Revolução Russa - Síntese
[publicado primeiramente no site Gosto de Ler, 2008]
“Depois da Revolução Francesa, surgiu também na Europa a Revolução Russa, ensinando mais uma vez ao mundo que mesmo o mais forte dos invasores pode perfeitamente ser repelido, uma vez que o destino da Pátria é confiado ao povo, aos humildes, aos proletários, à massa trabalhadora que faz a Pátria uma verdadeira Pátria.”(Jornal Mural da 19ª Brigada Eusébio Glambone - modificado)
Surgia no início do século XX o começo de uma nova “era histórica”. Era a primeira vez que uma nação mudava um sistema vigente - nascia o Socialismo[1] - e que assim iria de uma das sociedades mais pobres da Europa para uma das maiores potências mundiais em tão somente quarenta anos. Era a Rússia que pouco depois se transformaria na URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas -, uma união de quinze nações onde a Rússia era o país centro. Uma conquista tão grande de uma origem tão pequena não pode ser simplesmente falada, ela tem que ser comentada e discutida: por que aconteceu, como aconteceu e o que causou... Mas logo a primeira coisa que vem à nossa cabeça é justamente a mais precisa: houve revolução, houve participação da massa popular, os marginalizados, camponeses, operários, soldados... Que lutavam contra o sistema no qual eram submetidos.
Socialismo e Rússia. Por que na Rússia?
A Europa toda antes mesmo do século XX passava por uma série de revoltas contra a forma de governo (umas de insignificância para o contexto histórico mundial), mas que todas eram levados por um só impulso, idéias socialistas de Marx e Engels. E assim em toda a Europa alastravam partidos socialistas que levamos junto com eles, adeptos e simpatizantes do sistema. Mas essa idéia só foi ter real importância tardiamente, em 1898, quando o Manifesto Comunista[2] foi por fim traduzido do alemão para o russo, língua não muito importante na época, e foi justamente a Rússia a responsável pela expansão do Socialismo a um terço da humanidade em somente quatro décadas!
Mas por que a Rússia foi palco de uma revolução de tamanha amplitude e não um outro país europeu?
O Império Russo chegou à segunda metade do século XIX mergulhado em um formidável atraso se comparado às outras nações européias. Era um país basicamente agrário. E 60% do PIB russo era oriundo da agricultura de base. 80% da população viviam nos campos. E a tamanha produção agrária era insuficiente para abastecer os 175 milhões de pessoas onde só a minúscula nobreza era dona de 25% do território. Nas cidades a vida também não era muito diferente da do campo, uma vez que a população passava fome e a maioria não tinha onde viver, sendo obrigados a vagar pelas ruas de forma subumana, formando assim um aglomerado de uma espécie de “imundície humana” - como relato em seu livro O poder soviético de Hewlet Jhonson -.E a Rússia era o único país a ser governado por um sistema monárquico-absoluto, necessariamente por um czar.
Princípios do Descontentamento Popular
Após o governo de Alexandre III, entrou no poder o czar Nicolau II, o último da dinastia dos Remanov, e que começou a mudar a “estratégia” econômica na Rússia. Durante seu governo a industrialização nas grandes cidades estendia-se, graças aos empréstimos adquiridos de países como a França, a Alemanha e a Bélgica.
Como muitas indústrias, a esperança de emprego nas cidades aumentava - uma vez que a maioria dos camponeses estavam sem terras para plantio e produção nos campos - e assim passavam a acumular um grande número de pessoas nos centros urbanos como São Petersburgo, Odessa, Kiev e Moscou. Em pouco tempo, aproximadamente três milhões de pessoas formavam um operariado que recebiam salários baixos sendo submetidos a doze horas de trabalho pesado por dia. E foi diante dessa e de outras injustiças sociais que foram surgindo organizações de trabalhadores num processo de lutas operárias.
Uma importante organização operária foi o Partido Operário-Social Democrata, que ia de encontro ao absolutismo do czar, inspirados nos ideais marxistas. Esse partido juntamente com outras correntes socialistas foi violentamente perseguido pela polícia política do czar, sendo em 1898 desarticulado dentro da Rússia e reorganizado no exterior, fazendo dois ramos cuja única distinção dava-se em como chegar ao poder: mencheviques - minoria, em russo - queriam chegar ao poder de forma gradativa fazendo alianças com a burguesia, seus principais representantes eram Martov e Plekhanov; bolcheviques - maioria, em russo - queriam tomar o poder de uma só vez, pregando a formação da ditadura do proletariado, seu principal líder era Lenin.
Um Início de Século Explosivo
Os problemas internos na Rússia se agravaram ainda mais após a Guerra Russo-Japonesa (1904 - 1905). A origem do conflito foi a disputa entre os dois países por territórios da China e por áreas de influência no continente. Com a derrota, a Rússia mergulhou numa terrível crise econômica e que serviu apenas para aumentar o descontentamento popular contra o czar. Começaram greves e revoltas reivindicatórias em vários lugares.
Num domingo de janeiro de 1905, trabalhadores de São Petersburgo - capital do Império Russo na época - organizaram uma manifestação de 200 mil pessoas incluindo mulheres e crianças e dirigiram-se à residência do czar. As tropas do governo receberam os revoltosos a tiros de fuzil, esse episódio ficou conhecido como Domingo Sangrento.
No mesmo ano surgiram os sovietes de trabalhadores, que eram conselhos de operários, soldados, marinheiros e camponeses, dando assim poder a classe mais baixa.
Temendo as tensões sociais, Nicolau II convocou a Duma[3] que prometeu elaborar uma Constituição para a Rússia, e essa promessa serviu para acalmar o ânimo popular, mais o czar não a cumpriu e Lenin, derrotado, decidiu arrumar melhor seu ponto estratégico para então atacar.
A Primeira Guerra Mundial e o Grande Abalo
Em agosto de 1914 a Rússia entrou na Primeira Grande Guerra contra a Alemanha e a Áustria-Hungria. Nicolau II acreditava que pudesse controlar por meio da guerra a insatisfação popular, no entanto, o fato precipitou a ação revolucionária, uma vez que a guerra terminou por quebrar o país economicamente. Durante a guerra, os soldados eram mal-alimentos e mal-armados. E em dois anos e meio de guerra, a Rússia perdera mais de quatro milhões de soldados.
Em 1917, a escassez de alimentos veio à tona e surgia uma multidão avassaladora criticando o sistema monárquico protestando por Paz, Terra e Pão.O czar Nicolau II foi obrigado pelas forças liberais opositoras a abdicar o trono em 1917 para começar então a primeira fase da Revolução Russa (Revolução Branca), dando lugar para um governo provisório chefiado pelo príncipe Lvov e Alexander Kerensky.As primeiras medidas do governo provisório foi a redução da jornada de trabalho para oito horas; a anistia aos presos políticos; garantia das liberdades fundamentais do cidadão (direitos de livre expressão e associação).
O governo provisório não procurou resolver os grandes problemas sociais que infligiam os operários e os camponeses, além disso, manteve os soldados da Rússia na Grande Guerra.Lenin, que voltava a Rússia depois de ser exilado durante o governo do último czar, passou a organizar o Partido Bolchevique e publicou as Teses de Abril, cujo lema era: “Todo poder para os sovietes”.Em novembro de 1917, os bolcheviques cercaram a cidade de Petrogrado, cidade-sede do governo provisório, tomando o poder de Kerensky, que fora obrigado a fugir. Começava a Revolução Vermelha, cuja denominação deve ser a criação do Exército Vermelho, que tinha a finalidade de defender o socialismo contra os inimigos internos e externos. Esse exército teria fundamental importância na Guerra Civil contra o Exército Branco, que era defensor do antigo governo.
Outras medidas tomadas na época foram a retirada da Rússia da guerra; a suspensão das grandes propriedades rurais, confiadas agora a direção de comitês agrários; controles das fábricas pelos trabalhadores.No ano subseqüente, as forças políticas ligadas à monarquia russa, com o apoio dos países como Inglaterra, França e Japão, temendo os avanços dos ideais socialistas, tentaram derrubar o poderio bolchevique, mas graças ao Exército Vermelho, liderado por Trotsky, saíram vitoriosos e criaram o Partido Comunista, que era um partido único. Essa última fase da revolução ficou conhecida como Guerra Civil.
E ao final de três anos de violenta guerra civil, os brancos, de ideais monarquistas, estavam derrotados, e os estrangeiros foram obrigados a deixar o país.
A Rússia Pós-guerra e a Criação da URSS
Após a guerra, o país estava arrasado, o governo abandonou o chamado Comunismo de Guerra para uma Nova Política Econômica, NEP (1921-1928), que sob direção de Lenin, tentaram recuperar a economia russa. Suas principais medidas foram a produção de energia e extração de matérias-primas; importação de técnicas e de máquinas estrangeiras; organização do comércio e da agricultura em cooperativas; permissão à volta às iniciativas privadas em diversos setores da economia, como comércio, a produção agrícola e algumas formas de atividade industrial.
Em 1922, quinze países, oito europeus e sete asiáticos formaram a União das Republicas Socialistas Soviéticas - URSS -, cujo órgão supremo era o Soviete Supremo.
Com a morte de Lenin em 1924, Trotsky e Stalin (secretário geral do Partido Comunista) passaram a disputar o poder. Stalin defendia a idéia de que a União Soviética deveria construir o Socialismo em seu país para depois levar a outros países; Trotsky achava que a revolução deveria ser permanente, e que a revolução socialista deveria ocorrer desde já em todo o mundo.
Stalin venceu a disputa e Trotsky foi expulso da URSS. Começava a “era stalinista”, a fase de um planejamento econômico, (planos qüinqüenais) inaugurado em 1928. Foi nessa fase que a URSS chegou a uma das potências mundial, por outro lado, Stalin implantou uma ditadura e começou a perseguir seus opositores. Trotsky também foi assassinado vitimado por Stalin na Cidade do México.
O certo é que a Revolução Russa foi de muita importância para a humanidade, e tomada como exemplo de como sair das trevas à luz, cujo único segredo, talvez um soldado da revolução de 1917 revelara, quando escreveu: “Quando a terra pertencer aos camponeses, as fábricas aos operários, e o poder aos sovietes, aí teremos certeza de possuir alguma coisa pela qual lutar, e por ela lutaremos!”. Francisco W. D. Miranda
[1] Socialismo é um conjunto de idéias surgidas na Europa Ocidental por Karl Marx e Frederich Engels, na primeira metade do século XIX. Propunha-se a promover o bem comum, visando igualdade social. [2] Obra de Karl Marx onde defende o Socialismo como melhor forma de Governo.[3] Parlamento russo.