A VIDA EM DOIS TEMPOS.


Por que o tempo nos incomoda tanto?
Por que a humanidade se preocupa excessivamente com o futuro?
Essa conjugação tempo x futuro se mistura numa só na medida em que o futuro contém o tempo e este se refaz na lógica do porvir que nós inventamos. Os homens não só inventam objetos, coisas mas, também sentimentos, modos de vida e alhures.
Por não podermos inventar o futuro, legitimamos as estações do ano, os dias, os minutos, segundos, enfim, o tempo em suas diversas formas. É sabido que a preocupação com a mensuração do tempo acompanha a humanidade desde o começo. Os índios, dentro da sua forma particular de cultura, juntavam castanhas de caju para ter a noção de ano. O caju só frutifica uma vez em cada ano e isto era a lógica que os índios se utilizavam para inventar o tempo ao modo deles. 

A modernidade nos concedeu instrumentos mais eficientes e eficazes para a dimensão do tempo. Do tempo que está fora de nós, podemos dizer assim. Temos, pois, enquanto gente, dois tempos para administrar: a) o tempo de fora; b) o tempo de dentro. O tempo que se mede com ajuda do calendário, do relógio, da meteorologia, etc., e o tempo que sentimos dentro de nós que é capaz de nos provocar várias formas de comportamento. Cada um do seu jeito tem um tempo e um ritmo próprio por dentro que ajuda, dependendo da história de vida de cada um, a ser menos ou mais angustiado com a dureza do tempo. Ideal mesmo é que consigamos não nos tornar súditos desse tempo, principalmente diante do poder que ele tem de nos dar duras lições com o passar dos anos.
Nossa sociedade prepara-nos, quando jovens, (se é que prepara) para a vida intensa que a pouca idade parece proporcionar. Com certeza os jovens representam uma enorme fatia de mercado consumidor, principalmente com a difundida cultura do corpo. A mídia tudo faz para manter o controle desse consumo, incentivando exaustivamente a consolidação de valores frouxos, supérfluos, como se fortes fossem. De repente a vida passa para todos naturalmente. Cabe a pergunta: os que deixam de serem jovens e entram na maturidade, terão cabeça para encarar a velhice? A resposta fica com cada um, mas intuo que boa parte não tenha.
Na maturidade, há prenúncios concretos de que o tempo passa pra todos. A fase seguinte será a velhice, ou terceira idade como falam, mas com a qual eu não concordo. Essa contextualização passa pela inserção conceitual da vida. Não administro a vida na divisão ortodoxa da INFÂNCIA, JUVENTUDE E VELHICE. A vida é uma só, senão um crime seria julgado pela idade da vítima. Um velho de 80 anos, se assassinado, é julgado da mesma forma que se fosse uma criança.
Invertendo o raciocínio: a gente vive até o dia que morre. O tempo é questão de somenos importância. Neste sentido, um poeta de 60 anos, ao ser perguntada sua idade, respondeu: "tenho talvez 10 ou 20 anos". Explicou: como já vivi 60 anos, não conto mais com eles. Percebe-se nesta conceituação O TEMPO DE DENTRO
que tão bem o poeta mencionou, filosoficamente.
Acho que as duas vertentes filosóficas do tempo têm muito a nos ensinar. O TEMPO DE FORA, a gente até que administra bem. Ele é um pouco do espelho que se reflete no nosso crescimento físico e mental, nos nossos cabelos brancos, etc. O TEMPO DE DENTRO é mais complexo, porque vai exigir de cada pessoa conteúdos emocionais SÓLIDOS que sejam capazes de nos manter vivos e felizes diante das transformações do corpo e da vida. Sendo prático, quem de moço não morre, de velho não escapará. Na juventude, os dois tempos da nossa vida se misturam num só. Esta é a impressão que nos dá. A vida, pela sua sabedoria, nos dá tudo quando jovens: saúde, memória boa, inteligência aguçada, disposição, virilidade, etc. Quando começamos envelhecer, paulatinamente, vamos perdendo tudo que, quando jovens, tínhamos de sobra. É, talvez neste momento, que precisamos estar com o tempo de dentro bem estruturado. Essa reestruturação, certamente passa por convicções pétreas de que a vida passa, o tempo passa, mas o amor não passa. Qualquer coisa tipo: "a vida não pode nos pegar de calças curtas"... Os dois tempos da vida têm que ser administrados concomitantemente, mesmo contrariando a ditadura do corpo, das academias de ginásticas, da roupas de grife, do consumo desenfreado. A sociedade de consumo não quer que os jovens tenham consciência que a velhice é um estágio que todos, certamente, chegarão. Quando a velhice chega, não raro um processo depressivo se instala por absoluta falta de preparo para a vida como ela é. Todos sabem que o corpo fala. Em silêncio, quietinho, manda-nos mensagens que os ouvidos não ouvem, porque a linguagem do corpo é feita para quem vive vendo a vida com os olhos da sabedoria orquestada pelo coração.