O Direito Administrativo e sua aplicação na Sociedade

“Seja qual for o ramo do Direito que o profissional da área vier a escolher, estudar e conhecer os conceitos e fundamentos do Direito Administrativo é de suma importância, pois na maioria das ações judiciais que correm no Brasil figura o Estado em um de seus polos”.

Com esse “lembrete”, Isaias Fonseca Moraes - Procurador do Estado de Rondônia - iniciou sua palestra, proferida em Porto Velho em 23 de novembro de 2010. Com pleno conhecimento de causa, o palestrante relatou já haver passado por várias situações em que advogados e até juízes demonstraram carecer de um pouco mais de conhecimento em Direito Administrativo. Exemplificou, relatando casos de peças iniciais equivocadamente ingressadas em juízo em face de órgãos integrantes da estrutura que forma o corpo do Estado, quando na verdade a este deveriam se dirigir.

Em pouco tempo de fala, Isaias Moraes deixou evidente que conhece bem esse ramo do Direito, por tantos relegado a segundo plano (é de sua autoria o livro “Direito Administrativo”, publicado pela Editora Juruá). E rapidamente conquistou a plateia, com seu jeito firme e natural ao se aprofundar, tanto quanto o tempo lhe permitia, nos tópicos de sua apresentação.

De início, observou que o Estado divide-se (virtualmente) em três grandes setores: 1) Dos órgãos que o compõem administrativamente; 2) Dos órgãos por ele criados para atuar no mesmo segmento da iniciativa privada; e 3) De suas entidades sem fins lucrativos. Falou sobre as empresas públicas e estatais (as de economia mista, incluídas) e sobre as autarquias, estabelecendo a diferenciação entre ambas, e salientando como o próprio Estado, em alguns casos, acaba nomeando empresas que na verdade deveriam ter sido criadas como autarquias (caso dos Correios e Infraero).

Esclareceu que a autarquia diferencia-se da empresa pública, porquanto esta, quando extinta, não requer que o Estado crie outra para suprir sua ausência (como a Vasp e Beron - Banco do Estado de Rondônia -, por exemplo), ao passo que aquela, se extinta, exige do Estado a imediata criação de uma entidade que a substitua, posto que as atividades a seu cargo não podem sofrer solução de continuidade, sob pena de haver um colapso no segmento de sua inserção na sociedade.

Com muita propriedade, enfatizou Isaias Moraes que todos os artigos da nossa Constituição são igualmente importantes, pois nosso ordenamento jurídico dela deriva. Contudo, destacou o artigo 3º como sendo, a seu ver, de especial importância, já que estabelece os objetivos do Estado, um norte para todas as outras disposições da Carta Magna brasileira. Com a mesma intensidade de luz, centrou o foco também nos artigos 1º e 5º (este, considerado por muitos como “o artigo” da CF).

De forma simples e acertada, comparou o Estado a um condomínio residencial, opinando que o Estado brasileiro – como outros assim já procedem – deveria seguir o exemplo de um condomínio que aluga, por exemplo, uma parte de sua área interna de uso comum para que uma empresa privada de telefonia celular possa ali instalar uma antena, e assim auferir receita (o condomínio), reduzindo as despesas que são arcadas pelos condôminos. Por esse prisma, lembrou que o artigo 103 do nosso Código Civil estabelece que “o uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem”.

Ponto alto da apresentação foi a abordagem do palestrante relacionada ao que ele nomina “mutações no Direito Administrativo”, pela qual deve-se ver o Direito sob a ótica do nosso “Estado Democrático de Direito” - como define a CF/88 logo em seu artigo 1º. Em outras palavras, o palestrante defende que o “Princípio da Legalidade”, um dos pilares do nosso Estado Democrático de Direito, não pode ser visto apenas literalmente, haja vista que o foco das questões deve estar no cidadão e seus direitos. Lembrou que às vezes “o que é legal pode não ser moral”, cabendo aos operadores do Direito - com tal conceito em mente, e com o devido cuidado para não ferir o princípio da legalidade - orientar sua interpretação centrando o foco exatamente na questão do direito. Em resumo, propõe que onde se lê “Princípio da Legalidade” leia-se “Princípio do Direito”, de modo a se promover o necessário enfrentamento das leis “injustas”.

Nessa linha de pensamento, falou do “common law” (do inglês “direito comum”), que é o direito que se desenvolveu em certos países (como Inglaterra e Estados Unidos, por exemplo) por meio das decisões dos tribunais, e não mediante atos legislativos ou executivos. Constituindo, assim, um sistema ou família do direito diferente da família romano-germânica (caso do Brasil), que enfatiza os atos legislativos. Nos sistemas de common law, o direito é criado ou aperfeiçoado pelos juízes: uma decisão a ser tomada num caso depende das decisões adotadas para casos anteriores e afeta o direito a ser aplicado a casos futuros. Nesse sistema, quando não existe um precedente, os juízes possuem a autoridade para criar o direito, estabelecendo esse precedente. E observou que no Brasil está ocorrendo um processo de “esgotamento” do positivismo baseado na “teoria pura do direito” de Hans Kelsen, segundo a qual “se não estiver na lei não é direito”.

Bom exemplo dessa mudança, destacou Isaias, são as súmulas vinculantes, que vêm a ser a jurisprudência que, quando votada pelo Supremo Tribunal Federal, se torna um entendimento obrigatório ao qual todos os outros tribunais e juízes, bem como a Administração Pública, Direta e Indireta, terão que seguir. Na prática, adquire força de lei, criando um vínculo jurídico e possuindo efeito “erga omnes” (extensivo a todos os indivíduos de uma determinada população ou membros de uma organização, para o direito nacional). Cabendo observar, também, que essa espécie de súmula não vincula o Poder Legislativo – sob pena de criar uma indesejável petrificação legislativa –, nem o próprio STF, que pode alterar o seu entendimento esposado em súmula vinculante, por meio de votação que obedeça ao mesmo quórum necessário à sua aprovação inicial (2/3 dos seus membros). A súmula vinculante foi criada em 30 de dezembro de 2004, com a Emenda Constitucional n° 45, que adicionou à Constituição Brasileira o artigo 103-A, com o seguinte teor:

“O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.”

Vale mencionar, por oportuno, que atualmente uma das propostas mais importantes no anteprojeto do novo Código de Processo Civil Brasileiro, que está com sua aprovação em trâmite, é a criação de um sistema de precedentes vinculantes para todas as instâncias.

No campo das mudanças em curso, ou “mutações no Direito Administrativo”, como denominado pelo palestrante, ele destacou: 1) as de natureza social: utilização do patrimônio público e cobrança pelos serviços prestados pelo Estado, com a consequente possibilidade de redução da carga tributária; e 2) na administração: alterações na estrutura da administração e no campo de pessoal.

Penso que a mensagem de Isaias Moraes pode ser resumida na citação que ele fez de um trecho de artigo publicado pelo professor Diogo de Figueiredo: “(...) não mais basta que o Estado se submeta ao Direito conformado pelas leis, que é seu próprio produto; é necessário que estas leis se submetam ao Direito, que é produto da sociedade”.