O País Maravilhoso de Alice

Ontem, depois de anular o meu voto, fui afogar minhas mágoas numa concentração de burgueses. O País das Maravilhas de Alice existe: é qualquer Shopping. Uma grande sacada da Arquitetura mundial. Lugar em que não entramos; atravessamos portais mágicos. E lá dentro, perdemos a noção do tempo e nacionalidade. O mundo fica do lado de fora com todos os seus males e mazelas: pivete, mendigo, criminosos, favela... E podemos saborear confortável e alienadamente a delícia de bancar o "Flaneir" nessa coisa meio submersa que é um Shopping Center. Se bem que nossas mãos costumam aparecer nuns vídeos, que ficam em salas mais submersas ainda. É o tal do panóptico - uma coisa que exige uma certa elegância, religiosidade e honestidade das mãos para que nada saia errado na filmagen, entende? Sorria apenas!

Quando entro em qualquer Shopping, no Rio, me sinto como o Almeida Garret diante do Pinhal de Azambuja. O quê?! Mas é isso que é Cultura Brasileira? Essas "Viagens na Minha Terra" sempre me levam a uma exaltação americana, aos funks, filmes hollywoodianos... E também a centenas de carinhas da Madonna estampadas em revistas, tênis, bolsas, blusinhas... Vi inúmeras vitrines totalmente e traiçoeiramente inspiradas na bandeira americana em plena Copa do Mundo. Que País é Este?

Do lado de fora do Shopping, alguém pichou um muro com um letreiro homérico: BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO!

Mas o que é que estamos fazendo?

Estamos comprando o que interessa e não interessa. Somos aprendizes de faraó, colecionadores de tralhas, que acabam jogadas e empoeiradas pela casa afora. Mas passamos correndo pela fome do menor-abandonado para não enxergar a nossa própria indiferença.

Estamos, homens e mulheres, preocupados com as polegadas a menos ou a mais nas coxas e quadris, enquanto quilômetros de mediocridade e ignorância incomodam a muito poucos.

Profundamente marcados pela herança colonialista, não temos uma noção de conjunto social, não estamos nem aí para mazelas alheias. Queremos o ranque, o panque, o fanque... E tatuar a pele, furar o nariz.

Renegamos a própria cultura. Mas, no sufoco, procuramos a Preta-Velha para nos tirar o "olho-grande", benzer a cueca do marido e costurar bruxinhas recheadas com nomes de inimigos. A moral é dúbia.

Somos aqueles mesmos índios catequizados, engolindo hambúrgueres, tralhas importadas e todo tipo de bundalização da cultura. O Brasil não é só uma cópia: é uma corruptela, um equívoco, uma má interpretação da cultura alheia. Daí, resultados jocosos como Makambira's Center, forró ("For All"), oxente. Esta última tem suas origens no Rio Grande do Norte, quando americanos, enquanto instalavam uma base de guerra entre 1939/45, repetiam "Shit", cada vez que algo saía errado.

Mas o Brasil é assim...

Quando Chiquinha Gonzaga implorava para mostrar sua música, a aristocracia fechava as portas pro maxixe - coisa de senzala! A preferência era o glamour francês. Agora, Nova York é que dita os modismos por aqui.

Mas cadê a inteligência estrangeira na vida real do país (na Saúde, na Cultura, na Educação)?

A Educação brasileira é um monstro que cresce aos nossos olhos impunemente. Sua ineficácia e mediocridade já estão criando os escravos, miseráveis e bandidos do futuro.

E o que estamos fazendo?

À noite, nos trancamos em frente a monitores, TVs e vídeos. Rimos das mesmas piadinhas de programas de humor, e choramos com os mesmos dramalhões de novela, e decoramos jargões para espalhar na cidade. De nossas janelas, ouvimos os tiroteios, indicadores de mais um descarregamento de drogas no morro, que vão matar alguns e tornar muitos mais viciados ainda.

Pergunto, finalmente, o que estamos fazendo?

Estamos pagando conta, fazendo conta, fazendo-de-conta... E era uma vez um país...