THE DAY AFTER

The Day After

®Lílian Maial

Hoje é o dia seguinte das eleições presidenciais. Muito menos alvoroço do que o esperado, talvez por conta da ficha ainda não ter caído. O dia amanheceu nublado e chuvoso, coincidindo com o sentimento que se abateu sobre o país.

Nesses tempos pré-eleitorais, testemunhei um sem número de controvérsias e, pior, imposições de opinião, sem uma discussão sadia, sem debate de idéias, com atitudes ríspidas e grosseiras até, de pessoas que conviviam normalmente em ambientes comuns.

Ouvi muito destrato à figura do primeiro homem do Brasil, desrespeito, gozação, discursos inflamados, mas não às idéias ou plano de governo, mas à pessoa. Esqueceram de Collor, de FHC, de Sarney, enfim, esqueceram das atrocidades pelas quais o país foi exposto nesses longos anos pós-ditadura, assim como esqueceram todos os benefícios que o governo atual trouxe de positivo.

Curiosa a alegria quase histérica, a boca de urna desesperada, o partidarismo nonsense, com a repetição mecânica do discurso de algum cabo eleitoral por todos os que assumiram a “limpeza do país” nessas eleições. Não havia um fundamento consistente, uma razão direta, mas uma fantasia baseada em fatos reais... fatos esses que se perpetuam através das décadas e dos séculos.

Fala-se em corrupção, acusando o Presidente, como se ele tivesse sido o único a governar com a corrupção, ou como se ele em pessoa estivesse participando de tudo, maquinando a próxima mamata. É muita ilusão mesmo! Como se em todos os outros governos não houvesse “vista grossa” a falcatruas, superfaturamento, desvio de verbas, sucateamento do que não interessa à manutenção do poder. E tudo isso, aliado a uma bela banana que sempre deram ao povo, e não ao povo burguês, classe média e alta, mas ao povo miserável, bóia-fria, sem-terra, sem-pão, sem-roupa, sem-nada.

Aliás, essas mesmas classes média e alta, que hoje acordaram com um sorriso plástico no rosto, em todos os outros governos foram massacradas, ou por taxa de juros, ou por falta de reajuste salarial, ou por golpes até na poupança... E todos sabemos que a arrecadação maior do país vem do trabalho assalariado, uma vez que bancos, empresas maiores e multinacionais não possuem contra-cheque e, portanto, sonegam sem cerimônia.

Mas a escolha, certa ou errada, faz parte da democracia, e há que ser respeitada. Não foi o que me fez escrever, apesar de ter rendido alguns parágrafos.

O que me fez escrever hoje foi outra coisa, foi a sensação de medo que me tomou de assalto nos últimos dias. A sensação nítida de que meu amigo do lado me apunhalaria, se eu fosse contra a opinião dele. A nítida impressão que minha amizade dependeria de eu comungar com as idéias – mesmo que absurdas – dele. A defesa insana e imbecil de pontos de vista pessoais, sem dar o direito ao outro de ter a sua, independente do lado que ocupasse. E esse medo cresceu hoje, quando vieram me perguntar se eu estava feliz com o segundo turno, e eu lamentei, sendo imediatamente agredida, como se não estivesse dando meu parecer, mas como se estivesse colocando por terra a democracia, o regime político, ou cometendo um crime hediondo.

O que aconteceu conosco? Será que a violência, a reclusão por trás de grades condominiais, a luta pela sobrevivência, a concorrência, a mídia, a disputa de tudo, o levar vantagem em tudo se tornou mais importante do que o ser humano e seu espaço? Será que estamos tão bovinos, que a única reação que conseguimos ter quando confrontados é o ódio? Será que estamos tão acostumados a sermos manipulados, que aprendemos a revidar até a luz do dia?

Ouvi de tudo nesses últimos meses de campanha, mas não dos candidatos, e sim do gado que se pensa vaqueiro. Ou do boneco, que se pensa gente. Ou apenas do pseudo-burguês, que nunca passou fome, que nunca sentiu frio ou sol escaldante, que nunca viu sua fonte secar, que nunca viu seu filho definhar.

Muito fácil apontar e acusar, mais fácil ainda esquecer. Estamos realmente desvitaminados de tanto hambúrguer do Tio Sam, que mal nos lembramos que viemos de décadas de maracutaias, de séculos de sucateamento da educação, de eras de pão e circo. E basta um homem do povo ter voz, que surgem pregos, cravos e troncos para banir a ameaça. Interessante que não é o primeiro homem que é trocado – pelo povo – por um ladrão. E um homem que trouxe amparo aos mais necessitados e, justamente por isso, é excluído, é ridicularizado, é expulso do paraíso dos cultos e intelectualizados.

Repito as palavras de um amigo: “Parabéns à burguesia acomodada, que tem no guarda-roupas a última moda para as quatro estações, troca de carro todo final de ano e precisa da miséria à sua volta, para bater no peito e dizer: “__ Eu faço meu trabalho social. Eu ajudo aos pobres...” “Eu...”.

Esse mesmo amigo quase foi linchado por não ter curta memória, por saber ler a falsidade de um sorriso e ouvir o tom dissimulado das vozes dos que têm sede de poder.

Infelizmente, o governo que elevou o salário mínimo de 60 para 140 dólares em menos de quatro anos, o que se livrou das garras predatórias do FMI, o que criou um mecanismo - mesmo que não ideal - de livrar nossos irmãos brasileiros da fome, é o mesmo governo que precisou se aliar a alguns não tão bem intencionados e acabou por sujar, de certa forma, as mãos.

Mas esperem aí! Um governo não se faz sozinho! E um governo tem que ter na balança os pontos positivos e os negativos. Pois se um governo que vendeu o país por moeda podre teve chance de reeleição, que jogou nas ruas do desemprego milhares de brasileiros, que atrelou o país à fiscalização abominável do FMI ainda deu cria, por que não acreditar na continuidade de um governo que não possuía experiência de poder e vem engatinhando, com quedas e vitórias, mas, principalmente, com o apoio do povo, mas do povo que é massa, dos brasileiros que não têm acesso à Internet, mas que finalmente tiveram acesso à comida.

Vem aí a campanha do segundo turno que, espero, tenda a iluminar as mentes e a reavivar a memória tão fraquinha dos brasileiros, e que, de alguma forma, consigamos passar por ele com respeito e dignidade, não só para com o Presidente e o outro candidato, mas para conosco.

Não venho fazer campanha, porque nem sou politizada. Apenas vivenciei muita coisa e tenho memória. Faço votos (sem trocadilho) que minhas palavras não sejam interpretadas como pessoais ou agressivas, mas uma constatação de que as pessoas estão vinculando algumas idéias externadas por alguns ao ser como um todo, o que não é justo, pois que o homem tem pleno direito de expressar seus sentimentos e aprender com cada erro e acerto.

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