CONJUGAL
Li Rubem Alves e muitas vezes o poema
de Drummond As Sem Razões do Amor.
Ele é tão bonito! A leitura é mansa e fácil
como Uma carícia.Nunca senti nada que
me causasse estranheza, exceto o delici
oso“sem razões”, jogo escondido aos ou
vidos, só perceptível a quem lê...Mas, na
última vez que li, minha carícia encon
trou um espinho que me obrigou a per
guntar.
Eis as palavras do poeta:
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim
Porque amor não se troca,
não se conjuga...
“Não se conjuga”. Esse “conjuga” me encomo
dou. É claro que amor não se conjuga. O poeta
está dizendo o que é óbvio.Perturbado por essa
obviedade, suspeitei que houvesse algo mais,
pois na poesia o óbvio é sempre disfarce: há al
guma coisa escondida.
Tratei então de investigar. Em primeiro lugar
me perguntei sobre o sentido de “conjugar”.
“Conjugar” é fazer uma palavra dançar segun
do uma lei.Em português temos quatro danças
para os nossos verbos: a dança “ar”, a dança
em “er”, a dança em “ir”, a dança em “or”.
As danças dos verbos em nada se parecem
com a lambada. Soa minuetos preciosos e rigo
rosos. As invenções e improvisações são rigo
rosamente proibidas. Tudo está previsto no
manual: as palavras vão se mexendo amarra
das a uma barra fixa. Isso o próprio Dru
mmond explica no poema, ao dizer que o “A
mor foge a dicionários e a regulamentos vári
os”. Consultei a etimologia, e descobri que
“conjugar” vem do latim com + jugum. Ju
gum quer dizer “canga”.”Conjugar é obrigar
algo a se submeter a uma canga.
“Canga”, como todo mundo sabe, é uma tra
va horizontal de madeira que se coloca so
bre os pescoços dos bois.Graças as cangas
os bois puxam os carros. Sem a canga cada
boi iria numa direção diferente e seria im
possível controlar o carro. A canga existe
para somar: dois bois valem mais que um.
Mas existem também para dissuadir: sob a
canga os bois desistem de ter idéias própri
as. Boi em canga não faz nada de errado. É
inútil fazer planos de sair correndo pelo mato,
porque não é possível arrastar o companheiro.
Sob a canga os bois ficam à mercê do carreiro
e do ferrão. Como diria Dante:“Deixai toda es
perança, vós, bois sob canga”!
Meu dedo escorregou para jugulare, de
onde vem “jugular”, derivada da mesma
raiz jugum.
Jugular é a veia que passa pelo pescoço,
No lugar da canga. Mas jugulare, em la
tim, tem o sentido sinistro de “degolar,"
cortar a garganta. O lugar da canga é o
lugar da degola!
Descobri então- e foi isso que me assus
tou- que “conjugal” vem da mesmas ra
íz! Quem diria que uma palava tão boni
ta, tão amorosa - leito conjugal, laços
conjugais- tem a ver com canga.
“Conjugal”quer dizer “Aqueles que estão
unidos pela mesma canga”.
Deus me livre!
Tive então visão terrível. Imaginei que
um desses sacerdotes novinhos, aprecia
dores de novidades, tentado pela etmo
logia e desejoso de fazer com que a li
turgia fosse fiel as palavras no seu senti
do original, resolvesse criar uma nova
liturgia para os casamentos, “ao pé da
letra”.E assim, mandasse fixar sobre o
altar um par de roldanas de onde pen
deria, definitiva, uma canga. Quando
chegasse o momento solene da troca
das alianças, ele diria que as alianças
não são necessárias, posto que não
passam de transformações fracas de
um símbolo forte: cangas são mais
fortes que anéis. No que ele não dei
xaria de ter uma pitadinha de razão.
Pois as alianças só têm sentido como
elos de uma corrente, um instrumen
to usado para prender, amarrar. Pro
va disto é o símbolo de um casamen
to realizado na África, fazem muitos
anos: um homem e uma mulher, es
culpidos em madeira, amarrados um
ao outro, pela cabeça, por meio de
uma corrente, também de madeira.
Não há como negar: o símbolo da
Canga é mais claro, convincente e
definitivo.
Além de ser mais eficaz. Como já
dissemos, a canga tem um enorme
poder dissuasório – o que não é ver
dade em se tratando das alianças. U
ma aliança se tira do dedo com faci
lidade – o que abre caminhos para
inúmeros descaminhos. Mas quem
pensaria em qualquer infidelidade
tendo uma canga sobre o pescoço?
Assim, nos momentos solenes das
promessas, inverter-se-ia o dito de
Drummond: os noivos seriam
“conjugados, ou seja, curvar- se –
iam, ao som da 4* corda , de Bach,
esticando seus pescoços, sobre os
quais baixaria a canga, símbolo su
premo da sua situação conjugada-
conjugal.
O Processional de saída da igreja
seria um pouco difícil, dada a falta
de prática dos noivos. Boi novo
em canga é sempre desajeitado.
Mas com tempo a prática viria.
Como bem podem ver, fiquei hor
rorizada com esta possibilidade, ra
zão por que venho solicitar das au
toridades competentes que seja pro
ibido o uso da palavra “conjugal”
para se referir à condição de casa
dos. Temo que esta sinistra liturgia
ainda venha a ser aprovada como
ortodoxa, tendo em vista, especial
mente, a ênfase na canga, ou seja,
conjugalmente, os casamentos são
indissolúveis. Não conheço nen
nhum boi que tenha conseguido
quebrar o jugo. Claro que isso só
tenha haver com o casamento. Per
manece, como verdadeiro dito do
poeta Drummond sobre o amor,
que é outra coisa:
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga....
Minhas homenagens aos Carìssimos
poetas...
Carlos Drummond de Andrade e
Rubem alves...
Maravilhosos escritores!!!
Maria Alice Pinto
Verão de 2011
Li Rubem Alves e muitas vezes o poema
de Drummond As Sem Razões do Amor.
Ele é tão bonito! A leitura é mansa e fácil
como Uma carícia.Nunca senti nada que
me causasse estranheza, exceto o delici
oso“sem razões”, jogo escondido aos ou
vidos, só perceptível a quem lê...Mas, na
última vez que li, minha carícia encon
trou um espinho que me obrigou a per
guntar.
Eis as palavras do poeta:
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim
Porque amor não se troca,
não se conjuga...
“Não se conjuga”. Esse “conjuga” me encomo
dou. É claro que amor não se conjuga. O poeta
está dizendo o que é óbvio.Perturbado por essa
obviedade, suspeitei que houvesse algo mais,
pois na poesia o óbvio é sempre disfarce: há al
guma coisa escondida.
Tratei então de investigar. Em primeiro lugar
me perguntei sobre o sentido de “conjugar”.
“Conjugar” é fazer uma palavra dançar segun
do uma lei.Em português temos quatro danças
para os nossos verbos: a dança “ar”, a dança
em “er”, a dança em “ir”, a dança em “or”.
As danças dos verbos em nada se parecem
com a lambada. Soa minuetos preciosos e rigo
rosos. As invenções e improvisações são rigo
rosamente proibidas. Tudo está previsto no
manual: as palavras vão se mexendo amarra
das a uma barra fixa. Isso o próprio Dru
mmond explica no poema, ao dizer que o “A
mor foge a dicionários e a regulamentos vári
os”. Consultei a etimologia, e descobri que
“conjugar” vem do latim com + jugum. Ju
gum quer dizer “canga”.”Conjugar é obrigar
algo a se submeter a uma canga.
“Canga”, como todo mundo sabe, é uma tra
va horizontal de madeira que se coloca so
bre os pescoços dos bois.Graças as cangas
os bois puxam os carros. Sem a canga cada
boi iria numa direção diferente e seria im
possível controlar o carro. A canga existe
para somar: dois bois valem mais que um.
Mas existem também para dissuadir: sob a
canga os bois desistem de ter idéias própri
as. Boi em canga não faz nada de errado. É
inútil fazer planos de sair correndo pelo mato,
porque não é possível arrastar o companheiro.
Sob a canga os bois ficam à mercê do carreiro
e do ferrão. Como diria Dante:“Deixai toda es
perança, vós, bois sob canga”!
Meu dedo escorregou para jugulare, de
onde vem “jugular”, derivada da mesma
raiz jugum.
Jugular é a veia que passa pelo pescoço,
No lugar da canga. Mas jugulare, em la
tim, tem o sentido sinistro de “degolar,"
cortar a garganta. O lugar da canga é o
lugar da degola!
Descobri então- e foi isso que me assus
tou- que “conjugal” vem da mesmas ra
íz! Quem diria que uma palava tão boni
ta, tão amorosa - leito conjugal, laços
conjugais- tem a ver com canga.
“Conjugal”quer dizer “Aqueles que estão
unidos pela mesma canga”.
Deus me livre!
Tive então visão terrível. Imaginei que
um desses sacerdotes novinhos, aprecia
dores de novidades, tentado pela etmo
logia e desejoso de fazer com que a li
turgia fosse fiel as palavras no seu senti
do original, resolvesse criar uma nova
liturgia para os casamentos, “ao pé da
letra”.E assim, mandasse fixar sobre o
altar um par de roldanas de onde pen
deria, definitiva, uma canga. Quando
chegasse o momento solene da troca
das alianças, ele diria que as alianças
não são necessárias, posto que não
passam de transformações fracas de
um símbolo forte: cangas são mais
fortes que anéis. No que ele não dei
xaria de ter uma pitadinha de razão.
Pois as alianças só têm sentido como
elos de uma corrente, um instrumen
to usado para prender, amarrar. Pro
va disto é o símbolo de um casamen
to realizado na África, fazem muitos
anos: um homem e uma mulher, es
culpidos em madeira, amarrados um
ao outro, pela cabeça, por meio de
uma corrente, também de madeira.
Não há como negar: o símbolo da
Canga é mais claro, convincente e
definitivo.
Além de ser mais eficaz. Como já
dissemos, a canga tem um enorme
poder dissuasório – o que não é ver
dade em se tratando das alianças. U
ma aliança se tira do dedo com faci
lidade – o que abre caminhos para
inúmeros descaminhos. Mas quem
pensaria em qualquer infidelidade
tendo uma canga sobre o pescoço?
Assim, nos momentos solenes das
promessas, inverter-se-ia o dito de
Drummond: os noivos seriam
“conjugados, ou seja, curvar- se –
iam, ao som da 4* corda , de Bach,
esticando seus pescoços, sobre os
quais baixaria a canga, símbolo su
premo da sua situação conjugada-
conjugal.
O Processional de saída da igreja
seria um pouco difícil, dada a falta
de prática dos noivos. Boi novo
em canga é sempre desajeitado.
Mas com tempo a prática viria.
Como bem podem ver, fiquei hor
rorizada com esta possibilidade, ra
zão por que venho solicitar das au
toridades competentes que seja pro
ibido o uso da palavra “conjugal”
para se referir à condição de casa
dos. Temo que esta sinistra liturgia
ainda venha a ser aprovada como
ortodoxa, tendo em vista, especial
mente, a ênfase na canga, ou seja,
conjugalmente, os casamentos são
indissolúveis. Não conheço nen
nhum boi que tenha conseguido
quebrar o jugo. Claro que isso só
tenha haver com o casamento. Per
manece, como verdadeiro dito do
poeta Drummond sobre o amor,
que é outra coisa:
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga....
Minhas homenagens aos Carìssimos
poetas...
Carlos Drummond de Andrade e
Rubem alves...
Maravilhosos escritores!!!
Maria Alice Pinto
Verão de 2011