CRENÇA, CERTEZA, FÉ E CONHECIMENTO

1. INTRODUÇÃO

Crença, fé, certeza e conhecimento são termos cuja distinção é difícil de enxergar, o que leva a certos problemas de interpretação e inferências errôneas a respeito deles. Embora nem todos confundam os temos e saibam que existem diferenças, para a maioria das pessoas essa diferença não é muito clara. Muitos aceitam que fé e crença são a mesma coisa, ou que certeza e conhecimento também são, ou ainda que fé pode gerar conhecimento. Compreender a distinção entre esses conceitos é importante para entender melhor que significam coisas como teísmo, ateísmo, agnosticismo, ceticismo e fé.

2. DA CRENÇA

Começemos com o mais elementar de todos, embora seja, talvez, o que tem a definição mais complicada: a crença. Entender o que é crença é o fundamental para entender os demais conceitos aqui relacionados, pois todos eles se relacionam com a crença de alguma maneira. Bertrand Russell diz que crenças são “atitudes proposicionais”. Para entender isso, é preciso entender o que é atitude e o que é proposição. Independentemente dos detalhes dados pela Filosofia e pela Psicologia acerca do primeiro conceito, ambas estão de acordo que atitudes são estados mentais, não ações, como geralmente se diz no senso comum. Assim, uma atitude é um estado mental qualquer que se tem em relação a uma proposição. Uma proposição é, segundo Desidério Murcho, “O pensamento literalmente expresso por uma frase declarativa”. Desta forma, a sentença “Está chovendo” é uma frase que expressa uma proposição, mas ela mesma não é uma proposição, pois uma frase totalmente diferente, como “It’s rainning”, expressa a mesma coisa. A proposição não é a frase, mas a idéia a que ele a se refere, ou seja, a idéia de que está chovendo.

Sabemos o que é atitude e sabemos o que é proposição, agora só nos falta saber que tipo de atitude, ou seja, que tipo de estado mental o sujeito relaciona com as proposições quando tem uma crença. Uma crença é apenas ter um estado mental de aceitação de uma proposição qualquer. Assim, se aceito a proposição “Está chovendo”, então tenho uma crença. Isso me permite, por exemplo, aceitar proposições expressas em frases que não entendo. Se eu não entendesse nada de inglês, eu certamente aceitaria a proposição “It’s rainning”, mesmo sem saber o que a frase quer dizer. Desta forma, quem aceita uma proposição qualquer como verdadeira, e tem uma disposição para viver e agir de acordo com a verdade dela, tem uma crença. Se aceito que está chovendo, então provavelmente não vou sair de casa, pois minha aceitação da proposição “Está chovendo” traz consigo uma série de disposições comportamentais típicas.

3. DO CONHECIMENTO

Passemos agora à definição de conhecimento. Embora seja controverso definir conhecimento, é amplamente aceita a idéia de Platão, expressa no famoso Teeteto, de que todo conhecimento é composto de três partes: 1) é uma crença 2) verdadeira e 3) justificada. Já vi pessoas acharem absurdo dizer que conhecimento é uma crença, mas é mais absurdo ainda alguém dizer, por exemplo, que sabe que está chovendo, mas não acredita que está chovendo. Portanto, é necessário acreditar naquilo que se conhece. Em segundo lugar, o conhecimento tem que ser verdadeiro. Não podemos conhecer coisas falsas. Eu não posso, por exemplo, dizer “Eu sei que está chovendo, mas não está chovendo”. Embora não seja logicamente demonstrável, essa frase parece não ter muito sentido. Então, para conhecer, eu tenho que ter uma crença e ela tem que ser verdadeira. Mas isso não é o bastante, pois minha crença pode ser verdadeira apenas por mero acaso, como quando marcamos ao acaso uma questão numa prova de múltiplas escolhas e acertamos. Assim, para evitar que conhecimento sejam apenas crenças que podem por acaso ser verdadeiras, é preciso que exista alguma justificação para a afirmação. Alguém antes de Copérnico poderia ter uma crença de que a Terra se move, e essa crença é verdadeira, mas se ele não tivesse como justificar, não seria conhecimento, mas apenas um chute.

4. DA CERTEZA

Muitos confundem certeza com conhecimento, mas são coisas totalmente distintas. Talvez seja correto dizer que se alguém que tem conhecimento, tem certeza, mas não é correto dizer que se alguém que tem certeza, ela tem conhecimento. Saber e ter certeza não são a mesma coisa. Segundo Antonio Paulo Costa e Desidério Murcho, certeza é o “Grau máximo de convicção acerca da verdade de uma certa proposição. Quando afirmamos ‘Tenho a certeza absoluta de que P!’, estamos a exprimir a nossa completa convicção de que P é verdade. Mas podemos perfeitamente estar enganados. A certeza não implica a verdade, ao contrário do conhecimento”, ou seja, eu posso ter certeza e ainda estar enganado, mas não posso conhecer algo e meu conhecimento sobre esse algo não ser verdadeiro. Se o que eu pensava sobre uma coisa for falso, então eu nunca tive conhecimento sobre ela. Eu poderia dizer que certeza é uma crença elevada a um grau tão alto que não admite questionamentos.

Como certeza não implica em conhecimento, eu posso ser convicto de algo e ainda estar errado. Quem nunca disse, experienciou alguém disser ou é capaz de imaginar alguém que dissesse “Eu tinha certeza de que tinha deixado a chave aqui”, e no entanto essa pessoa estar errada? Muitos filósofos defendem que temos certeza de várias coisas, embora conheçamos bem poucas (ou nenhuma). Dizem que, se não tivéssemos certeza, ou seja, uma crença muito forte e indubitável, de que o chão não vai se abrir sob nosso pés, sequer levantaríamos da cama todas as manhãs. Direcionam esse tipo de pensamento sobretudo para os céticos, mas essa crítica parece que não procede, como veremos.

5. DA FÉ

Que fé é crença, todo mundo sabe. Mas não é todo tipo de crença que pode ser considerada fé. Nenhuma fonte seria melhor para nos definir o que é fé que a própria Bíblia. Paulo de Tarso diz, no livro de Hebreus, que fé é “a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem”. Convicção e certeza podem ser vistas aqui como sinônimos. Assim, o que se diz não é que fé é conhecimento, mas que é uma crença muito forte, ou seja, uma certeza. No entanto, não é uma certeza qualquer. O senso comum tem certeza de que o mundo exterior existe, mas não se pode dizer que isso seja fé. Nós vemos o mundo exterior, mesmo que os mais céticos duvidem de sua existência, mas Deus nós não vemos. É a certeza nessas coisas que não vemos que se chama fé, e jamais poderá ser chamada de fé a certeza que o senso comum tem na existência dos objetos dos sentidos. O senso comum tem certeza de coisas que ele vê, os religiosos têm certeza de coisas que não vêem. “Ver” aqui pode não querer significar apenas uma experiência direta, mas uma experiência indireta também. Se vejo pegadas na areia da praia, mesmo que eu não tenha visto ninguém passar por lá, eu tenho uma experiência indireta de que alguém esteve aqui e deixou esses rastros. Eu posso “ver” que alguém esteve aqui.

A crença no que se vê ou no que não se vê é apenas crença. Somente a certeza no que não se “vê”, ou seja, naquilo para o qual não temos evidencias, é fé. A maioria tem apenas crença, quer porque aceitam como verdadeiro algo para o qual julgam ter provas e/ou evidências, quer porque sua crença é demasiado fraca para ser considerada uma certeza. Poucos tem fé realmente. Aquele que julga ter provas e evidências da existência de Deus só podem ter crenças, mas não fé, pois eles aceitam como verdadeiro algo que podem “ver”, e a fé se relaciona apenas com o invisível. Por outro lado, aqueles que cuja crença em Deus é tão fraca que pode ser abalada por evidências, provas ou argumento não tem fé realmente, pois não tem certeza ou convicção de suas idéias. Ter certeza das coisas do sentido é algo até fácil, mas ter certeza do invisível é uma exigência muito alta. A fé é, na verdade, um grande desafio.

6. DAS IMPLICAÇÕES TEOLÓGICAS E EPISTEMOLÓGICAS

6.1. DO TEÍSMO E DO ATEÍSMO

Vimos que crença é um estado mental, caracterizado pela aceitação de uma proposição. Consequentemente, podemos chamar de teísta (em sentido amplo, pois pode ser também deísta, panteísta, etc. mas para fins metodológicos, usarei o termo “teísta” para me referir a todos) quem aceita como verdadeira a proposição “Deus existe”, e ateu quem a rejeita. O que é causa de inúmeros problemas e discussões é que alguns teístas acusam os ateus de acreditarem que Deus não existe, e, por outro lado, ateus defendem-se afirmando que apenas não acreditam que Deus existe. E qual a diferença? E se há diferença, qual dos dois está certo?

Ambos tem um pouco de razão, mas os ateus, digamos, têm um pouco mais de razão. Rejeitar a proposição “Deus existe” não significa dizer que é falso que Deus existe, ou aceitar a proposição contrária, ou seja, “Deus não existe”. Alguém pode rejeitar ambas e ainda ser ateu. Mas quem rejeita ambas não é agnóstico? Não! Mas isso será discutido em seguida. O que faz com que alguém seja considerado ateu é ele rejeitar, ou seja, não aceitar como verdadeira a proposição “Deus existe”, quer porque não se aprofundou bastante no assunto, quer porque acha os argumentos demasiado fracos para comprovar ou sustentar tal afirmação. Alguém que rejeita ambas as proposições, isto é, “Deus existe” e “Deus não existe” é ateu, pois rejeita a primeira. Ainda não existe um nome para quem rejeita a segunda. Não pode ser teísmo, pois alguém que rejeite que Deus não existe não necessariamente aceita que ele existe. Assim sendo, quem rejeita ambas, rejeita necessariamente que Deus existe, portanto,é ateu. O ateísmo que aceita a inexistência de Deus é, segundo Anthony Flew, um ateísmo positivo (pois afirma algo), e, numa nomenclatura mais moderna, ateísmo forte. O ateísmo que não aceita a inexistência de Deus é, ainda segundo Flew, ateísmo negativo (pois não afirma nada), ou ateísmo fraco.

Em que os teístas tem razão quanto a isso? Que existem realmente ateus que negam a existência de Deus, ou seja, que aceitam a proposição que afirma que Deus não existe. Não são todos, obviamente, e creio ser uma minoria, mas é inútil fingir que eles não existem. No entanto, o que torna alguém ateu não é aceitar a proposição que diz que Deus não existe, mas apenas rejeitar a que diz que ele existe. Quem aceita que Deus não existe, obviamente rejeita que Deus existe, caso contrário, ele cairia em uma fatal contradição. Mas o que quero dizer é que o critério para se definir alguém como ateu não é que ela aceite a inexistência de Deus, mas apenas que ela não aceite sua existência, ou seja, sem necessariamente aceitar o contrário. A grosso modo, quem não é teísta, é ateu. Não existe meio-termo, pois não existe meio-termo entre aceitar e rejeitar uma proposição, a saber, “Deus existe”.

6.2. DO AGNOSTICISMO

Muita confusão tem-se feito em torno desse conceito. Alguns o tem visto como algo separado do ateísmo. Bem, não o vejo como estando junto nem separado, mas sendo diferente, pertencendo a outro gênero e tendo outro escopo. Teísmo e ateísmo se referem a crença/descrença, ou seja, a aceitação ou rejeição de proposições. Já o agnosticismo se refere a conhecimento. Embora todo conhecimento seja uma crença, nem toda crença é conhecimento. Assim sendo, um agnóstico não pode ter conhecimento sobre a existência de Deus, mas pode ter crenças ou não. E não há outra alternativa: ou tem crença na existência de Deus (teísta) ou não tem (ateísta). Em nenhum caso temos um agnóstico “puro”.

O agnosticismo é uma espécie de ceticismo, só que limitado à existência de Deus. Um agnóstico não precisa duvidar de tudo, ou negar que se possa conhecer outras coisas, apenas Deus. O agnosticismo tem suas raízes na filosofia de Hume e Kant, de onde o seu “fundandor”, o biólogo Thomas Huxley tirou sua inspiração. De acordo com essa corrente de pensamento, Deus é incognoscível para os seres humanos, quer seja por causa da sua própria natureza, quer seja pela limitação do ser humano, quer seja pelas duas coisas em conjunto. Contudo, não se trata de uma limitação temporária ou limitada à existência física. Para o agnosticismo, não conhecemos Deus e nunca conheceremos. O que chamam de agnosticismo temporário é uma aberração conceitual e vai totalmente contra a filosofia de Hume e Kant – novamente - de onde Huxley tirou sua inspiração para fundar o agnosticismo. Também não faz sentido dizer que agnóstico é quem não sabe se Deus existe ou não, pois, se fosse assim, todos seriam agnósticos, uma vez que ninguém sabe essa resposta.

Outra confusão que gira em torno do mesmo conceito se refere à distinção entre conhecimento e certeza. Para Richard Dawkins, por exemplo, parece que agnóstico é quem não tem certeza da existência de Deus. Ele usa “conhecimento” e “certeza” de maneira muito confusa, na maioria das vezes, como se fossem sinônimos, o que não é. Por exemplo, ele diz que existem teísas que afirmam saber que Deus existe, assim como existe ateus que afirmam saber igualmente que Deus não existe. Ora, isso é impossível, pois, como vimos, não se pode saber, ou seja, ter conhecimento de algo que é falso, e nesse caso, algum deles está errado, isto é, não tem conhecimento algum. E também é certo que nenhum deles tem qualquer conhecimento. Eles podem ter certezas, mas não conhecimento. E porque tem certeza que tanto um quanto o outro podem estar errados. Também é falso que agnóstico é quem não tem certeza, pois certeza não é a mesma coisa que conhecimento. A escala Dawkins, em que ele classifica agnóstico como os que não tem certeza nem da existência nem da inexistência de Deus, é, portanto, sem sentido. Quem não tem certeza de uma ou de outra proposição é ateu negativo, uma vez que ele não tem nenhuma crença na existência de Deus, mesmo que não tenha crença na sua inexistência também.

6.3. DO CETICISMO

Para os céticos, o conhecimento é, por conta da nossa limitação, algo inacessível para o ser humano. Cético é aquele que nega que o conhecimento seja possível (acadêmico) ou apenas nega que tenhamos algum tipo de conhecimento, sem, no entanto, afirmar que nunca o teremos (pirronismo). Enquanto o cético acadêmico diz “Só sei que nada sei”, o pirrônico diz “Nem sei se nada sei”. Em ambos os casos, o cético afirma que não temos nenhuma crença verdadeira justificada a cerca do mundo. A única coisa que podemos conhecer com certeza são nossas próprias experiências, sem no entanto poder saber se a elas corresponde algum objeto exterior à nossa própria mente, ou se é apenas uma criação da mesma, e conhecer algumas verdades matemáticas e tautológicas que, por serem demasiado obvias ou abstratas, não ajuda em nada quanto ao conhecimento das coisas do mundo.

Falar de ceticismo tem sido comum atualmente, mas poucos sabem o sentido mais profundo da palavra. Geralmente chamam de cético qualquer pessoa que esteja em estado de dúvida, ou quem não acredita em fantasmas, discos voadores, duendes, essas coisas. Ou alguém que só acredita na ciência. Mas o verdadeiro cético duvida até mesmo da ciência! Talvez não seja incorreto dizer que alguém é cético em relação a uma determinada proposição, mas considero abusivo. Pode-se considerar também correto restringir o ceticismo a uma determinada área, como, por exemplo, à metafísica ou á teologia. Os positivistas duvidavam de tudo que é metafísico, mas não eram realmente céticos. Os agnósticos duvidam que possamos conhecer Deus, mas seu ceticismo se limita a isso. O cético verdadeiro, ou o cético radical estende essa dúvida a todas as coisas.

Tem-se dito também que os céticos, embora duvidem de tudo, não duvidam dos seus sentidos. Eles não apenas acreditam nos seus sentidos, como têm certeza deles. Eu considero essa afirmação falsa. Embora seja verdade que os céticos agem de acordo com os sentidos, como se acreditassem neles, eles não acreditam de fato. Por que não? Porque a crença é uma atitude proposicional, ou seja, ela se relaciona com proposições, e não com coisas. Não se pode dizer que aceitamos uma sensação como verdadeira; apenas a aceitação de uma proposição como verdade é que configura uma crença. Se um cético desvia de um carro no meio de uma avenida, ele está dando razão aos seus sentidos, é claro, mas isso não é crença, pois se relaciona com sentidos, e não com proposições. Se lhe perguntassem “você acredita que o carro ia te atropelar?”, provavelmente ele responderia negativamente. A pergunta se refere a proposições, e proposições são idéias. Portanto, o cético não tem crenças realmente. Eles não aceitam proposições como verdade, embora também não precisem considerá-las falsas.

Como, pois, um cético pode desviar de um carro e, no entanto, não acreitar que carros existam? Essa é uma distinção da qual não pretendo me aprofundar por falta de espaço, mas que fica mais ou menos clara quando o comparamos ao comportamento de um animal ou de uma máquina. Um animal também desvia de um carro, mas é pouco provável que alguém diga que animais acreditam que existem carros. Para ter crenças, é preciso ter uma relação mental com uma proposição, e animais não conhecem proposições. A proposição “Carros existem” não faz o menor sentido para um animal. Uma máquina de refrigerante também não tem crenças, embora quando inserimos nela uma moeda, ela nos devolva uma lata de refrigerante. Ela não reconhece a proposição “Aqui há uma moeda”, portanto, não podem ter crenças realmente. Um funcionalista discordaria de mim, mas para ter mente é preciso reconhecer proposições. Um cético reconhece proposições, mas não acredita que os sentidos possam dar algum valor de verdade a elas. Seu comportamento é mais parecido com o de um animal, embora o cético tenha mente, pois para eles as proposições tem algum sentido.

6.4. DO FIDEÍSMO

Por último, gostaria de falar sobre as implicações que o conceito de fé pode ter na vida e na concepção de religião, com suas relações com crença e conhecimento. Já vimos que a fé é uma certeza, portanto, uma crença, e que certezas são diferentes de conhecimento, embora talvez o conhecimento seja uma crença tão forte que pode se tornar certeza. Vimos também que não é qualquer certeza que consiste em fé. Eu ter certeza de uma pedra que estou vendo neste exato momento é apenas certeza, mas ter certeza de algo que não posso saber, quer seja por meio dos sentidos, quer seja por meio da razão, é fé. A maioria das pessoas que acreditam em Deus tem apenas crença, pois não afirmam ter total convicção de que ele existe, mas essa convicção é condição necessária para se ter fé.

Uma certeza que se baseie em evidências pode ser facilmente desfeita, embora a certeza por si só não admita outra hipótese além da própria proposição que é objeto de crença. Eu poderia ter certeza de que guardei as chaves de casa em cima da mesma, mas ao me deparar com a mesa vazia, minha crença que antes era indibutável desmorona imediatamente. Portanto, uma certeza que se baseie em dados dos sentidos pode ser desfeita por outros dados dos sentidos. Todavia, a coisa fica mais complicada quando se trata de certeza de coisas que não se baseiam em evidências. Se as evidências não são o fundamento dessa certeza, provavelmente uma evidência contrária não fará nenhuma diferença. E não entendo porque deva fazer. Se não é por evidências que acredito em Deus, também não é por evidências que deixarei de acreditar. Esse é um posicionamento difícil de manter, inclusive porque somos educados a pensar que evidências provam proposições. Que proposições que são observadas são necessariamente verdadeiras, o que é negado pelos céticos e pelos fideístas. O fideísmo é o posicionamento filosófico (?) que defende que somente a fé pode nos levar a crer em Deus, a aceitação cega de uma proposição para a qual nenhuma evidência é ou deve ser fornecida.

Tendo em vista essa peculiaridade da fé, parece absurdo que filósofos e intelectuais cristãos percam seu tempo bolando argumentos e buscando evidências para sustenta-la. Uma fé que se sustenta em evidências não é uma fé. Não é uma certeza de fatos que não se vê, mas ao contrário, de fatos que se vê. Não vejo outra coisa compatível com a fé que não seja o fideísmo, o “credo quia absurdum est” (creio porque é absurdo) de Tertuliano. A fé não pode contar com a razão como aliada, pois elas são necessariamente inimigas. Alguém que busca evidências, é porque não tem certeza. As evidências podem servir posteriormente, para formar uma certeza parecida com a do senso comum ou a de muitos cientistas, no entanto, isso não será mais fé, mas algo parecido com a ciência. Alguém que busque na razão e nas ciências um fundamento onde possa edificar sua certeza é, na verdade, um homem de pouca fé.

7. CONCLUSÃO

Espero com este pequeno esboço de artigo ter espantado algumas dúvidas ou más interpretações acerca de termos ligados à religião e ao ateísmo. Fica claro aqui que, embora ateus possam ter crença de que Deus não existe, isso não é necessariamente determinante para que se classifique alguém como ateu. Também fica claro que ter certeza de algo não é a mesma coisa que conhecer esse algo. Também é evidente que a fé é uma certeza, mas não uma certeza de qualquer tipo, e que não se pode dizer que conhecemos algo pela fé, uma vez que certeza não é conhecimento. Creio ter esclarecido alguns pontos acerca do agnosticismo, comumente visto como uma ausência de crenças, mas que é, na verdade, uma absoluta ausência de conhecimento. E como crença não implica em conhecimento, não há problema algum em um agnóstico ter alguma crença, ou não ter nenhuma. Acredito também ter sanado as ambigüidades existentes em torno do conceito de ceticismo. Estes são pessoas que negam a possibilidade do conhecimento, ou pelo menos questiona as justificações apresentadas para sustentá-los. Alguém pode ser cético a respeito de algo, como os agnósticos, mas isso não significa que esse alguém é cético stricto sensu. Também creio ter defendido que a única opção compatível com a religião é o fideísmo, embora ele não seja a única opção compatível com a crença em Deus independentemente de religião.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 21/09/2010
Reeditado em 21/09/2010
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