INVENTANDO O FUTURO

Quando se é sensível sente-se o outro mesmo que este pronuncie apenas uma frase. Senti este “outro” numa rápida conversa que tivemos hoje. Entrei no banheiro do meu trabalho e vi que havia uma mulher; perguntei, ingenuamente, “Ah, é você?” e ela respondeu: “E quem é que lava o banheiro?”.

A tonalidade deste “E quem é que lava o banheiro?” me disse tudo.

Ela se sente incomodada com sua condição de faxineira, de lavadora de banheiro. E para chegar a dizer para mim, que sou um quase desconhecido, é porque tal fato já lhe pesa, e bastante.

Alguém poderá dizer, mas que mal há em ser faxineira, em lavar banheiro? Não é uma profissão honrada como qualquer outra? No que respondo prontamente, sim é tudo isso; desde que não seja eu que esteja a manipular a vassoura. E que também não seja você que fez a indagação.

Nenhum ser humano se conforma em ser o que é, esta é sua essência e cruz. Essência porque desejar é como os confins do universo, por mais que nos aprofundemos jamais chegaremos ao fim.

Cruz porque se carrega o peso do desejo, a ânsia do desejar e não ter, não poder ter; o gosto amargo do não ser, do não possuir. Qual será o ser humano que nunca desejou ardentemente alguma coisa que não podia de modo algum ter ou ser?

A cruz humana vai além da profissão. A faxineira talvez olhe para mim e queira estar em meus sapatos. Eu por minha vez aponto para outro norte e quero até ele chegar. Será que o Barak Obama não têm desejos?

Eu me compadeci com a decepção da faxineira, em ter que todo dia fazer aquele trabalho sujo que ela faz. Não sou hipócrita a ponto de dizer que esta profissão é como qualquer outra, pois não a quero de modo algum para mim.

Queria dizer a ela, mas faltou intimidade, faltou tempo, talvez não quis ser chato ou entrar num tipo de assunto desses na porta do banheiro; queria dizer que se há alguma “salvação” para sua condição, pelo menos na questão profissional, esta deverá vir dela mesma. De sua inteligência, força, disposição...

Diria a ela também que não espere por uma redenção, pois sei que as pessoas inconscientemente aguardam por um messias, ou algo exterior a si mesmo para promover as mudanças possíveis em sua vida.

Mudanças possíveis em sua vida.

Temos que saber o que é possível e o que não é. O que pode ser mudado e o que não pode. Nossa condição desejante ansiosa e sempre insatisfeita reinará plenamente quer sejamos faxineiros ou chefes do executivo federal. O que nos causará sempre muita angústia e um mal estar recorrente.

Mas a vassoura eu tenho certeza que ela poderá largar, certeza absoluta. Assim como eu deixei de lado as latas de concreto que carregava.

O que fiz?

Matei uma série de sonhos e idealizações, principalmente o messias. Este foi o primeiro a morrer, depois a culpa que ele trouxe e sua crença na felicidade e no amor.

Sou um desiludido hoje?

Sim, completamente. Contudo, sei que o futuro não existe. A mim cabe inventá-lo e inserir-me nessa invenção.

A perspectiva é excitante, consigo até mesmo sorrir sem forçar.

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 18/01/2011
Reeditado em 18/01/2011
Código do texto: T2737726
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