiscuidade. Perco-me na conta dos parceiros e na confusão se sou eu quem escrevo ou leio ou se sou compulsivamente guiada a interagir com a palavras sem meios-tons. Parece mais uma simbiose. Não consigo fazer um sem fazer o outro. Duvido até da minha própria autoria. Escrevo o que leio ou leio o que gostaria de escrever?

Talvez, o mal seja a paixão. A doença viral das palavras que acomete mais uns que outros. E, nesse caso, sou quase terminal. Não me imagino sem elas. Eu sou palavra. Já o gozo, pode se traduzir, ainda que sem entendimento possível, creio, no encantamento da solidão vivida tanto pelo leitor quanto pelo escritor. Há nisso um silêncio compartilhado.

Ou, ainda, por outro viés, o mal e o gozo da interação entre os sujeitos. Autor e leitor. Escritor e escritura. Leitor e divagação, reflexão. Leitor e leitor. Escritor e escritor...

Perambular entre as incontáveis formas de registrar vidas (reais, imaginárias, percebidas, fantasiadas etc), existências, em palavras, viver histórias que não são minhas ou que até poderiam ser, constroem possibilidades que minha curiosidade não permitiria ignorar.

Tudo bem que muitas vezes lemos chatices e escrevemos baboseiras. Ainda assim, dar-me conta que um texto ruim é ruim, é bom. Mas, ler ou escrever qual é o mal pior ou o gozo melhor? Não saberia dizer. São as duas faces da mesma moeda. Um vício. Uma prata que se lança ao vento. Numa hora é cara. Na outra coroa. Enquanto isso, rodopio inebriada nas voltas que ela dá até cair em minhas mãos novamente. Seja de que lado for. No avesso, do avesso, do avesso...

Enquanto não me endireito vou reler este escrito, em seguida passearei por outros dedos para sejam lidos.

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Solange Pereira Pinto
Enviado por Solange Pereira Pinto em 27/10/2006
Reeditado em 27/10/2006
Código do texto: T274901