MÃO BOBA NA MÃO DO "CARA"

Agora, sem a natural autocensura dos desimportantes, posso botar o acontecimento no olho da rua. E falar, tintim por tintim, de como e em que circunstância foi-me permitido pousar a minha mão boba na mão do “cara”. Não quis abrir o bico, antes, que seria um ato de jactância, de minha parte; senão iriam argumentar que eu estaria querendo era tirar uma média com a importância e o alto índice de popularidade do sujeito em questão.

O “cara”, em carne e osso, ao qual me estou referindo é o atual Presidente da República, que logo mais deixará o cargo maior da Nação pela segunda vez consecutiva. Como lhe não vou, aqui, pedir emprego, nem sou mais do partido a que ele pertence, então, não é galho algum que até me pavoneie por haver tocado – e por iniciativa lá dele – na mãozinha sem um dedo de Luiz “Lula” Inácio da Silva, o pernambucano que, com a mãe e os irmãos menores, chegou a São Paulo a puxar uma cachorra magra.

Antes da Anistia política, nos fins de 1979, sem poder ainda ter emprego público, que a repressão da ditadura não me permitia isso, fora do expediente normal da semana, onde trabalhava em colégios particulares, metia-me a dar aulas num curso que preparava candidatos para a formação de sargentos, mais precisamente a Academia Brasileira de Aviação.

A providência daquele “bico” era, também, e especialmente isto, uma tentativa de fugir à pindaíba das vacas magras que pastavam lá em casa. Das 7 às 11h, todo sábado, eu me esgoelava para aumentar uma mixórdia em cima de outra mixórdia da minha carga horária semanal. Quatro horas inteiriças de salivação, cuspindo bala, com apenas 20min de recreio, o camarada – éramos quatro professores de disciplinas distintas – saía de lá eufônico e meio grogue.

Suponho que foi num final de intervalo daquela exaustiva labuta de “quebra-galho”. Um dia, sem esperar, eis que o atual Secretário da Cultura do Estado do Ceará, em 2010, o professor e filósofo Francisco Auto Filho, com quem a gente mantinha alguns laços de afinidade, na militância das esquerdas, chega acompanhado daquele homem entroncado, barbudo e de cabeça altiva. Baixo, mais para médio, estatura comum de um brasileiro do Nordeste que, ainda na gestação, comeu safado e da banda ruim e só pôde vir à tona da existência com aproximadamente 1,70m de altura.

“– Companheiro Gomes, este é o companheiro Lula, que está fundando nacionalmente o PT” – ao que estirei o braço e pus a mão boba na mão do “cara”. Como sou destro, mão direita, claro. Até de modo mal-educado, Lula me ofereceu a mão esquerda, aquela que justamente a dura faina de metalúrgico lhe havia subtraído, em infeliz acidente de trabalho. Rolou de ambos os lados o velho clichê – “prazer em conhecê-lo!” – e fim de papo.

Sabia eu da fama de cabra danado que o nordestino Lula ganhara nas contendas do sindicalismo, em São Paulo, mormente em São Bernardo do Campo e em toda a região do famoso ABC paulista. Vi o brilho no olhar do idealista, que, sozinho, com o pé no mundo, lançava-se à árdua missão de fundar um partido que iria, logo de início, congregar desde os trabalhadores assalariados, educadores de escol, médios empresários e até intelectuais e gentes da média e alta classe média brasileira. Contudo, oxalá com alguma pitada de pessimismo, porque pus os pés no chão, medi o grau de dificuldade que aquele Dom Quixote, tão idealista e cheio de vontade, iria enfrentar em tempos vindouros.

Jamais imaginei que daquele homenzinho de porte mediano, pouco mais que batoré, já “queimado” pelos últimos espirros da ditadura, fosse um dia sair o Presidente da República Federativa do Brasil. Evidente que não o subestimei, não, de maneira alguma. Tanto que aderi, e sem titubeio, à ideia da fundação do Partido dos Trabalhadores. No Ceará, meti minha assinatura no ato da fundação estadual da sigla.

Em seguida, aqueles impasses conhecidos: campanha pelas “eleições diretas, já!”, lassidão do Congresso, pleito indireto, via “colégio eleitoral”, Tancredo versus Maluf, etc. Frouxo, o Congresso Nacional não vota pelas “diretas”. Então, só me restava “tancredar”. E t a n c r e d e i, mesmo sem voto, e pulei fora do PT, sem traumas, onde não fiz falta alguma, até hoje, mas com as mesmas convicções socialistas. Em tempo: pela porta da frente, sem trair ninguém.

Só não toleraria, nos dias atuais, era formar fileiras com um montão de oportunistas que se rotulam de “esquerdistas”, “socialistas” e mesmo “comunistas”. As boas exceções existem, é verdade. Mas a trágico, na ida às eleições indiretas, quando o PT errou feiamente, teria sido eleger Maluf. Penso que infinitamente pior fora ficar teimando, a bater o pé, sem apoiar Tancredo Neves, um burguês liberal, a fim de que Paulo Maluf, ponta direita da direita nacional – e que Deus nos livrasse disso – lá saísse vitorioso na contenda da sucessão de João Figueiredo, este o final da ponta de rama dos governantes militares.

Foi, assim, que, muito antes da excelência da internacionalidade de Lula, naquela manhã de sábado, em um colégio no centro de Fortaleza, a minha mão boba apertou a vitoriosa mão, não menos boba, de Luiz “Lula” Inácio da Silva.

Fort., 05/10/2010.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 05/10/2010
Reeditado em 06/10/2010
Código do texto: T2538939
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