Mídia e Racismo
Peço a você que visualize junto comigo um diretor de telenovela, acabando de receber o script das mãos do autor para o próximo folhetim do horário nobre. Ele começa a ler a sinopse da trama e a descrição de cada personagem. No papel do galã segue a descrição: Empresário bem sucedido, entre 30 a 35 anos, porte físico atlético, bonito. Será que o diretor convidará um ator negro para dar vida a esse personagem? Provavelmente não. Por mais que tenhamos avançado, o negro ainda não é visto como um profissional bem sucedido. Ele esta mais para o faxineiro, a diarista, o chofer, o bandido... Também é difícil aceitar o negro como galã. O padrão europeu de beleza está longe de ser quebrado. Para a maioria das pessoas, existem negros, latinos e asiáticos bonitos, mas no geral, o biotipo de cabelos loiros e olhos claros é considerado o auge da estética. E a mídia sabe muito bem explorar isso.
A sociedade brasileira é racista, de tabela a mídia também . É um racismo diferente dos EUA, por exemplo, que tende a segregar brancos e negros. Aqui no Brasil está todo mundo misturado. O negro é maioria e minoria ao mesmo tempo. Está em maior número na quantidade de pessoas, está em maior número entre as camadas mais carentes, está em menor número no que diz respeito à escolaridade e está em menor número ainda na mídia. Como nós vivemos num país miscigenado, e exportamos pra gringo ver a imagem da mulata que samba quase nua, mantemos uma postura anti-racismo, mas essa nossa postura só mascara o que somos de fato: Somos preconceituosos e racistas. Por mais que se diga que não, é a mais pura verdade, e quem é negro sabe do que estou falando. Pois eu não posso descrever o que é ser barrado numa festa por causa da minha cor, não sei o que é ser confundido com um bandido por causa da minha cor, não sou comparado ao macaco por causa da minha cor. Nesse momento, vários cidadãos brasileiros estão sendo descriminados pelo simples fato de serem negros.
Precisamos dialogar francamente. Precisamos assumir que somos excludentes e racistas. Esse é o ponto de partida para que a mudança venha ocorrer de fato. Não dá para discutimos esse assunto apenas na Semana Da Consciência Negra. Essa questão deve ser pauta nas escolas e univesidades durante o ano inteiro. O negro precisa questionar a sua ausência na mídia. Por que os atores negros só são maioria quando uma novela aborda a escravidão ou um filme mostra o banditismo nas favelas? Na novela Passione, que está no ar atualmente, há um negro como um dos executivos de uma gigantesca empresa. Porém todos os demais executivos possuem um núcleo familiar, menos ele. Não aparece sua mãe, seu pai, seus irmãos...É um personagem solto, sem origens. Faltam negros no mercado de atores? Não, falta romper com o racismo velado. Se eu perguntasse a você o nome do repórter branco da Rede Globo, você com certeza rebateria: qual deles? Mas se eu perguntasse o nome do repórter negro, você responderia na lata: Heraldo Pereira. Por que? Porque só tem ele.
Sinceramente, as coisas estão melhorando. O sistema de cotas nas universidades, tão polêmico e questionado, irá formar afrodescendentes que daqui a uma década farão parte de uma nova classe média. Consumidores em potencial que vão passar a cobrar uma maior representatividade. Vão querer se ver na tela da televisão, não mais como subalternos. Também a Lei 10639, que decreta o ensino de História da África e da Cultura afro-brasileira, se posta em prática de maneira responsável, formará cidadãos que não terão mais preconceito de cor. E assim não será preciso mais falar em consciência negra, e sim consciência coletiva, cidadã, humana. Infelizmente, mesmo se extinguindo o preconceito racial, a sociedade irá arrumar um outro preconceito novinho e folha para pôr no lugar do racismo. Mas vamos focar no nosso preconceito de cada dia. Ele ainda não foi vencido. Depois falaremos dos que virão, sejam eles quais forem.