De tempos em tempos
Aquilo foi uma paixão de juventude. Eles eram bem jovens. Conheceram-se, foram vitimados pela explosão dos sentidos e se deixaram levar. Prometeram-se em casamento, mas a coisa caiu na realidade e eles terminaram. No fogo daquela paixão, eles acabaram provando as delícias furtivas da cama. Digo furtivas, porque naquele tempo era feio namorados irem para a cama.
Mas foram, e experimentaram todas as sensações que a luxúria foi capaz de proporcionar a seus espíritos e corpos jovens. Quando se separaram, já haviam chegado à conclusão que – como diz a valsa de Luiz Menezes – aquela relação fora “louco desejo, febre, beijo, mas não foi amor”. Cada um foi para seu lado, viver sua vida, procurar seus caminhos.
Ambos casaram alguns anos depois. Ele continuou na cidade e ela foi para um lugar distante. No entanto, se não foi amor, ficou a amizade. Se a paixão se extinguiu, ficou a saudade de bons momentos. Mesmo casados, eles se encontraram, umas duas ou três vezes; repetiram a luxúria, mas não conseguiram reavivar as chamas da antiga paixão. Ficaram amigos. Telefonavam-se nos aniversários e em algumas datas referenciais. De tempos em tempos, excepcionalmente, eles se encontravam, conversavam rapidamente, trocavam informações sobre seus casamentos, seus filhos, suas vidas. E não passava disto.
É curioso como certas coisas ficaram assinalando, se não o amor, pelo menos uma atração; se não mais a paixão, ao menos uma lembrança, tudo traduzido por uma música, um perfume, uma circunstância. O tempo passou e eles não se falaram mais. Um dia, de súbito, se encontraram: as novidades, os olhares, as lembranças. Ela havia ficado viúva; ele estava divorciado.
Encontraram-se algumas vezes, conversaram, bateram papo, ambos com medo de propor alguma coisa mais ousada, revelar algum desejo oculto ou sufocado. E ficou tudo por isso mesmo. Ainda teriam capacidade, mas recusaram-se tentar outro tipo de relação que não fosse a amizade. Falavam-se por telefone; de tempos em tempos se encontravam.
Primeiro tomavam chope, depois a idade e o estado de saúde obrigou-os a usufruirem do chá, e por aí se foram. Já não falavam mais nas coisas picantes que houvera entre eles, não comentavam mais os fatos relativos aos antigos cônjuges. Falavam em amigos e parentes, pessoas que partiram, que se perderam, que morreram...
Aos poucos os encontros foram se tornando raros. Só saíam à rua com tempo firme, sem ameaças de chuvas, frio ou vento. Mesmo assim, se encontravam, de tempos em tempos, talvez uma vez por ano, falavam em doenças, em suas limitações, nos médicos e no alto preço dos remédios. Mesmo ao telefone, notavam o envelhecimento e a fraqueza nas vozes outrora alegres e ativas.
Um dia ela ligou para ele e recebeu a notícia que ele estava muito mal, hospitalizado. Ela foi ao hospital a tempo de participar de seus últimos momentos de vida.
Hoje ela recorda com pesar e saudade, tudo o que aconteceu (e o que não chegou a acontecer) entre eles. De tempos em tempos ela vai ao cemitério levar algumas flores àquele a quem hoje ela não sabe mais definir, se foi um amigo, um amante ou o grande amor de sua vida.