MENINOS E MENINAS DE GOIANÉSIA

"Como o abuso e a exploração sexual e o envolvimento com as drogas têm provocado fraturas em muitas famílias goianesienses"

Somente no Brasil, milhares de crianças e adolescentes são vítimas de abuso e exploração sexual infantil todos os anos. Para agravar o quadro, estes números têm aumentado a cada ano e não há qualquer previsão de que irão sofrer uma redução. Como se não bastasse este mal que interrompe a inocência de uma criança, as notícias relacionando menores e uso de drogas têm sido cada vez mais frequentes.

Infelizmente, Goianésia não está em uma redoma de proteção quanto a essas mazelas. Os meninos e meninas da cidade também padecem do mesmo câncer. As rádios, em seus noticiários, têm denunciando casos que chocam a população. Mal abaixa a poeira de um caso de abuso sexual de pai contra filha de 10 anos, já somos bombardeados em poucos dias com a informação que adolescentes foram detidos com porte de entorpecentes ou cometendo furtos para acertar contas com traficantes. O que era comum assistirmos no conforto do sofá em programas policiais como Brasil Urgente, da Band, agora fazem parte do nosso dia a dia. É o filho do nosso vizinho a notícia do menor preso, é a sobrinha da nossa comadre que foi estuprada, é o colega do nosso filho que foi assassinado por causa de dívidas com o tráfico.

O Conselho Tutelar de Goianésia registra por mês casos que assustariam até o mais insensível dos corações. Grande parte dessas informações nem chegam a ser divulgadas nos veículos de comunicação da cidade. Um dos motivos é que a maioria dos casos, pelo menos no que diz respeito ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes acontecerem no seio familiar ou por pessoas próximas às vítimas. Por não querer ver sua intimidade exposta e galhofada pelos curiosos, muitas famílias preferem tratar o caso por conta própria e abafar com panos quentes. Mas, esta atitude, apesar de compreensível, colabora para que muitos culpados não sejam metidos atrás das grades. Abuso sexual é crime. Explorar e molestar crianças e adolescentes é crime. Seus autores precisam estar na cadeia.

O CRIME QUE VEM DA REDE

Havia um tempo que os pais saíam de casa para trabalhar, temerosos em deixar seus rebentos com a companhia da televisão, apelidada de babá eletrônica. O medo dos pais era que o vil aparelho pudesse ensinar coisas maléficas aos filhos como anúncios de seminudez nas campanhas de cerveja ou inversão de valores nas reprises de Vale a Pena Ver de Novo. Hoje, a babá eletrônica é a internet, que roubou até o lugar da televisão na vida das pessoas.

Bem usada a internet torna a vida das pessoas melhor. Quando se faz um uso perverso representa perigos imensuráveis, principalmente na vida de crianças e adolescentes. De sua tela saltam pedófilos, aliciadores, tarados, agressores, larápios e toda sorte de monstros, todos aconchegados no anonimato e segurança que a rede de computadores proporciona-lhes para seus atos. Goianésia, felizmente, ainda não assistiu nenhum caso daqueles de encontros motivados pela internet que terminam em homicídio. Mas é bom que o cuidado e a atenção dos pais mantenham essa possibilidade bem distante.

TRABALHO DO CONSELHO TUTELAR

O Conselho Tutelar vive em cruzada permanente contra agressões de quaisquer natureza contra crianças e adolescentes. De acordo com a presidente da entidade, Antônia Cristina, em média são registrados 20 casos de abuso sexual contra menores por ano na cidade. Só este ano já foram 12 vítimas. Esta forma de violência contra a criança e adolescente se configura na mais difícil de ser detectada e conseqüentemente combatida, pois na maioria das vezes se dá dentro de casa, por parentes próximos ou vizinhos e amigos chegados da família e um dado mais assustador é que a maioria desses abusadores nem sempre são padrastos como se pensava. Em uma pesquisa recente ficou constado que os principais abusadores são os pais biológicos. É muito comum, portanto, crianças serem abusadas e outros membros da família como mãe e irmãos ou irmãs mais velhos protegerem o abusador com medo de represálias, a mãe na maioria das vezes protege o marido por não ter como sustentar a casa caso o marido vá embora.

“Quando detectamos um caso, encaminhamos para a delegacia, onde é feito todo o procedimento de ocorrência, pega-se o laudo da Polícia para fazer o exame de conjunção carnal, encaminhamos para a psicóloga, apoio à família e a criança”, explica Cristina, como é feito o procedimento do Conselho Tutelar após entrar em contato com algum caso.

CASOS NOTICIADOS PELA IMPRENSA

Não são poucos os casos que a população toma ciência envolvendo crianças e adolescentes em situações degradantes em Goianésia e em cidades vizinhas, com alguma conexão com a cidade. Só para ficar em alguns mais recentes podemos citar o fatídico caso do lavrador de 42 anos que estuprou a própria filha de 14 anos de idade na vizinha Assunção de Goiás, município de Vila Propício, no mês de junho. Ainda no mesmo mês outro pai de Vila Propício foi preso após estuprar a filha de 11 anos. A criança, que estuda em Goianésia, contou que é abusada pelo progenitor desde os 9 anos de idade. Em julho aconteceu um caso inusitado: dois rapazes e duas moças com idades entre 20 e 28 anos, foram pegos em flagrante pela Polícia Militar em um motel de Goianésia, com três crianças (de 8, 10 e 12 anos). No quarto um encontro regado a uísque e drogas. Em fevereiro foi a vez da Polícia prender Antônio Eliezer dos Santos, que foi flagrado pela mãe da criança, de apenas 2 anos de idade, quando praticava atos sexuais. Ele foi pego nu, acariciando as partes íntimas da vítima. A mãe da criança relatou que o acusado era amigo da família. Também data do início do ano, a seguinte situação: um casal de Goiânia passava alguns dias em Goianésia, quando sua filha de 8 anos foi alvo de um estuprador.

Essas são apenas algumas situações que ilustram a gravidade da situação que está mergulhada a infância e a adolescência brasileira, goiana e goianesiense. Como esquecer o trágico homicídio da adolescente Joyce, de apenas 13 anos, que foi brutalmente assassinada por um grupo de jovens, em junho de 2009, no bairro Muniz Falcão? Não há como apagar estas marcas do seio da sociedade. Elas extrapolam o status de notícia, se transformam em uma ferida aberta a doer na carne de cada morador de Goianésia.

A SEDUÇÃO DA DROGA

A cena é pavorosa. Digna de filme de terror. Crianças e adolescentes agachadas, sentadas no chão, maltrapilhas, sujas, com asquerosos cachimbos fumando pedras de crack, a droga mais destrutiva do momento. O pior desta cena é que ela não é vista apenas nos longa-metragens, documentários de MV Bill, Jornal Nacional ou noticiários especializados em mundo cão. Algumas praças e guetos de Goianésia já são teatro dessa cena surreal. A sedução da droga tem entrado sem pedir licença nos lares, tem invadido e devastado famílias inteiras. O crack é o subproduto da cocaína. Em outras palavras, o lixo da droga. Sua ação é devastadora no organismo. Vicia, aprisiona, escraviza, mata a vida social e mata a vida, propriamente dita. É quase um caminho sem volta.

Foi-se o tempo em que adolescentes cheiravam cola ou corretivo escolar. Foi-se o tempo em que o máximo de rebeldia que um jovenzinho fazia era pegar o carro do pai escondido e fumar um cigarro. Hoje, o acesso é livre à maconha, à cocaína, ao crack, aos coquetéis de bebidas, à farra desenfreada. Foi-se o tempo da inocência.

Como se não bastasse o estrago que a droga faz no corpo do usuário, ela o condena a ser um ladrão, um assaltante, um agressor, um criminoso ou engrossar as estatísticas como vítima de homicídio. A Polícia Militar tem registro de 109 menores envolvidos em atos infracionais. “Alguns deles com sete ou oito atos, a maioria de furtos a residência”, afirma o major Anderson Igreja, comandante do 23º Batalhão de Polícia Militar. Um jovem que furta uma bicicleta, por exemplo, pode parecer um típico caso de um rapaz pobre que deseja ter uma condução e lança mão da ilegalidade para tê-la. Mas não é assim... Na verdade, na maioria dos casos, ele furta e vende por qualquer preço para comprar droga ou pagar dívida ao traficante, sob pena de pagar com a própria vida. Bicicleta, celular, aparelho de DVD, dinheiro, televisão, som de carro, a lista é enorme de itens subtraídos, às vezes na calada da noite, na ponta dos pés, outras, com a força da violência ou de uma arma. Não são raros os casos que a pessoa vende o próprio corpo em alguma esquina de Goianésia para manter o vício. Ou manter a vida desgraçada que leva.

ADOLESCENTES ENVOLVIDOS COM O CRIME

Nem sempre os adolescentes aparecem nas páginas policiais como vítimas. Só para ilustrar, de acordo com o CREAS (Centro de Referência Especializada de Assistência Social), há em Goianésia nove menores, de 14 a 20 anos, cumprindo medidas socioeducativas, em uma cela no Centro de Inserção Social. Apesar da pouca idade, a ficha deles é recheada por ações como homicídio, tentativa de homicídio, assalto, furto, tráfico de drogas e estupro.

Com gravidade um pouco menor estão 61 adolescentes, de 12 a 20 anos, que respondem no regime meio aberto, com penas revertidas em prestação de serviço à comunidade, de acordo com Atair Melo, coordenador do CREAS.

DEPOIMENTOS

“Para mim são muitos os fatores que colaboram para o alto índice de adolescentes envolvidos com atos infracionais ou vítimas de exploração e abuso. A falta de estrutura familiar e a ausência de políticas públicas mais arrojadas, como garantia de trabalho para os pais, ocupação como aprendiz para os filhos, a falta de uma instituição de recuperação para esses menores. Como principal motivadora de tudo isso cito a droga, principalmente o crack, que tem feito muitos estragos nas famílias”.

Major Anderson Igreja – Comandante da Polícia Militar em Goianésia.

“A droga é um problema mais amplo, de saúde pública, que envolve muitos fatores. A minha recomendação aos pais é que acompanhem melhor a rotina dos filhos, o rendimento escolar, as companhias, se interessar mais pelo mundo deles, só assim poderão evitar que o pior aconteça”.

Luiz Renato Maximiano – Delegado de Polícia em Goianésia.

“Temos realizado um trabalho intenso, várias operações contra o tráfico de drogas em Goianésia, mas é preciso do apoio da família para que os usuários possam sair desta condição, procurar uma clínica s preciso for, tratamentos”.

Marco Antônio Zenaide maia Júnior – Delegado de Polícia em Goianésia.

“Necessita-se urgente que todos: famílias, poder público e sociedade, unam forças para romper com esse ciclo vicioso, e busquem estratégias que permitam valorizar as potencialidades das crianças e adolescentes, promovendo assim os seus desenvolvimentos social, cultural, afetivo e cognitivo para termos adolescentes responsáveis e capazes de viver em sociedade”.

Atair Melo – Coordenador do Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS).

* REPORTAGEM PUBLICADA NO JORNAL "OS TRÊS PODERES", EDIÇÃO DE SETEMBRO 2010.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 25/10/2010
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