Dos princípios norteadores da Extensão

A Extensão não deve ser vista unicamente através do pilar constitucional da composição universitária, enquanto um dos elementos essenciais para a configuração do tripé Ensino-Pesquisa-Extensão. Mais, muito mais que isto, deve ser concebida diante de sua importância na formação d@ estudante e na concretização da responsabilidade social de sua instituição, frente aos anseios e problemas vividos pela comunidade em que a universidade está inserida.

Para muit@s estudantes, a Universidade é um momento breve de formação, capacitação e preparação para o mercado de trabalho, o qual, com suas leis e demandas, já influencia demasiadamente na estruturação dos cursos, como constatado na escolha de auxílio financeiro de determinadas bases de pesquisa em detrimento de outras, para não exaurir o assunto ao focar nas disciplinas curriculares e suas ementas.

Muitos pensadores – como Darcy Ribeiro, Paulo Bonavides e Boaventura de Sousa Santos – já problematizaram a universidade diante das expectativas sociais nela investidas e de sua escolha como espaço ideal para a concretização das diversas políticas afirmativas e de (re)pensar o Brasil e suas práticas nos mais diversificados campos do saber, integrando-os para o desenvolvimento e a qualidade de vida d@s brasileir@s – a nível local, regional ou nacional.

Para que esta responsabilidade e função social sejam efetivadas, é preciso que não haja muro que separe a universidade e a comunidade a quem se destina zelar e construir. Diante disto, a prática extensionista surge como precursora vital da formação de profissionais engajad@s com os problemas e as demandas sociais, cientes de seus papéis transformadores e modificadores do status quo que não condiz com os interesses e as necessidades da sociedade, levando, posteriormente, para o campo profissional a responsabilidade incorporada na Extensão feita dentro da universidade.

Contudo, atualmente muitas práticas são tidas erroneamente como extensionistas quando, verdadeiramente, não o são. Isto porque há uma flexibilização do conceito nos regulamentos de cursos e nas resoluções dos Conselhos de Ensino-Pesquisa-Extensão de diversas universidades, em obediência às leis de mercado, não ultrapassando os muros da universidade, sem promover uma intervenção transformadora na sociedade.

A palavra Extensão, por si só, revela a necessidade de prolongamento, de expansão, de se ultrapassar barreiras e se estender para uma diferente realidade, não permitindo que se identifique com a prática que se enclausura em seus próprios muros – de universidades que são públicas, mas não populares, pois a camada social que vive em contextos de vulnerabilidade sócio-econômica não conseguem satisfatoriamente entrar nestas instituições - mesmo com os esforços de políticas públicas afirmativas para o escopo de democratização do acesso –, nem tem voz na produção do conhecimento universitário, pois não há também tal democratização.

Por tal razão, é necessário, conforme preleciona o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, que haja a prática da Extensão às avessas, é preciso que a universidade alcance a comunidade e esta possa ocupar o ambiente universitário, a fim de construir um conhecimento mais próximo da sociedade e, assim, da realidade.

Frente a todo o exposto, fica clara a preocupação com os princípios que devem ser norteadores da Extensão, principalmente quando se tem como enfoque o Curso de Direito no contexto brasileiro, cuja elitização perpetua a conhecida “nobreza togada” presente nos diversos tribunais e facilmente perceptível em seus julgados.

Para isto, faz-se essencial a leitura do I Manifesto Extensionista, decorrente do I ENEDEx – Encontro Nacional de Estudantes de Direito Extensionistas, realizado em 2010, na Universidade de Brasília, o qual apresentou projetos de Extensão de Direito de várias universidades.

Neste documento foram elencados princípios norteadores para a adequada concretização da finalidade social da universidade. Um destes consiste no processo de sensibilização d@ estudante para a função social e papel político da universidade e da prática jurídica, necessárias para o engajamento compromissado com a superação de desigualdades sociais e combate às opressões, o que deve, por sua vez, ser feito através de uma prática emancipatória e coerente com os princípios dos Direitos Humanos, como a universalidade, a indivisibilidade e a unidade interdependente e inter-relacionada.

Isto deve ser observado para que a universidade possa capacitar profissionais-cidadãos/ãs em seu seio, engajá-l@s para uma postura ativa frente às violações de Direitos Humanos vivenciadas pela sociedade, para que não se resignem ou silenciem, mas possam constatá-las para intervir e modificar tais panoramas.

Deve ser uma prática emancipatória, ou seja, que fomente a autonomia, para que os grupos sociais se reconheçam e se organizam enquanto sujeitos ativos, livres e responsáveis pelas decisões de sua comunidade, através da construção e fortalecimento da cidadania ativa e do engajamento de atores/atrizes envolvid@s no processo de construção de novas realidades sociais.

Ou seja, para que seja responsável por seu destino, não concebendo-o a partir de uma visão fatalista e determinista, mas acreditando no futuro como uma realidade construída por suas mãos, através de uma cidadania que ultrapasse o mero exercício de direitos civis e políticos mas possa abarcar os direitos sociais, econômicos e culturais, conforme os princípios de indivisibilidade e interdependência que constroem a unidade dos Direitos Humanos.

Emancipatória e de fomento à auto-organização e auto-reconhecimento para que, integrada uma comunidade por laços de identidade, história, respeito e confiança mútuas, consciente de que seus membros vivenciam cotidianamente as mesmas violações e só por meio de mobilização interna e integração organizada são capazes de serem protagonistas de suas histórias, inclusive para que a presença d@s extensionistas nas comunidades não seja necessária para sempre, o que pode se configurar em prática assistencialista, inconcebível para uma atuação transformadora dos panoramas sociais de opressão.

Deve, ainda, ser uma prática pautada na alteridade, princípio necessário para a existência do respeito à diversidade e à diferença, sendo preciso atentar para a superação do risco comumente encontrado de que a diferença é sinônimo de desigualdade e a igualdade de padronização, quando, como Boaventura pontua “Temos direito a reivindicar a igualdade sempre que a diferença nos inferioriza e temos direito de reivindicar a diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza”.

É importante que @ extensionista se compreenda como agente externo daquela realidade, porém com ela comprometid@ em decorrência da consciência apreendida com a responsabilidade social da vida em coletividade.

É preciso, portanto, lutar pela igualdade E pelo reconhecimento das diferenças, para que a alteridade seja observada e o trabalho seja eficaz com tod@s os sujeitos sociais.

Ainda quanto aos princípios que devem guiar a atuação extensionista, é preciso, compreender que as pessoas com quem se relaciona não são objetos, mas sujeitos da relação educando-educador. E aceitar tal premissa é entender que, sendo sujeitos, estes/as não apenas ouvem, mas falam – e têm a acrescentar. Enquanto relação de sujeito para sujeito, os/as então educandos estão em igualdade, sendo sua interação horizontal, uma vez que ambos estão na mesma condição, sendo educadores-educandos.

Aceitando a premissa mencionada de que são sujeitos e de que os/as dois/duas falam, é preciso respeito na relação, que se saiba ouvir, sendo este o mais valioso princípio da atuação extensionista.

Compreendendo que a interação se dá entre estudantes universitári@s e moradores/as de diferentes comunidades, é notório que as vivências são diferentes, devendo-se respeitar, portanto, o conhecimento prévio de amb@s e, quanto ao/à estudante, é preciso romper com o dogma de que o único saber válido é aquele concebido na Academia, devendo haver o respeito pela identidade do sujeito com quem interage, o respeito por sua vivência e seu conhecimento através das vias de corpo.

Além disto, se os/as dois/duas são capazes de ouvir e falar, se há o respeito pelos diferentes saberes, sua troca e co-produção, além das vivências observadas pelas diferentes subjetividades e histórias de vidas, é plenamente possível conceber que o conhecimento não pode ser construído verticalmente, mas de maneira dialógica.

Por fim, a atuação não pode ser pontual, sem compromisso, vínculo e responsabilidade frente à palavra firmada. Isto porque a relação deve se dar em bases de confiança e respeito mútuos, a partir de uma prática continuada, capaz de ver, planejar, agir, avaliar, celebrar e começar de novo, repensando e planejando constantemente as ações com a comunidade.

Se observados tais princípios, o curso de Direito poderá se aproximar da sociedade, romper com os muros que apenas permitem uma questionável leitura dos autos e ineficaz compreensão das injustiças, violações e desigualdades constantes dos autos e das vivências de seus/suas protagonistas.

Onde está a sociedade, deve estar o Direito, o qual deve ser repensado a luz do seio social, de sua efetivação, da concretização do ideal de Justiça e de responsabilidade social almejados pelos cidadãos, para pensar o Brasil como seu problema, em exercício de alteridade e respeito à sociedade a quem se destina zelar, em pleno exercício de cidadania – pois ser cidadã(ão) não é apenas viver em sociedade, é transformá-la.

Lucas Sidrim
Enviado por Lucas Sidrim em 21/12/2010
Código do texto: T2683462