Os profetas e a profecia (SERMO XCVII)

OS PROFETAS E A PROFECIA

Antes de formar você no ventre de sua mãe,

eu o conheci; antes que fosse dado à luz,

eu o consagrei para fazer de você um profeta das nações

(Jr 1, 5).

No remoto passado bíblico, o povo de Deus carecia de paz, dignidade e liberdade. As cadeias de sua opressão eram ditadas pela corrupção de seus governantes, desleixo das classes religiosas, venalidade dos juizes e hostilidade das nações inimigas. Este quadro, como que se repetindo hoje, nos remete à pregação dos profetas e prática dos juizes antigos, ao mesmo tempo em que nos induz a repetir atitudes e testemunhos intimoratos daquelas pessoas, homens e mulheres, que não titubeavam em denunciar a injustiça e a anomia.

O profeta é aquele que busca consolar seu povo na hora da crise, mostrando o caminho sociopolítico à luz da vontade de Deus. Ninguém foi mais místico que os profetas. No entanto, nenhuma pessoa humana teve visão mais cósmica e localizada das causas, conseqüências e soluções dos problemas que afligiam a população de Judá e de Israel, que eles. Contra o deísmo estóico das culturas antigas, que preconizava que “Deus existe mas não se importa com a sorte do homem...”, surgem os profetas, a revelar Deus como o autor da história.

É recomendável não ler os profetas com uma visão apenas religiosa ou histórica, mas dentro de um enfoque sociopolítico de inspiração teológica. Os problemas do passado, um pouco mais, um pouco menos, são os atuais. O povo, especialmente o mais fraco, continua sofrendo sob a insensibilidade dos poderosos. A cada dia nascem mais Acab e morrem mais Nabot. Faltam-nos muitos Elias...

Ao lermos os inspirados livros dos profetas, a cada momento, cabe a questão: No quê os fatos antigos se assemelham aos de hoje? Em Judá e Israel havia fome, miséria, violência, exploração, desrespeito à pessoa e muita idolatria. O quê os profetas faziam com coragem e fé em Deus, que nós hoje estamos deixando de fazer? Sempre houve “homens santos” anunciando mensagens exaradas das divindades. A Bíblia não tem o monopólio da atividade profética. Todos os cultos antigos tinham seus “profetas”, que podiam ir desde o mago ou o xamã, ao adivinho, ao vidente (ro’eh) e, séculos depois, ao profeta propriamente dito.

Fazia parte da cultura dos países antigos, nas cortes do Oriente Médio, a existência de sábios, videntes, conselheiros, adivinhos e profetas. Em geral, esses homens sabiam ler, tinham conhecimento de alguma ciência e, de uma forma ou de outra exerciam domínio sobre reis, governantes, oficiais. Eram os “profetas profissionais”, ligados às cortes dos reis, atuando como consultores destes e incumbidos de “consagrar” as dinastias. Coordenavam algum tipo de culto, cuja rotina, no entanto, era desenvolvida pelos sacerdotes. Esse tipo de profeta dava respostas às consultas da autoridade e, vez que outra, do povo.

No tempo do rei Acab (± 860 a.C.), na Samaria, capital de Israel estatal, é notável a luta de Elias contra os profetas de Baal (cf. 1Rs 18, 16-40). Falarei mais de Elias na Parte II. Igualmente, no terreno do poder, as autoridades antigas trocavam favores e influências com os videntes e adivinhos do palácio, pois estes indicavam ao povo, que a autoridade do rei tinha origens divinas e, portanto, não podia ser questionada ou contrariada.

Em Israel, os conflitos entre o poder político e os profetas eclodiram com Elias e Eliseu contra Acab (1Rs 17,1; 2Rs 9, 6s); Samuel contra Saul (cf. 1Sm 13, 15) e, posteriormente, entre Davi e Natã (cf. 2Sm 12) e se desenvolveu até o fim de Judá, quando Isaías se opôs a Acaz (cf. Is 7-8) e Jeremias lutou contra Joaquim (cf. Jr 36).

Assim, o perfil do profeta se muda, de funcionário da corte, em místico, que passa zelar pelos interesses de Deus e dos excluídos. Emerge, a partir dessa mudança, o que se poderia chamar de vanguarda profética que, pode ser expressa com uma palavra ou duas: homogeneidade, ou melhor, continuidade. Homogeneidade ou continuidade na fé, na proclamação do único e verdadeiro Deus, na concordância entre a palavra e a realidade, que com o tempo se revela aos poucos.

No Israel antigo, a profecia vai começar, quem sabe, com Samuel (século XI a.C.), no tempo do rei Saul. Há autores que situam Samuel como o último dos juizes e o primeiro dos profetas. Por ser Israel uma teocracia, isto é, toda a lei civil emanava do religioso, observa-se que para as grandes investiduras, Javé ungia seus escolhidos, separando-os do meio do povo. Ninguém podia ser rei ou profeta se a unção de Deus não estivesse com ele. Além do profeta, também o rei possuía um mandato divino. Nas Escrituras há várias narrativas nesse sentido.

Nos reinados de Davi e Salomão, mesmo às expensas da miséria do povo, Israel foi uma das nações mais poderosas da terra. Com a morte de Salomão (932 a.C.) os interesses políticos se tornaram irreconciliáveis e ocorreu a divisão do reino. O Reino do Norte ficou sendo chamado de Israel, com capital na Samaria. O Reino do Sul, Judá, teve como capital Jerusalém. Foi o princípio do fim. Israel experimentava uma sensível decadência, ao inverso dos países vizinhos (Assíria, Egito e Babilônia) que começavam a crescer e consolidar sua hegemonia.

Deste modo, Israel tem um núcleo central de sua fé, que é invocado a partir da libertação do Egito. Desse evento histórico, os judeus descobriram a força poderosa de seu Deus: Eu estou contigo! (Yá-weh = Javé), e começam crer nele e a adorá-lo. Pois desse núcleo central de fé, Israel hauriu forças para estabelecer as bases para a construção de seu edifício sociopolítico, uma vez que todo o legislativo e o judiciário judaico trazem consigo um preceito (e não-raro, uma sanção) religioso, tirado diretamente da Torá (a Lei) ou de um outro livro tradicional. A tradição javista, mais que a eloísta, ajudou a consolidar a sociopolítica de Israel, sob o fulcro da lei religiosa.

No terreno da espiritualidade, há que se observar que o profetismo, especialmente em Israel, exerce como que uma mediação entre a perfeição de Yahweh e os pecados da nação, entre a misericórdia divina e as agruras da vida do povo, entre a esperança que vem do céu e o desespero provocado pelas invasões estrangeiras, os exílios e a perda da identidade do povo. A presença de Deus (Eu estou contigo!) desde o êxodo no deserto, até os momentos mais cruciais, no fracasso final dos tempos da monarquia, era lembrado pelos profetas, como meio de consolação. A esperança era fundamentada na promessa da reconstrução de Jerusalém, amparada pela imagem do pão, que o Senhor dera a seu povo, quando passou fome no deserto.

Em Israel, o profetismo surgiu sempre em épocas de convulsão e cataclismos. O exílio (para a Assíria e Babilônia) trouxe à teologia judaica algumas questões e muitas dúvidas: o templo de Jerusalém não era a casa de Deus? Javé não havia prometido a Davi uma dinastia eterna? (cf. 2Sm 7). Em cima desse sentimento de descrença surge o trabalho dos profetas, buscando resgatar a espiritualidade perdida.

A derrocada de Israel, se de um lado foi um duro golpe para a vaidade cívica do povo, de outro, a fé popular, que não era muito forte, começou a balançar, pois as evidências contrariavam as palavras. Foi dentro desse quadro de derrota, com o povo difidente, infiel e com perda da auto-estima, que apareceram os primeiros profetas. A profecia, em sua forma ainda incipiente, apareceu a partir de Samuel que, de certo modo, e isto já foi dito, foi o último juiz e o primeiro profeta. No início, o povo confundia vidente com profeta. Aos poucos, vai se dando conta do surgimento dessa emergente classe de homens santos, que em nome de Deus denunciam os descaminhos da vida social, política, religiosa e econômica de Israel.

A palavra profeta vem do grego profétes e aparece na versão dos LXX, como um sinônimo de nabî, uma palavra de origem desconhecida, que revela alguém que fala alto, exaltado, fora de si. As Escrituras revelam a existência de dois profetas no reino do Norte, Elias e Eliseu, conforme veremos na Parte II deste livro. Deste modo, dentro do processo religioso, o nabi era chamado para proferir oráculos e ser porta-voz da divindade, dando testemunho da hesêd (misericórdia, bondade) de Deus. Sua missão era a de ser o intérprete dos desejos de Deus.

O profetismo mais efetivo, em Israel, surge com o exílio babilônico, em suas três fases: o pré-exílio, o tempo do exílio propriamente dito, e o pós-exílio (restauração). Teologicamente, para o judaísmo, o exílio teve duas conotações:

castigo extremo de Javé, como a derrocada daquele projeto divino, delineado a partir da libertação do Egito e do êxodo, a custa de tantos sinais;

revelação do pecado do povo, pois era necessária a persistência da catástrofe (cf. Jr 29) para que as autoridades, os sacerdotes e as pessoas do povo em geral tomassem consciência de suas perversões incuráveis (cf. Jr 13, 23; 16, 12s). As ameaças dos profetas do pré-exílio, até então ignoradas, realizaram-se ao pé da letra: todos foram punidos porque, ao invés de buscarem Javé, confiaram no refúgio dos poderes humanos (cf. Is 8, 6; Ez 17, 19ss).

Embora o judaísmo tardio considere que a verdadeira religião de Israel se tenha fundado a partir dos profetas, constata-se que a atuação deles, embora relevante e decisiva, foi apenas suplementar, uma vez que se propôs a denunciar a injustiça e a idolatria, com apoio nas prescrições da Torá.

A tríade bíblica, Torá (lei de Moisés), nebiim (os profetas) e ketuwim (escritos em geral), resume a produção legislativa de Israel, segundo a maioria dos rabinos. Com isso, observa-se que Israel tornou-se, de fato, um estado teocrático, ou seja, onde a lei divina inspira a lei civil.

Os profetas buscaram, de certa forma, desmitificar essa proeminência do templo de todas as épocas, como algo absoluto, imanente. O poder do templo, conforme a ideologia de cada época, colocava o povo e às vezes até a nobreza, a serviço dele, gerando, na maioria dos casos, violência, iniqüidade e opressão. A salvação teria de ser vista como intervenção de Deus na história, e não como fruto de qualquer mediação institucional.

No entanto, há um pano de fundo, e só deste modo, podemos buscar entender a débâcle de Israel como um ato de rebeldia para com Deus, se o conduzirmos para o plano individual. O homem que rompe, com Deus, com o próximo ou com a natureza, atrai sobre si as conseqüências dessa ruptura. Agora, dizer que populações inteiras são dizimadas, sacrificando inocentes, porque Deus está zangado, é uma nítida alegoria da teocracia judaica. Sob esse aspecto, vemos nas Sagradas Escrituras, a maioria das leis sociais subordinadas à religião:

As terras não se venderão a título definitivo, porque a terra é minha e vocês são estrangeiros e meus posseiros (Lv 25, 23).

O qüinquagésimo ano será declarado santo, quando vocês proclamarão a libertação de todos os escravos. Será um jubileu. Cada um poderá retornar à sua propriedade e voltar para sua família (Lv 25, 10).

Durante seis anos semearás a terra e recolherás os produtos. No sétimo ano, porém, deixarás de colher e de cultivar a terra, para que se alimentem os pobres de teu povo, e o resto comam os animais do campo. O mesmo farás com a vinha e o olival (Ex 23, 10s).

Como é fácil observar, igual a muitos países da atualidade, Israel criou leis em profusão. A ciência política moderna ensina que excesso de leis leva ao descrédito e não-raro à anarquia. Havia leis para tudo na Palestina. Faltava quem as cumprisse e, especialmente, quem as fizesse cumprir.

A espiritualidade de Israel, oriunda da cultura tribal, ganha corpo de forma notável a partir dos profetas, e não se esgota aí, mas vai catalisar-se nos tempos do Messias, o profeta por excelência, quando todos os anúncios e promessas se tornam realidade.

A partir de agora vamos ver a pessoa do profeta, que é aquele homem, vocacionado por Deus para, em nome da experiência da sua fé, interpretar o presente do povo, animando, por sua espiritualidade, a tikwah ou yahal (esperança) do futuro. Para entendermos melhor a atuação dos profetas, é importante conhecermos algumas de suas principais características:

• os primitivos, quando arrebatados, profetizavam, tornando-se outros homens (cf. 1Sm 10,6); ficavam alterados psiquicamente, e cantavam (v. 5); davam gritos de invocações (cf. 1Rs 22, 10ss); faziam gestos (v. 11); praticavam movimentos rítmicos e dançavam (cf. 1Rs 18, 26); chegando ao êxtase (cf. Jr 29, 26); o povo ainda não os via como “homens de Deus”(cf. 1Sm 19, 20-24); ainda há remanescentes desses, entre os “dervixes giratórios” da Turquia;

• os verdadeiros profetas só apareceram após Samuel; os chamados “profetas primitivos” eram meros videntes;

• os profetas clássicos (Elias e Eliseu), lutaram contra a divindade Baal, dos cananeus, combatendo o culto e seus sacerdotes (cf. 1Rs 18, 4. 13. 22) que lhes acarretou perseguições violentas e sangrentas (cf. 1Rs 19, 2. 10. 14);

• eram subordinados a um Senhor (Adôn) ou a um “pai” (cf. 2Rs 6, 5. 21);

• alguns viviam de esmolas (cf. 2Rs 4, 8. 42);

• outros moravam nas cortes e tinham funções no templo.

Os reis, os sacerdotes do templo e os magistrados trocavam favores com os nebiim, os falsos profetas das cortes, e em nome desse conchavo o povo era oprimido. Os chamados “grandes profetas” (os escritores), se insurgiram contra os nebiim, denunciando-os como mentirosos, arrogantes, mercenários, bêbados e adúlteros, que profetizavam por dinheiro, iludindo o povo (cf. Is 28, 7). Uma das principais atividades dos profetas era combater a idolatria, causa – segundo a tradição javista – de todos os males que assolavam o povo.

Os profetas tiveram um ponderável peso teológico e sociopolítico na história de Israel. Sua atuação começa com Amós e Oséias (séc. VIII) no Reino do Norte (Israel, capital Samaria) e duraria cerca de três séculos. Como oráculos de Deus eles iriam se opor aos “profetas profissionais”, a soldo das cortes.

Lembrando o povo da Aliança feita a partir da saída do Egito, o profeta não era um sacerdote, mas um simples homem do povo, chamado por Deus, para pregar sua Palavra e lançar seus oráculos. Mesmo nas crises ou períodos de decadência, os profetas souberam dar importantes contributos à manutenção da yahal (esperança) do povo. Suas principais características eram:

• usar as Escrituras - especialmente as partes que falam na hesêd (misericórdia de Deus) para admoestar o povo e lembrá-lo de seus compromissos;

• surgiam nas horas mais críticas para anunciar, consolar e denunciar;

• tinham larga visão social e política, com vistas ao religioso;

• eram pessoas reais e não mitos ou lendas; existiram mesmo;

• convidavam o povo a unir fé e vida.

O monoteísmo absoluto, em Israel, é preconizado de forma radical pelos profetas, a partir de Oséias e Amós (séc. VIII a.C.) contra os cultos idolátricos a Baal, às divindades egípcias e cananéias e aos deuses importados, dos conquistadores da Assíria e da Caldéia.

Os escritos proféticos dessa época – como os de Amós – estão cheios de invectivas às práticas de devoções pagãs e igualmente da idolatria da injustiça, da luxúria e da ambição, tornando-se paradigmas de espiritualidade e de doutrina social:

Ouçam, vocês, que esmagam o pobre e querem eliminar os humildes do país. Vocês que dizem: “Quando passará a lua nova, para que possamos vender o grão, e o sábado, para que possamos oferecer o trigo, para diminuir a medida, aumentar o peso e viciar as balanças? para comprar o indigente com prata e o pobre por um par de sandálias, para vender até os refugos do trigo?” O Senhor jurou pelo orgulho de Jacó: “Não esquecerei jamais nenhuma dessas ações de vocês!” (Am 8, 5ss).

Os profetas denunciaram os abusos dos quais os detentores do poder se tornavam culpados, com prejuízo dos membros mais fracos da nação. Yaton (viúvas), al’manã (órfãos), gêr (migrantes), xolê (doentes), camponeses, devedores, todos aqueles cujos direitos corriam riscos de serem desconhecidos por uma sociedade que respeitava somente o poder e o lucro, e cujo estatuto, não só econômico, mas também político, cultural, e até religioso, era gravemente ameaçado. Esses noflim (excluídos) tinham, nos profetas, advogados convictos e intransigentes. Há mulheres que também profetizaram. Falarei delas mais adiante.

Para entendermos a profecia devemos estudar os grupos de profetas, Durante muitos séculos, biblistas, pesquisadores, judaístas e estudioso têm tentado estabelecer cronologias, divisões e esquemas a respeito dos profetas de Israel. De acordo com o enfoque que se quer dar, existe esta ou aquela divisão, todas elas, porém, revelam alguma coisa mas ficam carentes de outras.

1. Profetas Maiores (4)

São considerados, por alguns autores, inclusive as Bíblias modernas, “profetas maiores”:

• Isaías

• Jeremias

• Ezequiel

• Daniel

Estes, como se disse, são chamados de maiores, pelo volume dos capítulos e versículos de seus livros. No entanto, há autores, e não são poucos, especialmente judeus e protestantes, que, pela não-canonicidade de alguns textos de Daniel, excluem-no dessa nominata.

2. Profetas Menores (12)

Esta divisão não se refere à qualidade dos conteúdos dos profetas. Os “menores” são assim considerados, também com vistas ao volume menor de seus escritos, “profetas menores”:

• Oséias

• Amós

• Joel

• Abdias

• Jonas

• Miquéias

• Naum

• Habacuc

• Sofonias

• Ageu

• Zacarias

• Malaquias

3. Profetas Clássicos

Igualmente a classificação dos chamados “clássicos” não é pacífica. Há quem relacione sob esse título, todos os profetas do chamado período do “pré-exílio”. Neste caso, os clássicos seriam sete:

• Amós

• Isaías

• Miquéias

• Oséias

• Sofonias

• Naum

• Habacuc

A maioria dos estudiosos da Bíblia e autores de teologia bíblica, no entanto, não concorda com essa divisão, preferindo enunciar, sob o título de clássicos, apenas quatro (que seriam os “maiores”). Esse novo rol profético acrescenta Amós e Miquéias e exclui Ezequiel e Daniel. O critério dessa escolha é eminentemente de qualidade, literária e profética:

• Amós

• Isaías

• Miquéias

• Jeremias

Particularmente, considerando a qualidade da produção profética desses autores, e por representarem épocas específicas, sou inclinado a também concordar com esta divisão.

a. Profetas do tempo do Exílio

Por “tempo do exílio” fica subentendido, para facilitar o estudo, o período que compreender aquela fase do pré-exilio, o tempo em que os judeus estiveram exilados na Babilônia e, posteriormente, a volta de lá, com as tentativas de reconstrução do que foi destruído. Para fins de um estudo mais aprofundado do trabalho dos profetas, e considerando estarem todos eles incluídos nas três fases, reputo esta divisão como a que melhor delimita o tempo e esclarece o discurso:

b. do Pré-exílio

Os profetas desse período são especialistas em anúncios do poder de Deus, dos castigos que estão por vir, e denunciadores da idolatria, da ganância e dos desvios do povo e dos governantes:

Século VIII

• Amós

• Proto-Isaías (Is 1-39)

• Miquéias

• Oséias

Século VII - VI

• Naum

• Habacuc

• Jeremias

• Sofonias

c. do tempo das deportações

São profetas que atuaram enquanto Israel sofreu com o exílio da Babilônia. Os textos são de reflexão, consoladores e animadores do povo, tanto dos que estavam no exílio como os que haviam permanecido na Palestina:

• Ezequiel

• Daniel

• Dêutero Isaías (Is 40-55)

• Abdias

d. da volta do Exílio

(Hegemonia Persa - séc. V - IV)

Profetas restauradores e animadores de uma época difícil, o retorno do exílio, quando há muita coisa para reconstruir:

• Ageu

• Zacarias

• Trito Isaías (Is 56-66)

• Joel

• Jonas

• Malaquias

• Zacarias

e. Profetas primitivos

Trata-se daqueles nebiim das cortes, estáticos, em delírio, meio folclóricos. Mesmo assim, no meio destes, e fora daquelas características pejorativas, é impossível deixar de falar em Samuel, Elias e Eliseu, precursores e profetas autênticos.

f. Profetas quanto à escrita

No que tange à produção literário-profética, podemos dividir os profetas em aqueles que escreveram livros (os escritores) e os que nada deixaram escrito (os não-escritores):

i. Escritores

Por “profetas escritores” entendem-se os quatro maiores, os dozes menores mais Baruc (Ele não aparece nas Bíblias protestantes por ser considerado apócrifo ou deuterocanônico. Seus textos não são utilizados na liturgia).

ii. Não-escritores

São chamados de não-escritores os profetas que não têm produção literária. Fizeram profecia mas não escreveram seus oráculos, denúncias e discursos. Os não-escritores mais conhecidos são:

• Samuel

• Elias

• Eliseu

• Natã

Há ainda nesse rol, embora discutida, uma relação complementar, com três no Antigo Testamento e dois na era cristã:

Do Antigo Testamento

• Neemias

• Esdras

• Hannáh (Ana, mãe de Samuel)

Do Novo Testamento

• João Batista

• Simeão

Há que se estudar também os gêneros literários na profecia. Considerando-se peculiaridades regionais e culturais, torna-se indispensável observar que os profetas eram homens do povo, e em geral usavam expressões sociais, religiosas e políticas do seu tempo. Igualmente, é fácil comprovar, em certas ocasiões, o mesmo profeta usa mais de um gênero em seus escritos. Os pesquisadores e os estudiosos não são unânimes na identificação dos estilos e gêneros de escrita.

Oráculos de resposta de Deus

Naquele tempo eu vos reconduzirei, no tempo em que eu vos reunir; então eu vos darei renome e louvor entre todos os povos da terra, quando eu mudar o vosso destino, aos vossos olhos, disse o Senhor (Sf 3, 20).

Naquele dia – oráculo do Senhor – reunirei o estropiado, congregarei o disperso e o que maltratei. Farei do estropiado um resto e do disperso uma nação poderosa. E o Senhor reinará sobre eles no monte Sião, desde agora e para sempre (Mq 4, 6s).

Consolo

Derramarei sobre vós água pura e sereis purificados. Eu vos purificarei de todas as impurezas e de todos os ídolos. Eu vos darei um coração novo e incutirei um espírito novo dentro de vós. Removerei de vosso corpo o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Incutirei o meu espírito dentro de vós e farei com que andeis segundo minhas leis e cuideis de observar os meus preceitos. Habitareis no país que dei a vossos pais. Sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus (Ez 36, 25-28).

Ameaça e repreensão

O Senhor se levanta para o processo, está de pé para julgar os povos. O Senhor entra em julgamento com os anciãos e príncipes de seu povo: Fostes vós que devorastes a vinha, o despojo do pobre está em vossas casas. Por que esmagais o meu povo e calcais aos pés o rosto dos pobres? –oráculo do Senhor Deus Todo-poderoso (Is 3, 13ss)

Julgamento

Assim diz o Senhor: Pelos crimes de Israel, não voltarei atrás; porque vendem o justo por prata e o pobre por um par de sandálias. Esmagam sobre o pó da terra a cabeça dos fracos e tornam torto o caminho dos humildes; pai e filho vão à mesma jovem profanando meu santo nome ` (Am 2, 6s).

Exaltação do poder de Deus

É com mão firme - Oráculo dom Senhor - braço estendido e furor desencadeado que eu vos retirarei do meio dos povos e vos reunirei entre os países onde fostes dispersados (Ez 20, 34).

Louvor

Exulta muito, filha de Sião! Grita de alegria, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti: ele é justo e vitorioso, humilde, montado sobre um jumento, sobre um jumentinho, filho da jumenta (Zc 9, 9s)

Esperança

Deixarei em teu seio um povo pobre e humilde, eles procurarão refúgio no nome do Senhor: o resto de Israel. Eles já não praticarão a iniqüidade, não dirão mentiras; não se encontrará em sua boca uma língua mentirosa. Sim, eles poderão pastorear e repousar e ninguém os incomodará (Sf 3, 12s).

Apocalíptico

Nesse tempo se apresentará o grande príncipe Miguel assistente de teu povo, e haverá um tempo de tribulação, como não houve até agora, desde que há povo. Mas nesse tempo, teu povo será salvo, todos os que se acharem registrados no Livro. Muitos dos que dormem na terra poeirenta, despertarão; uns para a vida eterna, outros para vergonha, para abominação eterna. Então os sábios brilharão como o firmamento resplandecente, e os que tiverem conduzido a muitos para a justiça brilharão como estrelas para sempre (Dn 12, 1ss).

Profecia feminina

Há também algumas mulheres que, embora não constando na nominata tradicional dos profetas, realizaram, de forma constante ou esporádica, profecias em Israel.

• Myriã, a irmã de Moisés e Aarão (cf. Ex 15, 20s);

• Débora (cf. Jz 4, 1-14);

• a mulher de Isaías (cf. Is 8,3);

• Holda (ou Hulda) consultada pelo sacerdote Helcias (cf. 2Rs 22, 14-20);

• Noadias, combateu as idéias de Neemias (cf. Ne 6, 14);

• Hannáh (Ana) a mãe de Samuel (cf. 1Sm 2, 1-10);

• Abigail, mulher de Davi (cf. 1Sm 25, 27-31).

Quando chegamos ao fim desta reflexão a respeito de profetas e de profecia, nosso coração parece disparar de emoção, diante da coragem e da santidade daqueles homens que, em tempos e sociedades adversas tiveram o destemor de anunciar a vontade de Deus, ao mesmo tempo em que denunciavam toda a maldade e violência, não só do povo, mas também de seus homens públicos, a começar pelos reis, príncipes, magistrados e sacerdotes.

Hoje é impossível compreender o Novo Testamento, entender Jesus no contexto judaico e também universal, sem descerrar as portas da história antiga, onde o anúncio da esperança e da entrega à providência divina preconizado pelos profetas projetava todos os anúncios de restauração para um kairós futuro. O futuro já é vivido agora, nesse tempo que precede a parusia, final dos tempos, em que o Ressuscitado, núcleo central de toda a profecia, se avizinha de forma definitiva.

Pelo batismo, o crente de hoje torna-se missionário, assumindo de Cristo e da Igreja, a incumbência de se tornar também profeta e servidor da comunidade. A família, a sociedade, a Igreja, as profissões, os meios de comunicação e os demais segmentos, esperam dos cristãos, atitudes proféticas, plenas de testemunho e coragem, atitude de anúncio da boa notícia da salvação, bem como de denúncia contra aqueles obstáculos que dificultam e distanciam essa salvação.

Deus sempre chamou pessoas para falar (proferir, profetizar) em seu nome, tornando pública sua doutrina de amor, justiça e salvação. Todo o cristão batizado, inserido no mistério de Cristo, membro do povo de Deus, traz consigo a missão profética de testemunhar a ressurreição de Jesus. Os profetas – de ontem e de hoje – são chamados a falar por Deus, que lhes dá entendimento e poderes sobrenaturais. Sua teologia política baseia-se na certeza de que a ação divina pode forçar o destino e realizar o improvável.

A profecia não tem fim! No passado, Deus chamava e mandava ungir seus eleitos, para a missão. Hoje, Cristo igualmente unge os escolhidos, pelo batismo e pelo crisma, assim como pelos demais sacramentos, colocando no coração e na inteligência de cada um a missão de torná-los profetas, leigos ou consagrados, com vistas à implantação, aqui e agora, do Reino dos Céus. O profeta de todos os tempos é um vigia da sociedade, seja da atual ou da futura. Em nosso meio, os profetas, leigos e consagrados, jovens e idosos, homens e mulheres, são vistos nas famílias, nas escolas, pelas ruas, nos templos e nos ambientes de trabalho, denunciando a injustiça e o afastamento de Deus, anunciando os consolos do Senhor.

Quanto a ti, filho do homem, eu te estabeleci como vigia para a casa de Israel. Logo que ouvires alguma palavra da minha boca, tu os deves advertir em meu nome (Ez 37, 7).

Em Cristo encerra-se a profecia messiânica, pois nele se resume a definitiva revelação de Deus. No entanto, os batizados, seus discípulos seguem falando palavras de profecia, enquanto, como nos tempos antigos, houver injustiças a denunciar e corações onde a boa notícia da salvação ainda não chegou. É verdade que os profetas foram místicos por excelência. Ninguém, como eles, intuía a presença de Deus e a necessidade de que fossem observados seus estatutos. No entanto, ninguém também se preocupou mais com o social, com a miséria do povo, pobre e explorado, que eles. Um dos eixos básicos da profecia do Antigo Testamento era a afirmação de que Deus zela sem cessar para que se faça justiça aos mais pobres. Essa convicção deixaria pegadas indeléveis na consciência religiosa de Israel e dos tempos futuros, até hoje.

Com essa aliança definitiva, instaurada a partir de Cristo, quando todas as coisas foram reconciliadas, abre-se para todos os crentes as portas do Reino, tratada no Livro do Apocalipse como “A Jerusalém Celeste”, cidade reconstruída para homens e mulheres transformados, local ideal que há de abrigar o novo povo de Deus (cf. Ap 21, 24-27), toda a criação renovada na aliança do homem com Deus, com o outro e com a natureza, como profetizou Isaías:

No final dos tempos, o monte do Templo de Javé estará firmemente plantado no mais alto dos montes, e será mais alto que as colinas. Para lá correrão todas as nações. Para lá irão muitos povos, dizendo: “Venham! Vamos subir à montanha de Javé, vamos ao Templo do Deus de Jacó, para que ele nos mostre seus caminhos, e possamos caminhar em suas veredas”. Pois de Sião sairá a Lei e de Jerusalém a palavra de Javé (Is 2, 2ss).

Como profetas de hoje, nós cristãos devíamos nos perguntar com freqüência: “O quê os profetas fizeram com coragem e fé em Deus, que nós estamos deixando de fazer?”. Conhecendo os livros Proféticos, obtêm-se uma ponderável visão do Antigo Testamento, que é, indiscutivelmente, a pré-história do cristianismo. Por derradeiro, à guisa de reflexão, e com vistas à nossa edificação espiritual, pessoal e sobretudo comunitária, é conveniente recordar e interiorizar as palavras inspiradas de São Paulo:

Estejam sempre alegres, rezem sem cessar. Dêem graças em todas as circunstâncias, porque esta é a vontade de Deus a respeito de vocês em Jesus Cristo. Não extingam o Espírito, não desprezem as profecias, examinem tudo e fiquem com o que é bom. Fiquem longe de toda espécie de mal (1Ts 5, 16-22).

Esta exortação paulina quer nos dizer, em outras palavras, profunda e definitivamente:

ESTEJAM ATENTOS

AO QUE DIZ O ESPÍRITO SANTO.

NÃO IMPEÇAM, NEM AGORA NEM NUNCA,

OS PROFETAS DE FALAR!

Reflexão levada a efeito em um retiro de teologia bíblica de seminaristas realizado no interior do Rio Grande do Sul em março de 2009.

O autor é Biblista e doutor em Teologia Moral. Escritor, autor, entre outras obras, de “Os profetas de Israel”, Ed. Recado, 2008 e “O antigo Israel. Dos apiru à dominação romana”. Ed. EST 1999.