O cachorro da Rebordosa

Numa noite dessas eu não conseguia dormir por causa dos latidos dos cães da vizinhança. É notável como esse pessoal de bairro gosta de cachorro. Quanto mais pobres, maior a cachorrada, talvez para cuidar, não o patrimônio, mas a esperança. Nem os edifícios ficam imunes a esse costume. Se os cachorros de apartamento não são tão barulhentos quanto os de pátios, são igualmente anti-higiênicos, pois mijam no elevador e cagam nos corredores. Eu gosto de cachorro; já tive uma dezena deles, mas todos contidos quanto à higiene e – principalmente – ao respeito com o silêncio dos vizinhos.

Eu não sei como é que o dono de um cachorro, ouvindo-o gritar desesperadamente na madrugada, não vai lá fora dar uma vassourada no dog. Pois nessa noite, aturdido pelo ganiço dos cuscos, eu comecei a lembrar dos meus bichos, todos já transferidos para o “paraíso canino”, se é que isto existe. Depois me lembrei de uma história curiosa, do tempo em que eu era garoto, adolescente, quando a gente não tinha o necessário feeling para entender as coisas, assim num estalo ou insight.

Eu sempre ouvi, sem me dar conta, os companheiros falarem no “cachorro da Rebordosa”. Para situar os leitores, a “Rebordosa” era uma vizinha nossa, mais velha que a turma, que tinha uma boa estampa, roupas justas, maquiagem exagerada, rebolado apimentado ressaltando uma anatomia bem ajeitada. Todos os dias, lá ia ela exibindo aquela avantajada plástica, deixando a meninada sem fôlego. Eu só achava curioso o pessoal, diante de tanta fartura física, insistir em mencionar o “cachorro” da dita cuja. Alguns até falavam em “cachorrão”.

O gozado de toda a história é que eu, menino meio-inocente, de seus doze anos (se é que algum dia fui inocente), nunca via a “louraça” andando com seu cachorro e, passando por sua casa, nunca vi o animal tão referido. Algum tempo depois, fui me inteirar da malícia e da gíria da turma. Na verdade, “cachorro” ou conforme o caso, no aumentativo, referia-se, não a algum espécie canino, mas era uma terminologia chula usada para mencionar uma bunda grande.

Pois nessa noite, sem sono, escutando a cachorrada solerte da vizinhança, me lembrei, não sei porquê, do “cachorro” da Rebordosa.

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 25/09/2006
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