Enquanto houve saudade...
A saudade é a força-motriz da esperança. Os poetas dizem que desenvolvemos a saudade em nosso espírito para atualizar as realidades distantes ou perdidas. Segundo eles, sentimos saudade como uma tentativa de dizer que alguma é possível, que pode acontecer de novo. A saudade, muitas vezes, nos impede de enlouquecer. A saudade, cujo verbete os portugueses teimam em dizer que só existe nos meio lusófonos, na verdade tem rica expressão em outras línguas, cada uma a seu modo, mas todas expressando o mesmo sentimento e a mesma sensação de perda. Mesmo diante das alegrias do presente, sempre sentimos saudade do que passou. Tudo aumenta quando é visto pela ótica da saudade.
Na minha infância, meus pais curtiam, como um cult, as músicas românticas cantadas por Orlando Silva, um cantor de destaque daquele tempo. Eu recordo, o enlevo do casal, escutando um disco, daqueles “bolachões” pretos, setenta e oito rotações, uma valsa, “Enquanto houver saudade”, se não me engano de autoria de Mário Lago. Hoje reconheço que a casa da saudade é a memória; uma cabana bem pequena, num canto do nosso coração. Eu tenho saudade da minha infância, da moradia dos meus pais, ali na Borges de Medeiros, perto do viaduto, em Porto Alegre.
Como toda a criança, queria crescer para viver minha vida, ter uma profissão, amealhar um certo patrimônio, casar, ter filhos. Hoje tenho tudo isto, mas essa realização completa não consegue me impedir de ter saudade do passado. A saudade é como um sol de inverno: ilumina sem aquecer. Nesse aspecto, a saudade é a alma do tempo. Por este motivo sentimos saudade do tempo que não sabíamos o que é ter saudade.
Como fruto da saudade, os tradicionalistas erguem seus galpões para cultivar as tradições do passado, buscando honrar um passado rural que nunca existiu, mas que eles idealizam através dos sentimentos de fraternidade, acolhida, alegria, prosperidade, paz e fartura. É um preito de saudade elaborado através da otimização de uma situação imaginária. Será que existe quem não tenha saudade?
No terreno místico, temos saudade de nossas origens. Viemos da casa do Pai e para lá vamos retornar um dia. Quando um certo tipo de melancolia nos assalta, ficamos acabrunhados, sem saber o que realmente sentimos, e sem encontrarmos uma resposta que satisfaça. Isto nada mais é que a saudade da casa do Pai.
Sentir saudade do passado, da infância, dos parentes e amigos que já se foram é sinal de desejo de um retorno, de uma introjeção ao que passou, e que vai voltar acontecer num futuro metafísico, numa verdadeira apocatástase. A saudade exacerbada é um sinal de velhice. É um bom sinal.
Sentimos saudade de quê? Em princípio de tudo. Desde a calma da vida uterina, de nossa juventude, dos momentos felizes do passado, quando éramos felizes e não sabíamos. Às vezes nutrimos uma saudade danada dos minutos que passaram, pois coisas que sucederam há pouco podem ter sido irrepetíveis e não voltar mais. É o pânico da oportunidade perdida.
Por fim, a saudade é um sentimento estranho; às vezes cruel. Não cremos nunca que a sintam como nós a sentimos. Nem que a sentimos como a sentem. Por ser um mal que é bem, uma dor que não dói. E assim, é uma tristeza que sorri dentro de nós.
“Enquanto houver saudade,
lembrarás de mim,
pois a felicidade,
não se esquece assim...”.