PASSEI O PÚBLICO
Estive em Correntina recentemente (17-11-10) e, embora não fosse uma viagem a passeio, pude passear um pouco pela cidade.
Paralelarmente, desde à minha chegada em Correntina, os meus
ouvidos pareciam ouvir alguns trechos de antigas canções, em
sua maior parte as de Roberto Carlos. Era somente impressão mas
ao avistar a cidade, já no Barrocão, meus ouvidos pareciam ouvir
"Olha, dentro dos meus olhos/ vê quanta tristeza de chorar por ti
por ti..."; e fui edentrando a cidade, que agora sobe seus morros
parecendo fugir do rio. Não, não fujam do rio, não o deixem só.
Sorriam, mas defendam o rio.
Já dentro da cidade, ao passar pelas margens do rio, parecia
que eu ouvia "Você deixou alguém a esperar/ você deixou mais
um na solidão..." e a voz doce do locutor do serviço de alto-falan-
tes A Voz da Esperança a dizer "...cumprimenta-os RRRRaimundo
Martins da Costaaaaa! Com o seu cordial boa tarde..." Não dei-
xem morrer a memória cultural correntinense.
Próximo ao cemitério velho, no Cancelão, meus ouvidos escuta-
vam "Querem acabar comigo/nem eu mesmo sei porque/ querem
acabar comigo/isso eu não vou deixar..."; enquanto eu observava
ao longe o Morro do Estreito tentando sair da sua carequice força-
da; enquanto a canção nos meus ouvidos mudava para "...e as
folhas vão caindo/e eu choro baixinho/mas tenho a esperança...".
Morram mas, antes, preservem o que está vivo, inclusive o morro.
Desço um pouco, rumo à captação da água no rio e vejo bem
perto a estrada querendo passar por cima de tudo, tem pressa .
A sede da estrada é maior que a nossa? Aí a canção em meus
ouvidos muda para "...e a água a correr, chuê, chuê/ e a fonte
a secar, chuá, chuá.." Bebam mas não dirijam seus carros para o
nosso rio.
E sigo vendo a cidade correndo para os morros. Lá no Mané
Roxo, após a Vila Nova, parecia que eu escutava "Eu voltei, voltei
para ficar..."; enquanto eu observava as tristes barrigudas da Ta-
maranda. Venham, sejam bem-vindos mas, não destruam o que
nos resta.
Já no Alto do São Lásaro, onde está o terminal rodoviário, anti-
go Buracão; pude encontrar Lemão ou Alemão - amigo de infância-
e me enchi de alegria; exatamente alí que foi o cenário das minhas
glórias e inglórias, jogando bola para depois apanhar em casa, jus-
tamente por causa disso; mas fui feliz! E feliz da vida pude obser-
var já mais adiante o Bairro do Ouro, hoje pobre e sem o precioso
metal, onde o tempo e o Riacho Vermelho foram mortos na Matan-
ça do adeus. Meus ouvidos pareciam ouvir "Nossa Senhora me dê
a mão/ cuida do meu coração..." Façam a nova Câmara Municipal
sem deixar virar um caso policial.
Segui adiante pela Colina Azul, Planalto e Antonio França, junto
ao prédio da Prefeitura e do novo Fórum Helvécio Rocha; meus ou-
vidos pareciam ouvir "Eu vou fazer, amor um ninho/ com amor e
muito carinho..." Conservem os órgãos públicos mas, conservem um
juiz na cidade, pelo menos.
Descendo rumo ao rio, no centro; ao passar pela ponte, apon-
tou-me a lembrança de Roberto Araújo (que finalmente encontrei)
e as suas idéias para a Rua da Cultura; enquanto no rádio do carro
uma rádio local tentava acariciar meus ouvidos com outras canções
eu recordava uma velha canção que compus, na qual se diz "Lá on-
de eu nasci/passa um rio aonde eu vi/a lua brilhar no fundo/hoje eu caí no mundo..."; e fui vendo o rico rio que ri das éguas, das man-
sões e dos pivôs; e ele, pivô de tudo, sofre e sofre mais acima o
bairro São José, tentando se equilibrar entre um e outro, a Porte-
linha que surge também subindo o morro, como se corresse do rio.
Mais uma vez os meus ouvidos escutam outra canção que diz
"Eu vi um menino correndo..." Não dêem Extrema unção às nossas
matas.
Rumando para a Biblioteca Municipal , D. Anísia Moreira; reen-
contrei Dete, que detona alegrias com seu sorriso, junto à Isabel
Nascimento, tentando preservar o gosto da leitura na cidade. E a
canção mais uma vez me pega dizendo "Eu sou um livro velho/que já viveu muito/ que já sofreu tudo..." Doem livros à biblioteca. Doar
livros não doi.
Confesso, os encontros que tive com várias pessoas e lugares em Correntina, me fazem um bem tão grande que, só quem morre de saudades, como eu é quem sabe contar
Tudo isto me traz à memória D.Zinha, a minha tia falescida ha
pouco tempo; professora por vocação, que desafiava assim como ou-
tras, as dificuldades criadas pelo desprezo das autoridades quanto à educação.
Ela, que mesmo não sendo natural de Correntina, fez questão de alí ser sepultada; em sinal de gratidão pelo que a nossa cidade deu a ela e que, por sua vez , ali deu muito de si educando um povo sofrido e carente do saber, num tempo em que até os salários eram juntados por meses seguidos, já que atrasavam tanto!
Assim, num único dia eu pude passar o público e a cidade em re-
vista, como se eu fosse alguém importante; e que ouvia além de tudo "Também quero ó minha terra querida/em teus braços feliz recli-
nar/e com lágrimas ..."
___________________________________________________________ Salvador-BA, 30/11/10.