A MORTE DA NASCENÇA


         A imagem da Nascença que me acompanha des de minha in fância e descrita no meu livro “Reminiscên cias” é real na minha mente e no meu coração.Ela re almente existiu e era belíssima. Imaginem muitos anos antes de mim! 

         O sentimento amoroso que me ligava áquele lo cal era e ainda é inexplicável. Eu a amava como se fosse alguém, um dos meus ante passados. Ao ouvir os relatos sobre a sua descoberta, os seus pri meiros po voadores, os irmãos Santos, o massacre dos mesmos em 1850, os proprietários que lhes sucederam, as fan tasias povoavam minha imaginação e eu viajava no tú nel do tempo e me sentia umas das personagens de cada lenda, conto ou acontecimento. Quantas vezes me surpreendi no alpendre da Casa Grande com meus bisavós Basílio e Conceição!? E naquele primeiro engenho de rapadura da fazenda Nascença como se fosse uma das crianças da época? Uma das minhas tias-avós : Donina, Ana, Antonia ou Maria a saborear os seus produtos? Ou mesmo brincando à margem do grande açude ou à sombra daquelas frondosas árvores frutíferas. Era como se eu voltasse no tempo. Co mo se tivesse realmente vivido aquelas experiências maravilhosas. 

         Sentia a bondade de vô Basílio, visualizava – o com seu modo pacífico de lidar com todas as ques tões. Ouvia a voz de vó Concei ção narrando a história do casamento da sua mãe Senhorinha com o Mestre Antonio; os episódios vividos entre ele e os irmãos Santos, a sua morte a caminho da farinhada de Bono me, e até via o embor nal perfurado de balas que se en contrava guardado no baú de mi nha bisavó, como se eu fosse minha mãe ou minha tia Mariêta que tiveram a oportunidade de conhecê-la. Era tudo irreal na minha vida, apenas fantasia, mas tudo real na vida dos meus antepassa dos. 

         Aquele lugar mágico faz parte dos meus sonhos de infância, das minhas fantasias encantadoras, da mi nha vida enfim. 

         Como posso acreditar e admitir que a Nascença está seca? Onde está a sua água nascente a jorrar in cansavelmente? Aonde foi parar a água que faz parte daquela paisagem desde o tempo dos índios Cariris ? Como posso aceitar esta nova realidade? 

        Já era doloroso saber que a Casa Grande onde meus ascen dentes residiram já não mais existe, foi demolida.Que o engenho, as fruteiras, os canaviais, tudo fazia parte de um passado. Nada mais restava. Mas ali estava a relíquia que me provava que tudo não havia passado de um sonho, de fantasias minhas. A majestosa nascente ao pé do serrote era a prova de que tudo era real.Eu não havia apenas sonhado.Ela estava ali e sempre estaria como testemu nha fiel da nossa história.Todos a conheciam e admiravam-na. 

         Em 16 de julho de 2004, após sessenta anos de ausência, es tava ali uma das netas do coronel Basílio: Maria, a filha de Manoel (Nenen Basílio), uma pessoa querida que viera de Marília-SP, para fazer-lhe uma visita e matar as saudades. Com ela para conhecer a quele local encantador estavam as filhas Iracema e Zuíla, acompa nhadas de mim e do meu filho Rogério.Foi um reencontro emocionan te que nos levou á lágrimas.Porém, jamais imaginei que aquele fosse nosso último encontro, que se tratasse de uma des pedida. 

        Seria até loucura da parte de alguém pensar que a Nascença um dia secaria.Ele sempre esteve ali, a nos a fio, décadas após dé cadas, século após século. Impossível!!! É preciso ver para crer!  É inaceitável! 

       Meu Deus !!! Que está acontecendo? Será um dos sinais do fi nal dos tempos? Ou a natureza está revol tada contra os brejo-santenses? Por que??? 

        Será que ninguém vai atender ao lamento daque le  chão seco, rachado em pequenos torrões estarre cidos? Será que mais uma vez as autoridades e o povo desta terra ficarão calados, inertes diante de mais um crime contra nosso patrimônio histórico cultu ral?


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