Eubúlides

E se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas..(II Timóteo 4,4)

Estava calado no escritório de um bom cliente. Aguardava em silêncio que este lesse o contrato para o Treinamento Venda$ Plu$.

Enquanto o empresário procedia à leitura do documento, lembrei de um “e-mail” que recebi do meu amigo Axel, contando sobre suas revigorantes férias. O palco foi um lugar “irado” do estado de Alagoas. O pescador Eubúlides, contou a seguinte história:

-- Não sabia o que fazer. Fugi da onça que, cheia de apetite elegeu-me como seu almoço. Desesperado com a presença da tão bela, mas, infelizmente, faminta quadrúpede, subi na primeira árvore que avistei.

-- Respirava fundo, assentado, desfrutando do grande alívio que o forte galho da árvore gentilmente me proporcionara. Ufa! Por um triz, quase fui pro espaço, ou melhor, para o estômago da “gatona”.

Que lugar fabuloso! E dizer que nesta localidade só mora uma família. Talvez aqui não seja fácil aplicar a lei do nepotismo, aquela que o governo proibe contratar parentes. E pensar que outras famílias deixaram esta tão desejável terra, aliás mato. Será que foi por medo da onça?

Pixaim é um município de Alagoas, extraordinariamente rústico, com praia praticamente selvagem. Sem maiores detalhes, a cidade é habitada por uma única família. Problema lá é de logística. O acesso é tão difícil para o humano, que o felino peso-pesado não precisa depender de ninguém para proteger o meio ambiente, ficando por conta disso, sem esforço algum, em seu “habitat” normal.

-- Em meio ao tremendo bem-estar, -- prosseguiu o pescador -- uma imensa cobra sucuri aproximou-se de mim. Um pavor envolveu-me. Sentia um frio tão grande. Era como se eu tivesse com hipodermia, aquela doença que a pessoa vai ficando gelada. Assim, fechei os olhos... O finalzinho da história eu conto já, falou?

-- Landim. Acabei de ler sua proposta. Preciso realmente treinar meu pessoal. Primeiro vou comprar móveis, alugar a loja do lado, compor um cenário digno do seu curso. Não posso assinar um contrato extemporâneo. Só no momento certo. Você concorda comigo?

Imaginando o negócio ser comido pela onça ou engolido pela cobra, acabei por sentir a mesma sensação do contador de história de Pixaim, sendo assolado por uma horrorosa incerteza comercial. Decidi jogar água fora da bacia e já me dispunha a dar tchau, quando falei:

-- Pinóquio. Você falou em cenário. Escute então a história de Eubúlides:

Então continuei... ele abriu os olhos e sentiu uma língua roçar em sua orelha dizendo:

-- Sossega! Eu já engoli a onça. Era a voz da sucuri que o consolara.

-- Landim. Você identificou meu caso. Sou um homem paradoxal. Quando aparento falar a verdade, estou mentindo. As coisas que eu digo precisam ser interpretadas ao contrário. Não é à toa que me chamo Pinóquio. Todas aquelas objeções que apresentei significa que quero fechar negócio. Pode começar o treinamento.

-- Landim. Sabe a antiga Grécia? Na cidade de Mileto, 15 séculos atrás, um sujeito chamado Eubúlides defendia a tese de que: quando alguém diz que mente, fala a verdade. Do contrario estará mentindo.

No mundo dos negócios, é importante saber identificar se o que o cliente diz corresponde com o que você está entendendo. É bom continuar com sondagens até que a sensibilidade dele seja tocada, levando-o revelar sua verdadeira necessidade, culminando com a conclusão do melhor dos negócios.

Sendo você uma pessoa educada, embora não fale, poderá pensar: Não é bem assim que as coisas funcionam. É muito possível você contar história para o cliente e não acontecer nada. Além do mais, tem cliente que detesta ouvir abobrinha. Em suma: às vezes, a situação encrespa. Qual será então a saída?

-- Rapaz você correu da onça, subiu na árvore e agora se defronta com uma supercobra. Fale assim no ouvido da cobra: -- vai lá embaixo almoçar aquela onça e me deixa para sobremesa. Quando ela se mandar você foge. Só tem um problema:

-- Além de não ter tirado nenhum pedido, você ultrapassou em mentira o próprio pescador Eubúlides.

Gilberto Landim
Enviado por Gilberto Landim em 06/10/2006
Código do texto: T257554