OUTRA REVITALIZAÇÃO DA CIDADE DE SALVADOR
Investimentos imobiliários hoteleiros com o argumento de requalificar locais da cidade trazem certos aspectos que, na prática, expulsam e impedem o desfrute da cidade por aqueles que não podem pagar. Além de os equipamentos principais serem direcionados às classes mais altas (à qual pertencem poucos em nossa cidade), o entorno desses locais se volta para estes empreendimentos, tornando-se em termos de preço, serviços e tipologia construtiva repelentes à vivência do soteropolitano comum, que é pobre.
Há de se observar que o que induz o interesse do capital por determinado investimento são desejos dos clientes que podem pagar por aquele produto ou serviço. As empresas se interessam em instalar seus hotéis em pontos específicos do planeta não por sorteio, mas pelas potencialidades, pelos atrativos turísticos do local. O que significa que não é somente pelas instalações do Hotel que se paga e não somente a elas que se deseja.
Costuma-se justificar empreendimentos do tipo com o discurso do “emprego e renda”. Se pensarmos um pouco, podemos conceber que a experiência que se pretende para o habitante da cidade é o crescimento financeiro. Claro que o dinheiro é um meio, e não um fim... Porém se aquelas pessoas de “sucesso financeiro” desejam desfrutar de lugares como o dos citadinos, que poderiam ocupá-lo, que razão há em impedi-los de usar (ou expulsá-los dali) sob pagamento?
Outro lado por que poderíamos encarar essa questão dos empreendimentos imobiliários de desse tipo em relação à cidade e seus habitantes é como um investimento para o qual o custo seria justamente “perder” a oportunidade de desfrutar de um certo local específico na cidade. Contudo, para que esta maneira de pensar tenha algum sentido, há de considerar dois fatores.
Primeiro, que essas “renúncias” de trechos da cidade não podem ser a maneira padrão de ação urbana, mas medidas pontuais. É que devem ser meios de melhorar a vida das pessoas na cidade, pessoas que existem e vivem no presente do tecido urbano e não num futuro distante tal que podem renunciar à vivência de sua cidade por longos anos.
Segundo, que os ganhos desses investimentos devem ser mais diretos. Os ganhos (estamos falando de dinheiro) deste investimento, como são hoje, são tão indiretos que quem ganha significativamente não é a cidade [com impostos (isso quando não isenta!)], não são os citadinos (assalariados e empreendedores menores), mas as pessoas que têm dinheiro para investir (que, convenhamos, não são quem mais precisa).
Numa economia mais desenvolvida talvez devamos considerar mais o livre mercado para estas questões da cidade. É que, nesse estágio, as pessoas que desfrutam dos hotéis, que investem neles e trabalham neles podem se confundir entre si mais facilmente. Quem sabe também haja uma demanda mais qualificada sobre a cidade, já que as pessoas terão mais cacife para lutar pelas experiências de vida em sua cidade que por mendigar certa quantia em dinheiro.
Um regime especial de habitação social, que resiste estratégica e pontualmente ao destino que o ‘mercado’ lhe reservaria, milita por uma cidade onde seu povo pode desfrutá-la não só como empregado, não só como beneficiário indireto ou como observador distante, mas como parte. Não é um dispositivo de negação do livre mercado, mas de uso conveniente dele. Uma tentativa de fazer o lucro monetário retornar mais diretamente à qualidade e à manutenção do ambiente propício à vivência do cidadão comum daquele local; e no campo simbólico promover a luta pela melhoria da qualidade de vida em toda a cidade.
Deve ser possível.