FELICIDADE

Não confio nas palavras, não mais.

Já fui por elas enganado muitas, incontáveis vezes.

Descobri que por mais belas ou poéticas que sejam, procedo bem quando desconfio totalmente delas.

Pois nas palavras não há nada que seja verdadeiro.

O próprio conceito “verdadeiro” é um engano, uma forma muito sorrateira e terrível de engodo.

Quem poderá em sã consciência advogar pela verdade?

Elas, as palavras, representam, apenas isso, nada mais que REPRESENTAM uma realidade mutante e que escapa totalmente a tentativas de interpretações definitivas sobre seu caráter verdadeiro ou falso.

Não são, as palavras, a pura expressão deste nosso mundo.

Pois não há uma correspondência exata entre conceito e realidade. Conceituar algum fenômeno por meio de palavras não exprimi o que ele é, mas apenas transmuta este fenômeno para uma versão que os homens entendam. Esta versão é a linguagem que se dá por meio de palavras.

As palavras são expressões sonoras ou gráficas que representam as coisas do mundo e servem para a comunicação humana. São utilíssimas e sem elas o homem não seria mais do que um simples animal.

Contudo, retirando o fato da necessidade da comunicação para a vida prática, querer que as palavras designem verdades necessárias e universais sobre todas as coisas é uma empresa arriscada e, principalmente, perigosa.

As palavras não são expressões do mundo da realidade, mas a forma que dispomos para transformar nossa interpretação da realidade em algo inteligível para nós, somente isso.

E isso, somente isso, desmonta praticamente tudo em que o homem acredita.

Tudo!

Os valores são questionáveis, a moral não é definitiva, a ética pode ser alterada, Deus pode não passar de uma grande mentira. Conceitos caros à humanidade como felicidade, amor, virtude, honestidade, pecado, culpa...

Em tudo quanto for conceituável, cairá de agora em diante uma profunda suspeita, para todo fenômeno descrito por meio de palavras, ou seja, TUDO, há de se ter a mais profunda desconfiança.

Haverá desconfiança com as palavras que designam coisas concretas, palpáveis; mas para os conceitos abstratos deve haver sim é a mais pura DESCRENÇA.

Um dia, por exemplo, eu e mais toda humanidade acreditamos candidamente, por meio das palavras, que haveria uma correspondência entre a palavra FELICIDADE com algum sentimento de plenitude na vida fática.

Mas que enorme engano cometemos nós todos!

Não é possível definir por meio de palavras o que vem a ser essa tal quimera chamada felicidade, pois cada um define “felicidade” a partir de si mesmo, única e exclusivamente pela sua perspectiva, o que é completamente arbitrário, não universal e definitivamente não necessário.

Assim, a felicidade simplesmente NÃO pode existir!

Estávamos loucos quando inventamos este conceito. E mais loucos ainda quando disseminamos esse fantasma como o ideal de vida do ser humano, como sua meta, seu objetivo e razão de viver.

Maldito Aristóteles!

Tão mal fizeste a essa nossa banda ocidental quando puseste na sua Ética a Nicômaco esse ideal de vida inexistente e inatingível.

É preciso esquecer a noção de felicidade, pois quem espera por felicidade é infeliz.

A noção de felicidade tornou o homem infeliz. Esperançoso por um porvir feliz, o homem se tornou um babaca que deixa de viver o presente e espera em vão por um futuro feliz.

Por quê?

Porque felicidade não é algo para já, para agora. Felicidade é algo com vistas de se alcançar, a felicidade é uma meta e uma meta nunca está disponível no aqui e agora, mas num futuro melhor. A felicidade é o que ainda não se alcançou.

A vida para os carentes por felicidade é uma vida de espera vã e de desconforto com a vida fática.

Esperam, sonham, iludem-se. Tudo isso por um conceito, apenas um simples, errôneo, escorregadio, intangível, inalcançável, indefinível conceito mal formado por representações muito mal feitas pelas palavras.

E digo mais, tudo que falei sobre a felicidade vale também para o conceito “amor”.

Outro conceito de um sentimento que não se pode conceituar sem cair na mais pura arbitrariedade. Pois, quem saberá sobre o amor tal qual ele é no coração de cada homem e mulher?

De fato, não sabemos NADA sobre “O AMOR”, muito menos sobre “A FELICIDADE”.

O que sabemos, o que podemos afirmar, se formos modestos para tanto, é sobre a NOSSA experiência individual sobre um sentimento que denominamos muito particularmente como amor, sobre uma desejada plenitude em todos os momentos de nossa vida que chamamos felicidade.

A minha tese é a de que o conceito de amor e conceito de felicidade não trouxe amor e nem felicidade. Mas, muito pelo contrário, fez com que toda a humanidade começasse a acreditar nessas duas entidades metafísicas como se fossem realidades universais, trazendo grande desamor e muita infelicidade.

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 29/10/2010
Código do texto: T2585203
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