O carro do pobre
Os áulicos membros das casas legislativas do Brasil, na falta de maior criatividade, vão criar, depois da eleição, mais uma lei contra nós. Trata-se da cobrança de imposto sobre carros usados. Como se sabe, atualmente, veículos de fabricação anterior a 1986 inclusive, estão isentos de pagar o IPVA.
Agora querem mudar. Todo mundo vai pagar. Até a Brasília amarela, com roda gaúcha, ano 76 dos Mamonas vai ser taxada. Por que tudo isto? Primeiro trata-se da voragem da fiscal de nossos legisladores. Qualquer dia o povo vai pagar pedágio pelos metros de papel higiênico consumido. aliás, já paga no ICM. Mas isso não é tudo nem o principal.
Por trás há um draft elitista de esvaziar as ruas e estradas de carros velhos, para dar espaço para os novos, importados, sofisticados. Num segundo momento, e já há quem defenda, o IPVA desses usados, por “medida de segurança” será mais alto que o dos novos. Aí acontecerá a encruzilhada: ou o cidadão compra carro novo ou transforma o velho em galinheiro. No aspecto humano é uma indignidade o que querem fazer com as pessoas mais pobres, que mercê de um salário miserável, de uma aposentadoria criminosa, não têm chances de comprar nada mais que um Corcel usado ano 75. Insensível ao drama, aparece o deputado, político profissional, safado, fala mansa, vida ganha, a soldo de interesses inconfessáveis, e defeca uma lei para borrar o pobre que o elegeu. Isso é vergonhoso! É uma canalhice sem precedentes.
No aspecto humano e ético, repito, é um crime, uma indignidade o que pretendem fazer. Mas sob a ótica deles (ou a ótica-dela?), é plenamente justificado. Como sabemos, num regime neoliberal, a vida da economia é o mercado, por isso só tem direito à vida quem tem acesso ao mercado. A televisão, volto a repetir, tem seus dias contados. Logo logo só haverá tevê “por assinatura”. Quem não puder pagar só vai assistir programas educativos do governo, propagandas institucionais e outras banalidades. É gozado que não se vê programas para reduzir o número de congressistas, reduzir os salários dos magistrados, acabar com a “Voz do Brasil”, mudar os critérios da propaganda política (de obrigatória em facultativa).
Voltando aos carros, num país em que o povo não tem direito à saúde, à educação, à segurança, à moradia e ao emprego, para quê quer ter carro? É um luxo que ele não pode sustentar, e que cria perigosos precedentes tendentes a um subconsumo marginal. O nazismo começou assim.
O alemão Hitler quis fazer uma seleção, não econômica, mas genética. Como as raças chamadas
“inferiores” (judeus, ciganos e deficientes) eram consideradas um obstáculo à “nova ordem”, o führer decidiu eliminá-los.
No Brasil, pela exclusão que fazem com o povo pobre, para não ser obstáculo aos objetivos das elites, as coisas, embora sub-repticiamente se assemelham. E vem aí, para 2008 outra barreira das elites: a tevê digital.
É uma reflexão pós-eleitoral.
o autor é filósofo e escritor