A ANTIGA LUTA CONFORMISMO X CRIAÇÃO

A produção musical e cinematográfica retratada nas revistas especializadas de circulação nacional apresenta dilemas claros que envolvem a indústria cultural. Se pegarmos como exemplo a SET, referência para os cinéfolos e críticos da sétima arte, observa-se que as informações giram em torno das grandes produções. Os lançamentos são antecipados e as produtoras pagam para alguns repórteres assistirem a pré-estréias em festivais de Hollywood e os presenteiam com brindes em troca de matérias de divulgação dos produtos culturais.

E como não ceder ao marketing das mega-produtoras? Tarefa difícil, pois seria o mesmo que ir na contramão das regras ditadas pelo mercado. Existem algumas tentativas de se retratar produções independentes como é o caso da Revista Bravo, mas isso é feito de forma tímida ainda. Na música até mesmo as novas publicações dão sempre prioridade aos artistas das grandes gravadoras ou que já têm uma visibilidade na Grande Imprensa (TVs, rádios e jornais). O resultado? O conhecimento sobre a nossa cultura musical se torna reduzido.

Cabe entrarmos em uma discussão mais ampla sobre a Indústria Cultural que veio como conseqüência das revoluções industriais no século XIX. A imprensa, o rádio, a televisão e o cinema surgiram como indústrias ligeiras pelo aparelhamento do produtor. Adorno, um dos mais ferrenhos críticos de comunicação no seu livro A Indústria Cultural, faz críticas a esta forma de cultura.

Segundo a concepção apresentada por Adorno e citada pelo jornalista e professor de Comunicação Leonardo Cunha em "Dilemas do Jornalismo Cultural Brasileiro", a Indústria cultural implica na criação, dentro de uma estrutura capitalista, de produções culturais que seguem os mesmos moldes e procedimentos da produção em série de bens não culturais, transformando as manifestações artísticas em mercadoria e em entretenimento acrítico, desvinculadas de seu potencial de emancipação.

Além disso, a Indústria Cultural visaria uma integração deliberada, a partir do alto, dos consumidores de bens culturais, a quem restaria um papel passivo e alienado. Hoje já se sabe por teorias de comunicação mais recentes que a comunicação se faz de uma forma dialética e, portanto, não se pode falar em uma massa pacífica e que não interaja com as críticas produzidas por jornalistas que seguem os moldes da Indústria Cultural, entretanto, a discussão ainda é relevante pelos procedimentos de produção e divulgação impostos pela Indústria Cultural e que ainda perduram no jornalismo brasileiro.

“Mas o que existia antes da cultura de massa?” Esta pergunta é lançada por Adorno que mostra o dilema entre o conformismo burguês das produções industriais e a mediocridade arrogante das letras e das artes anteriores a esse processo. Antes dos gerentes da grande empresa, dos produtores de cinema, dos burocratas do rádio e da TV, não havia acadêmicos nem as personalidades gabaritadas ou os salões literários. A “alta cultura” tinha horror ao que revolucionava as idéias e as formas. Os criadores se esgotavam sem impor sua obra. A luta antiga entre conformismo e criação se acirrou com a Indústria Cultural e isto trouxe uma revolução para marcada principalmente pela produção cinematográfica.

Eugênio Bucci, no artigo publicado no Estado de São Paulo no dia 25 de janeiro de 97, "Roman Polanski e o Jornalismo que Virou Show Business", conta o episódio vivido por dois jornalistas ao entrevistar o cineasta no Brasil em 1988 para o lançamento do filme Frantic. Um deles para ganhar intimidade na conversa exclamou: “That´s show business”. E Polanski concordou e deu a entrevista com o intuito de levar a massa ao cinema. Mais gente, mais dinheiro. Esse encontro retrata o objetivo claro da indústria cultural: competir no mercado, aumentar o consumo de um produto da cultura. Na cobertura musical, o episódio de Polanski faz lembrar a revista Show Biss que mais tarde virou apenas Biss.

José Geraldo Couto em "Jornalismo Cultural em Crise", propõe uma plataforma para o jornalismo cujas bases seriam: facilitar o complexo e complicar o fácil. Ou seja, diante das expressões mais complexas do espírito humano – na filosofia, na música, nas artes plásticas, na poesia ou onde for, cabe ao jornalismo cultural tentar torna-las mais acessíveis ao homem comum ou, pelo menos, ao indivíduo medianamente informado que lê jornais e revistas. E diante das expressões mais banais da cultura de massa, inseri-las criticamente no contexto histórico-cultural que as fundamenta e lhes dá sentido. Claro que essa mudança requer um combate sistemático em muitas frentes, da formação profissional e intelectual dos jornalistas à discussão interna nas redações e à relação com as assessorias de imprensa e os departamentos de marketing e essa é uma tarefa das mais difíceis.

Assim como a indústria tira a força do trabalhador, pagando-lhe um salário mínimo, a cultura de massa surrupia a sensibilidade a imaginação popular para compensa-la com um lazer mínimo, entrecortado de imagens e slogans publicitários. Desta forma, Alfredo Bosi trata da questão da Indústria cultural como um dilema entre a cultura popular e a erudita em "A dialética da Colonização". Para Bosi, os intelectuais puramente acadêmicos assim como os profissionais tecnicistas estão, em geral, satisfeitos com as suas conquistas no esforço de se adequarem ao estilo internacional de vida e contentes com os rendimentos econômicos e sociais que lhes têm dado status. Por isso, podem passar a vida sem conhecer a cultura popular, sem ocupar-se dela, sem entrar em contato real com ela, bloqueados pela própria barreira de classe. Quando a vêem é apenas durante breves intervalos de lazer e a recebem como um espetáculo, imagem que só acentua o ponto de vista elitista de desprezo ou de pena pelo atraso do povo brasileiro.

A educação seria uma forma de reverter à situação do privilégio que se dá ao que é padronizado na cultura, dentro de uma esfera industrial, conforme defende Bossi. Para o universo de todo o trabalho criador, segundo o autor, é essencial assumir uma atitude de respeito e esperança. Não é o Estado, nem a Universidade, nem a Igreja, nem a Imprensa, nem qualquer das instituições conhecidas que deverá encarregar-se do destino das artes. O clima natural é o da liberdade de pesquisa formal e de descoberta de temas e perspectiva. A arte tem seus modos próprios de realizar os fins mais altos da socialização humana, como a autoconsciência, a comunhão com o outro e com a natureza. E cabe aos jornalistas culturais sensibilizarem-se a esse processo de criação contrapondo-se ao conformismo mercadológico.

Brenda Marques Pena
Enviado por Brenda Marques Pena em 19/06/2005
Reeditado em 05/05/2006
Código do texto: T26068