Falta de visão não priva crianças de viverem a infância
Os cachos e o macacãozinho rosa pertencem à mascote da turma, Larissa Barbosa, de dois aninhos. Ela é uma das crianças que têm a particularidade de enxergar o mundo de um modo especial: sem o uso da visão e com uso mais intenso dos outros sentidos. Fora essa maneira particular de interação, as crianças cegas são crianças como qualquer outra – brincam, correm, são tímidas, são falantes, choram, sorriem e voam com suas imaginações.
“Ela tem um pouco de medo de voz estranha, principalmente de voz de homem”, avisa, de início, a mãe, Ana Paula Barbosa, 33. O certo receio da pequena Larissa foi amenizado com o uso do tato. Após tatear o rosto de seu interlocutor, a menina se sentiu mais à vontade para trocar algumas palavras, embora ainda com alguma timidez.
Larissa nasceu sem o nervo ótico. A falta de visão a deixava insegura para dar os primeiros passos. Precisou de um ano e quatro meses para começar a andar – o que não é muito tempo para quem necessitou superar, aos poucos, a insegurança. Hoje, com dois anos e seis meses, Larissa ingressa na fase das perguntas. “Que cor é essa roupa que estou usando? Quem está aqui, mamãe? Como é o brinco que você está usando?” são algumas das questões que Larissa faz à Ana Paula. “Ela pergunta o dia inteiro”, diz, sorrindo, a mãe.
A curiosidade também é um dos fortes de Natiele Nonato da Silva, 11, cega desde o nascimento. As covinhas no rosto se exibem quando ela fala sobre seu passatempo preferido. “Gosto de assistir TV”. Afirmação difícil de se entender sem a explicação que vem a seguir. “Eu ouvo” (sic). Ela conta que o que mais gosta de ouvir são notícias. “Eu gosto de ficar bem informada”, justifica de um jeito adulto a menina que sonha em seguir carreira política. “Eu quero ser deputada”. E, pé no chão, argumenta: “Deputado ganha muito dinheiro”.
Mas Natiele quer deixar para ganhar dinheiro quando for deputada. Por enquanto, prefere coisas mais divertidas. “Eu gosto de brincar de boneca”, afirma. Além de boneca, ela gosta de carros. “Pra mim, a coisa mais bonita do mundo é carro”, opina. Essa preferência nasceu das informações dadas por suas mãos. “Eu passo a mão nos carros e sei que eles são bonitos”.
Como Larissa e Natiele, Sara Silva dos Santos, 9, nasceu cega. “Quando eu nasci, fui pra incubadora. Aí a luz da incubadora queimou a retina do meu olho”, conta. A falta da visão não é obstáculo intransponível para a realização da atividade preferida de Sara. “Eu gosto de correr”, diz. Para não sofrer acidentes, corre com a ajuda de um instrutor ou de um barbante. “A professora amarra um barbante numa mesa e eu corro passando a mão nele”, detalha. Mas em sua casa, é diferente. “Lá no quintal de casa, eu não preciso disso. Eu corro sozinha”, diz sobre seu espaço, já bem familiar.
O gosto pela corrida fica guardado quando Sara está no recreio de sua escola. “O que eu tenho mais medo de fazer é ir pro recreio”, diz. Como as crianças correm muito no recreio, Sara já chegou a ser atropelada. Por isso, resolveu permanecer segura e quieta em algum canto no intervalo de suas aulas.
Talvez seja nesses momentos de conversa interna que Sara pensa no mar, descrito muito bem por ela. “Eu acho que a coisa mais bonita do mundo é o mar”. As palavras saem engasgadas pelo sorriso, o maior presenteado pela menina em toda a entrevista. “Eu acho que o mar tem muita água, tem muita areia, tem sol e onda”, descreve. E, ao traçar o desenho de uma onda com o braço, Sara demonstrou, em seu rosto, que já não estava mais no local da entrevista. Ela havia voado para alguma praia.