América, a terra das ilusões
Nas constantes noites de insônia, me volto para a janela com os pensamentos em você: América dos desejos incuráveis, dos pecados impossíveis, a deusa alentadora dessa manada de desajustados. Tua sorte é o azar dos pobres e a sebe que te envolve tem veneno nos espinhos, tua caminhada é imparcial e nossa vida um desejo consumista involutário, porque em tuas ruas nós nos perdemos e deixamos sempre cair um pouco de nossa dignidade em teus bares. América da exploração, aqui descansam teus heróis bastardos que não merecem a glória das luminárias de teus palácios. Nessas noites quentes, em que o ar me chega fraco aos pulmões eu te imagino triste e solitária, sentada ao oeste do Velho Mundo, esperando tua chama se apagar, esperando teus filhos te vencerem e navegarem através de tuas águas para terras mais promissoras. Mãe perdida, terra em que os filhos se alimentam de teu seio, catedral da insolência.
Meu olhar te toca ao longe, fujo deste canto esquecido da América do Sul, me escondo nos mistérios das tuas terras Latinas. Sou a noite da América do Sul esperando por desejos de paz, a noite que é pobre como nossa gente. Vejo os frutos apodrecendo em tuas árvores tropicais, tuas praias atoladas de turistas. Copacabana é um mito esquecido nas páginas lúdicas de tua história, um ritual de passagem para o caos do calor escaldante que se tornará - um imenso deserto em pleno Rio de Janeiro, com todos seus turistas se amontoando pelos prédios e arranhas céus, e os burocratas de São Paulo, se orgulhando por morrerem na maior cidade da América Latina. Salvador, tu não serás a terra da salvação e aos pés de um Porto Alegre sofrerás com a mesma indignação que nossos filhos, adormecidos pelo som de um trovão. Paraísos em Havana destruído pelo Sonho Vermelho, líderes socialistas entregues aos vermes. A paz de La Paz não é plena, a América Latina é um engano, assim como todas terras dessa vasta colonização enganosa. Terra lúdica. Ao sul onde no frio descansa em Buenos Aires, as cores que pintam em teus arco íris são iguais as de Quito ou Calcutá. Suba para Machu Picchu, nossas terras são exploradas a todo momento. Os turistas são os parasitas com dinheiro. América, teus parasitas pobres são andarilhos, aventureiros, eles não irão te destruir, mas você os depena, você os põe na contravenção. As luzes de Las Vegas irão se acender outra vez, só para ver a tua queda, maldita terra dos desejos. Chicago, Califórnia, todos tem o mesmo sonho enfiado na cabeça: vencer um dia, chegar o mais longe. Mas por mais longe que se chegue ainda se estará na América, procurando algum sonho para comprar, revirando os bolsos para achar algum trocado, olhando triste para o maço de cigarros. Sempre haverá quem chore em tuas esquinas América, e também sempre haverá quem sorria em teus hotéis, em teus cassinos, em teus programas de tv, em teus comerciais sugestivos, nas placas das autoestrada. Caroneiros são sufocados pelo próprio desejo de atravessar a América. Você vende sonhos a quem não pode comprar, você nos abençoa com a rendição do crime, nos induz a vender a alma ao diabo, que é você, em New York City, com um terno estilo New Orleans, maltratando crianças. Nos teus becos há sangue impuro, derrubado pela ânsia de viver. Há alguém procurando comida na sujeira, ali estão todas as pessoas que você não deixou vencer, todos os perdedores e pais de familias desunidas, desatadas pelo segundo lugar. Teus lares são a morada do desejo, em cada labirinto que tu constrói para se esconder, alguém se perde por achar que estava a salvo.
Este céu carregado, essas nuvens pesadas, é uma tempestade que se aproxima de ti, é uma água triste que irá lavar tuas ruas, inundar os casebres de gente pobre, destruir os sonhos de moradores de rua. Irá lavar os jornais atirados no chão, que estampam as lúdicas notícias de prosperidade. Prosperidade que custa o emprego dos trabalhadores, tuas máquinas estão a serviço dos patrões, e os patrões a serviço de ti, América infiel. É o paraíso da trapaça, onde apenas os jogadores sujos se dão bem. Mas confiei em ti a minha vida, antes mesmo de nascer, América. Me dê os frutos dessa escolha, me dê uma colher de esperança, um colírio em meus olhos. Estou dançando a dança dos desabrigados nessa chuva embriagada. Meus olhos parecem enxergar através dos edifícios e você me comtempla com este olhar cansado, perdido. Me sussura no ouvido:
"Estou perdida, estou jogando o jogo que criei mas eu mesma esqueci as regras. Me coloque no correio e me mande pra casa, eu sou a América lasciva que perdeu o controle, o anjo decadente, o vagabundo iluminado, os anciões em praças públicas, as crianças nos jardins, os amantes nos motéis, os traficantes pelos becos... eu sou todas minhas próprias invenções..."
Ah, doce América, adoro teus sonhos, adoro teu ar, teus caminhos. Adoro ser enganado por ti, antro das perdições...