O verão-estufa no Brasil

O verão-estufa no Brasil

Saí de férias com minha família e percorri de carro quase dois mil quilômetros fazendo a seguinte trajetória de veraneio: Caraguatatuba (SP)-Goiânia (GO)-Piracicaba (SP)-Pirassununga (SP)- Poços de Caldas (MG)-Itajubá (MG)- Serra Negra (SP)-Amparo (SP)-Águas de Lindóia (SP)-Monte Sião (SP)- Campos dos Jordão (SP) e Caraguatatuba (SP).

1ª. Constatação: Não deu para escapar do calor escaldante durante o dia e sufocante durante a noite; combinado com mosquitos e borrachudos, à exceção do clima em Campos do Jordão, alto-de-serra, que se apresenta com agradável frescor, mesmo sendo verão.

2ª. Constatação: Veraneio no Brasil virou uma aventura perigosa nas rodovias esburacadas, mas onde há cobrança de pedágio o problema desaparece, como é o caso das rodovias paulistas. Portanto, o pedágio é benfeitor.

3ª. Constatação: Férias fazendo turismo no Brasil é muito estressante para o espírito e danosa para o bolso. A imensa lavagem de dinheiro nas zonas turísticas elevou os preços de hospedagem em hotéis e pousadas e de aluguel e compra de imóveis a níveis astronômicos para a classe média.

4ª. As pessoas não estão satisfeitas com a vida no litoral e nem com a vida mediterrânea, no interior; de um modo geral, os Brasis do Nordeste e Sul -Maravilha vêm perdendo seus encantos e ampliando suas mazelas. A globalização leva os ricos para o exterior e confina os assalariados nas capitais e grandes cidades do interior.

Lembro-me de que, em 1969, o escritor checo Milan Kundera lançou sua obra “Risíveis Amores” tendo por ambiente as estâncias hidrominerais de seu país, a Checoslováquia.

O livro fez muito sucesso. Naquela ocasião, as estâncias hidrominerais de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e de outras regiões brasileiras receberam reflexos positivos da obra, aumentando o número de turistas. Hoje, o turismo de evento comanda essas estâncias, tirando aquela alegria sonora e colorida das caravanas.

O que se passa é que cerca de 80% da população se encontram na área urbana, apinhada nos seus sonhos e pesadelos mal resolvidos, enquanto 20% estão pulverizadas numa zona rural dominada pelos megaprojetos agroindustriais e pelas máquinas, onde o homem é apenas um detalhe da produção.

Até os animais e as aves fugiram para as cidades à procura de abrigo e comida. Temos aqui em Pirassununga esse fato bem ilustrado. Pombas, urubus, gaviões, andorinhas, rolas, juritis “verdadeiras”, pardais e outros pássaros dividem o espaço das ruas, dos prédios e das árvores com os habitantes e os automóveis, sempre à procura de comida, e o fazem com relativa tranqüilidade até nas avenidas e praças mais movimentadas.

As zonas urbanas do litoral e mediterrânea apresentam a sazonalidade dos ciclos produtivos e das massas turísticas, enquanto as zonas rurais se tornam paisagens cada vez mais dominadas pelos bois ou pelas monoculturas obsessivas da soja e da cana-de-açúcar, dois produtos exportados para o mundo inteiro por empresários cada vez menos nativos e cada vez mais transnacionais nesse mundo globalizado.

Por mais otimista que tenho tentado ser, percebi um Brasil tristonho e ansioso, o que pode ser reflexo dessa enorme depressão econômica mundial – uma bolha de mais de 200 trilhões de dólares em ativos financeiros, provocando um efeito-estufa econômico e psicossocial na classe média ocidental, com evidentes reflexos aqui.

A Internet é hoje o espaço existencial disputado e freqüentado pela classe média internauta, e os lugares mais badalados da noite são ocupados por uma juventude pouco inspirada e muito viciada... Dificilmente o jovem encontra uma diversão sadia, sem expor-se aos riscos da violência e das drogas.

A denominada “terceira idade” tem, nas grandes cidades, poucas opções além de uma dança na praça ou uma tertúlia no coreto da cidade, ao som da banda municipal. Os seus pontos de dança, em muitas cidades (o que não se aplica a Pirassununga, onde a “melhor idade” apresenta movimentação saudável e intensa), são hoje disputados por malandros, proxenetas e oportunistas desempregados à procura de uma vítima.

No calor da noite, sob o efeito-estufa do verão, resta ao turista dormir cedo e sonhar com a possibilidade de que o amanhã seja a oportunidade de um passeio saboroso com direito a um romântico desfecho, depois de uma tigela de açaí (a melhor coisa desse verão).

Em Pirassununga e municípios vizinhos, a temperatura chega a mais de 35 graus centígrados no mês de março, o que sugere, para se enfrentar o calor crescente, a necessidade de plantio de mais árvores na cidade e até medidas exóticas, como a construção de chafarizes e bebedouros nos locais públicos.

A terra natal de Cacilda Becker e Cleide Iáconis, que tanta criatividade doaram à dramaturgia brasileira, merece uma qualidade de vida e meio-ambiente igualmente criativa para seus habitantes.

Feichas Martins
Enviado por Feichas Martins em 03/11/2010
Código do texto: T2594115