Educação para a paz: um estilo de ‘aprenderensinar’ e ‘ensinaraprender’ na perspectiva da Educação em Direitos Humanos como possível suporte psicopedagógico
Educação para a paz: um estilo de ‘aprenderensinar’ e ‘ensinaraprender’ na perspectiva da Educação em Direitos Humanos como possível suporte psicopedagógico.
Prof MS. João Beauclair
“Viver é afinar um instrumento de dentro para fora,
de fora para dentro, a toda hora, a todo momento...
tudo é uma questão de manter a mente quieta,
a coluna ereta e o coração tranqüilo.”
Walter Franco
Muitos são os estilos de ensinar e aprender que encontramos, através da História, nas diferentes práticas pedagógicas. Mas como, quando e onde se aprende? Em que tempo e espaço se dá tal manifestação da cultura humana? Que avanços podemos detectar, que retrocessos podemos constatar e que desafios enfrentar a partir de tais perguntas e questões?
No mundo contemporâneo, sabemos que a escola desempenha vital importância na formação de crianças, jovens e adultos. Criada na modernidade, a escola se tornou um ‘espaçotempo’ próprio para tal tarefa. Em outros tempos, ela não fazia sentido. Hoje, ainda é instituição própria para importante função: educar. Ou seja, é o ‘espaçotempo’ escola que possui autorização social para criar e difundir conhecimento, sendo ignorado, em muitas situações, outros lugares onde se dá, de forma cotidiana e latente, a construção de outros conhecimentos, tecidos pelos fios das múltiplas relações que diferentes sujeitos constróem ao ter contato com as mais variadas mídias.
Entendemos, a partir de nossas diferentes vivências educativas, que o ‘espaçoescola’ é mágico e que nele permanentemente, se realiza o milagre de se ampliar horizontes, se abrir ao mundo e continuamente, aprender a aprender. O ‘espaçoescola’ é um ambiente onde são múltiplas e diferenciadas as linguagens, onde encontraremos riqueza de histórias, movimentos e aprendizados.
No ‘espaçotempo’ escola, que infelizmente ainda não privilegia práticas centradas na participação ativa dos educandos, precisamos superar o rejeitar ao senso comum, a cultura e conhecimento que o aluno traz de suas outras muitas vivências.
Desde meados da década de 80 temos nos preocupado com um fazer pedagógico que procure dar sentindo as vidas dos educandos e dos educadores em suas trajetórias escolares.
Neste percurso, muitas foram as idéias, erros, partilhas, leituras, buscas, prazeres, derrotas, sonhos e conquistas. Fez-se necessário percebermos a necessidade de buscar novas maneiras para expressar ansiedades e novos modos de pensar e fazer o trabalho pedagógico.
Através de um cotidiano onde o educar/pesquisar busca a articulação entre teoria e prática, chegamos à tessitura de uma múltipla rede de conhecimentos variados, onde a intuição, aliada ao conhecer idéias e pesquisas de diferentes autores, ganha significado e sentido. No entanto, foi a ousadia de criar um projeto pedagógico próprio que nos possibilitou ir além e buscar a sistematização de uma prática pedagógica que pudesse dar sentido ao nosso fazer .
Lembrando Antonio Machado, podemos afirmar que “ Caminhante não há caminho. O caminho se faz ao caminhar.” E nunca tal caminho se constrói definitivamente: ele, o caminho, ao invés de ficar estático e pronto, vai sendo refeito, ampliado, reduzido, transformado, dividido, partilhado. Neste partilhar é que está todo o sentido da trajetória humana. E nossa partilha aqui é mais uma etapa desse processo.
A nosso entender, todas as propostas psicopedagógicas em discussão no campo teórico e prático atual, podem receber forte e profunda influência dos pressupostos da Educação para a Paz, principalmente no que se refere aos suportes metodológicos utilizados na perspectiva do educar em direitos humanos.
De acordo com MOSCA e AGUIRRE (1990) no que concerne ao ensino dos Direitos Humanos
“(...) não há , de um lado, “experts” e de outro , ignorantes. Todos somos especialistas do humano, ou indigentes, e a tarefa de humanizar deve brotar de nossas iniciativas educativas. Neste campo, podemos afirmar com segurança; ninguém educa ninguém. Aqui os seres humanos educam-se em comunhão! Ninguém tem o monopólio dos elementos humanizantes. Todos temos algo que dar e algo que receber. ”
Todos nós que aqui estamos, lidamos com outras pessoas, outros seres humanos, em diferentes lugares, com diferentes práticas, em locais além do espaçoescola citado. Em todos os locais se pode trabalhar na perspectiva da cultura da paz e da não violência. Tal cultura nos leva aos processos de trocar receitas rígidas por propostas abertas, nos conduz para um novo modo de ver e perceber os conflitos, cultivando a capacidade de diálogo como elemento facilitador, nos remete ao evitar padronizações e a trabalhar com a tolerância e o respeito ao que é diferente de nós mesmos.
Com muita freqüência se afirma que a paz é resultado da ausência de conflito, mas, a nosso ver, se nos posicionarmos de acordo com esta idéia, acabamos por idealizar a paz e, assim, esquecemos que o conflito é parte integrante da vida dos seres humanos desde os primórdios.
Sabemos, por exemplo, que na nossa trajetória pessoal, não é possível ocorrer crescimento sem diferentes momentos de conflitos, crises e angústias. Numa perspectiva social, o conflito também ocupa lugar de destaque, faz parte da engrenagem dos interesses e das relações sociais.
De acordo com CANDAU (2000), em uma sociedade
“ (...) pluralista , o reconhecimento da diferença, em suas diversas configurações passa por processos de confronto social, sem os quais é impossível que o reconhecimento e a conquista de direito se dê.”
Assim sendo, esta perspectiva nos remete a construção de uma postura ativa diante dos desafios do viver contemporâneo. Ser cidadão no mundo de hoje e, no nosso fazer cotidiano, procurar construir uma cultura da paz exige lutar, de forma não violenta, contra todas as formas de injustiça, de desrespeito aos direitos humanos e, principalmente, contra tudo que impede a dignidade humana.
Por isso, podemos afirmar que o educar para a paz se faz no mundo concreto, no chão da realidade imediata onde todos nós pisamos. Quando trabalhamos dentro desta perspectiva, valorizamos a construção das diferentes subjetividades e compreendemos que idéias, lugares e experiências distintas das nossas, merecem um outro olhar, uma forma despida de preconceitos e julgamentos.
Na nossa vida cotidiana, a harmonia é imagem opaca e em nossas casas, escolas, locais de trabalhos, infelizmente ainda não superamos o egocentrismo. Todos nós nascemos egocêntricos, mas desde o nosso começo de vida, começamos a compreender, de forma progressiva, que se quisermos sobreviver, necessitamos dos outros. E aprender a conviver com os outros se torna um grande desafio.
A educação para a paz então, ganha espaço no cotidiano de cada um de nós. Não nos cabe aqui ampliarmos em demasia nossas idéias referentes às metodologias adotadas nas práticas educativas preocupadas com o ensinar e o aprender em direitos humanos. No entanto, é mister considerar alguns aspectos.
O primeiro diz respeito aos processos de estabelecimento de uma rede de relações. Isto significado romper com a prática voltada apenas para a realidade imediata do educador, buscando estar somente envolvido com o espaçoescola onde atua . É preciso ir além dos muros escolares, visto que, para
“(...) poder compreender o mundo que nos cerca, devemos ser capazes de comparar e relacionar eventos, transcender o presente, reportar-nos ao futuro e ao passado, levantar hipóteses, enfim, acionar toda uma gama de operações mentais e funções cognitivas”.
Ficando apenas com sua realidade imediata, nada do que autora citada acima menciona pode se tornar prática efetiva. É necessário criar novos espaços, aproveitar oportunidades de contato com outras pessoas, que vivem e atuam em outros ‘espaçotempos’ distintos, ou seja, é vital saber do outro para saber de si mesmo.
Um outro aspecto relevante está aliado ao desenvolvimento da
“perspectiva multirelacional, ou seja, o conhecimento como rede. A melhor compreensão dos dinamismos mentais ocorrentes durante o processamento das idéias e aprendizados poderá, talvez, explicitar a permanente transformação de seus feixes de relações, de natureza variada e multiplamente articulados”.
É preciso continuar na busca de articulação do fazer pedagógico escolar com o meio circundante e a sua possível ampliação de horizontes, inserindo as temáticas mundiais, planetárias no cotidiano do ‘espaçoescola’. O importante no ato de educar/reeducar (a si mesmos e aos outros), no momento histórico presente, é compreendermos que os “novos fatos no mundo nos levam as novas questões, aos porquês de cada fato, de cada mudança, às novas ciências e às especializações” . Ao nosso pensar, tal articulação nos leva a uma outra mundialização, a da solidariedade, da esperança, do conhecimento compartilhado que muitos de nós acreditamos ser possível.
Um terceiro e último aspecto a ser ressaltado aqui é o da necessária mudança interna que deve se processar em cada um de nós. Principalmente na
“(...) na educação, como em qualquer outro setor, o essencial é haver pessoas compreensivas, e afetuosas que não tenham os corações cheios de frases ocas, (...) Se a finalidade da vida é ser feliz, com compreensão, com desvelos, com afeto, é então importante compreendermos a nós mesmos; e, se desejamos edificar uma sociedade verdadeiramente esclarecida, necessitamos de educadores que compreendam o significado da integração (...)” .
Esta compreensão da necessidade de integrar pessoas diferentes requer uma revisão das nossas próprias posturas diante da vida, um maior aprofundamento sobre Ética e Valores Humanos, o que nos impulsiona para a construção de uma outra Educação Moral, onde a reflexão crítica coletiva e individual, apoiada no diálogo, possa nos dar suportes para vivenciarmos em nossas relações interpessoais o respeito ao outro, aos direitos humanos e, assim, cultivarmos uma cultura de paz e da violência. Para isso, acreditamos ser necessário e possível integrar concepções teóricas diferenciadas, ampliando os modelos da chamada Educação Moral. Acreditamos ser possível aliar metodologias comportamentais com orientações construtivistas, por exemplo.
Segundo ARAÚJO (1998), isto gera um ecletismo muito grande, mas é preciso considerar que esse
“(...) ecletismo, que em princípio assusta muitos leitores e pode ser fonte de críticas epistemológicas, torna-se a grande riqueza de um programa de educação moral que assume que a construção de uma personalidade autônoma e dialógica pressupõe exercícios de reflexão sobre conteúdos moralmente relevantes, mas também pressupõe o desenvolvimento de habilidades socialmente desejáveis, baseada em modelos e valores reconhecidos como positivos pelas diferentes culturas. Ou seja, os modelos e valores histórico-culturais da humanidade são também fonte para o desenvolvimento de um sujeito moral que reflete racionalmente a realidade”.
Esta reflexão racional não deve, no entanto, esquecer da emoção, da investigação com prazer, da brincadeira, do lúdico e do poético, da troca, da partilha. Educadores, pedagogos, psicopedagogos, profissionais da área de saúde, psicólogos e demais profissionais interessados no educar para a paz devem buscar compreender a educação como um tesouro a ser constantemente redescoberto , como ato solidário, contribuinte para o desenvolvimento da humanidade, com a participação ativa de todos e todas, respeitando os princípios democráticos e servindo de elemento para a criação de novas formas de convivência.
Notas e referências bibliográficas
Comunicação apresentada na mesa redonda “Estilos de Ensinar e Aprender”, da II Jornada Regional de Psicopedagogia, promovida pela ABPp- Associação Brasileira de Psicopedagogia e organizada pelo Núcleo Sul Mineiro de Psicopedagogia, na cidade de Poços de Caldas, em 23/06/2001 e publicada originalmente no site da Fundação Aprender: www.fundacaoaprender.org.br.
Interessante abordagem deste tema encontramos em BELLONI, Maria Luiza. O que é mídia-educação. Coleção Polêmicas de Nosso Tempo. Editora Autores Associados, Campinas, SP, 2001.
BEAUCLAIR, João. Projeto Direitos Humanos, Educação e Cidadania: o uso de diferentes linguagens na ação pedagógica. CADERNOS NOVAMERICA , nº 6 , julho de 2000. II Encontro Estadual de Educadores em Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro.
Neste sentido, é importante conhecer as idéias contidas no texto “O Desafio de Educar pela Pesquisa na Educação Básica”, primeira parte da seguinte obra: DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Editora Autora Associados, Campinas, São Paulo, 2000.
AGUIRRE, Luís Pérez e MOSCA, Juan. Direitos humanos - pautas para uma educação libertadora. Editora Vozes, Petrópolis, 1990, p.19.
CANDAU, Vera Maria. Por uma cultura da paz. Revista NOVAMERICA, nº 86, junho 2000, Rio de Janeiro, p. 29.
Tratamos deste tema no estudo “Um pé na escola e outro no mundo: idéias de Paulo Freire para um cotidiano escolar em Direitos Humanos”, produzido para o I Seminário de Educação Paulo Freire na contemporaneidade, a ser realizado em julho de 2001, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Faculdade de Formação de Professores, São Gonçalo - RJ.
RUBENSTEIN, Edith. Da reeducação para a psicopedagogia, um caminhar. IN.: RUBENSTEIN, Edith (org). Psicopedagogia: uma prática, diferentes estilos. Casa do Psicólogo, São Paulo, 1999, p. 37.
ALLESANDRINI, Cristina Dias. Oficina Criativa e Psicopedagogia. Casa do Psicólogo, São Paulo, 1996, p.57.
OLIVEIRA, Ana Teresa de CC. E CARDOSO, Christina. Exatidão, a palavra exata. IN.: BRASIL. Reflexões sobre a Educação no próximo milênio. MEC/SEED. Série Estudos Educação a distância, Brasília, 1998, p.14.
KRISHNAMURTI, J. A Educação e o significado da Vida. Editora Cultrix, São Paulo, 1985, p.78.
O Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século 21, foi publicado no Brasil, com o título “Educação: um tesouro a descobrir”. É uma obra de referência importante para os interessados em se aprofundar nas temáticas desenvolvidas neste texto.
Trabalhar com o próprio texto do Manifesto 2000 Por uma cultura de paz e não-violência, pode ser um bom começo para a inserção de processos de criação destas novas formas de convivência. Endereço na Internet: http://www.unesco.org/manifesto2000. Talvez seja relevante conhecer outras idéias nossas, já disponíveis na Internet: A escola como mediadora dos Direitos Humanos e da cidadania, publicado no site www.projetoeducar.com.br , além de Educação por projetos: desafio ao educador no novo milênio, no site http://www.chpesquisa.com.br.
Educação para a paz: um estilo de ‘aprenderensinar’ e ‘ensinaraprender’ na perspectiva da Educação em Direitos Humanos como possível suporte psicopedagógico.
Prof MS. João Beauclair
“Viver é afinar um instrumento de dentro para fora,
de fora para dentro, a toda hora, a todo momento...
tudo é uma questão de manter a mente quieta,
a coluna ereta e o coração tranqüilo.”
Walter Franco
Muitos são os estilos de ensinar e aprender que encontramos, através da História, nas diferentes práticas pedagógicas. Mas como, quando e onde se aprende? Em que tempo e espaço se dá tal manifestação da cultura humana? Que avanços podemos detectar, que retrocessos podemos constatar e que desafios enfrentar a partir de tais perguntas e questões?
No mundo contemporâneo, sabemos que a escola desempenha vital importância na formação de crianças, jovens e adultos. Criada na modernidade, a escola se tornou um ‘espaçotempo’ próprio para tal tarefa. Em outros tempos, ela não fazia sentido. Hoje, ainda é instituição própria para importante função: educar. Ou seja, é o ‘espaçotempo’ escola que possui autorização social para criar e difundir conhecimento, sendo ignorado, em muitas situações, outros lugares onde se dá, de forma cotidiana e latente, a construção de outros conhecimentos, tecidos pelos fios das múltiplas relações que diferentes sujeitos constróem ao ter contato com as mais variadas mídias.
Entendemos, a partir de nossas diferentes vivências educativas, que o ‘espaçoescola’ é mágico e que nele permanentemente, se realiza o milagre de se ampliar horizontes, se abrir ao mundo e continuamente, aprender a aprender. O ‘espaçoescola’ é um ambiente onde são múltiplas e diferenciadas as linguagens, onde encontraremos riqueza de histórias, movimentos e aprendizados.
No ‘espaçotempo’ escola, que infelizmente ainda não privilegia práticas centradas na participação ativa dos educandos, precisamos superar o rejeitar ao senso comum, a cultura e conhecimento que o aluno traz de suas outras muitas vivências.
Desde meados da década de 80 temos nos preocupado com um fazer pedagógico que procure dar sentindo as vidas dos educandos e dos educadores em suas trajetórias escolares.
Neste percurso, muitas foram as idéias, erros, partilhas, leituras, buscas, prazeres, derrotas, sonhos e conquistas. Fez-se necessário percebermos a necessidade de buscar novas maneiras para expressar ansiedades e novos modos de pensar e fazer o trabalho pedagógico.
Através de um cotidiano onde o educar/pesquisar busca a articulação entre teoria e prática, chegamos à tessitura de uma múltipla rede de conhecimentos variados, onde a intuição, aliada ao conhecer idéias e pesquisas de diferentes autores, ganha significado e sentido. No entanto, foi a ousadia de criar um projeto pedagógico próprio que nos possibilitou ir além e buscar a sistematização de uma prática pedagógica que pudesse dar sentido ao nosso fazer .
Lembrando Antonio Machado, podemos afirmar que “ Caminhante não há caminho. O caminho se faz ao caminhar.” E nunca tal caminho se constrói definitivamente: ele, o caminho, ao invés de ficar estático e pronto, vai sendo refeito, ampliado, reduzido, transformado, dividido, partilhado. Neste partilhar é que está todo o sentido da trajetória humana. E nossa partilha aqui é mais uma etapa desse processo.
A nosso entender, todas as propostas psicopedagógicas em discussão no campo teórico e prático atual, podem receber forte e profunda influência dos pressupostos da Educação para a Paz, principalmente no que se refere aos suportes metodológicos utilizados na perspectiva do educar em direitos humanos.
De acordo com MOSCA e AGUIRRE (1990) no que concerne ao ensino dos Direitos Humanos
“(...) não há , de um lado, “experts” e de outro , ignorantes. Todos somos especialistas do humano, ou indigentes, e a tarefa de humanizar deve brotar de nossas iniciativas educativas. Neste campo, podemos afirmar com segurança; ninguém educa ninguém. Aqui os seres humanos educam-se em comunhão! Ninguém tem o monopólio dos elementos humanizantes. Todos temos algo que dar e algo que receber. ”
Todos nós que aqui estamos, lidamos com outras pessoas, outros seres humanos, em diferentes lugares, com diferentes práticas, em locais além do espaçoescola citado. Em todos os locais se pode trabalhar na perspectiva da cultura da paz e da não violência. Tal cultura nos leva aos processos de trocar receitas rígidas por propostas abertas, nos conduz para um novo modo de ver e perceber os conflitos, cultivando a capacidade de diálogo como elemento facilitador, nos remete ao evitar padronizações e a trabalhar com a tolerância e o respeito ao que é diferente de nós mesmos.
Com muita freqüência se afirma que a paz é resultado da ausência de conflito, mas, a nosso ver, se nos posicionarmos de acordo com esta idéia, acabamos por idealizar a paz e, assim, esquecemos que o conflito é parte integrante da vida dos seres humanos desde os primórdios.
Sabemos, por exemplo, que na nossa trajetória pessoal, não é possível ocorrer crescimento sem diferentes momentos de conflitos, crises e angústias. Numa perspectiva social, o conflito também ocupa lugar de destaque, faz parte da engrenagem dos interesses e das relações sociais.
De acordo com CANDAU (2000), em uma sociedade
“ (...) pluralista , o reconhecimento da diferença, em suas diversas configurações passa por processos de confronto social, sem os quais é impossível que o reconhecimento e a conquista de direito se dê.”
Assim sendo, esta perspectiva nos remete a construção de uma postura ativa diante dos desafios do viver contemporâneo. Ser cidadão no mundo de hoje e, no nosso fazer cotidiano, procurar construir uma cultura da paz exige lutar, de forma não violenta, contra todas as formas de injustiça, de desrespeito aos direitos humanos e, principalmente, contra tudo que impede a dignidade humana.
Por isso, podemos afirmar que o educar para a paz se faz no mundo concreto, no chão da realidade imediata onde todos nós pisamos. Quando trabalhamos dentro desta perspectiva, valorizamos a construção das diferentes subjetividades e compreendemos que idéias, lugares e experiências distintas das nossas, merecem um outro olhar, uma forma despida de preconceitos e julgamentos.
Na nossa vida cotidiana, a harmonia é imagem opaca e em nossas casas, escolas, locais de trabalhos, infelizmente ainda não superamos o egocentrismo. Todos nós nascemos egocêntricos, mas desde o nosso começo de vida, começamos a compreender, de forma progressiva, que se quisermos sobreviver, necessitamos dos outros. E aprender a conviver com os outros se torna um grande desafio.
A educação para a paz então, ganha espaço no cotidiano de cada um de nós. Não nos cabe aqui ampliarmos em demasia nossas idéias referentes às metodologias adotadas nas práticas educativas preocupadas com o ensinar e o aprender em direitos humanos. No entanto, é mister considerar alguns aspectos.
O primeiro diz respeito aos processos de estabelecimento de uma rede de relações. Isto significado romper com a prática voltada apenas para a realidade imediata do educador, buscando estar somente envolvido com o espaçoescola onde atua . É preciso ir além dos muros escolares, visto que, para
“(...) poder compreender o mundo que nos cerca, devemos ser capazes de comparar e relacionar eventos, transcender o presente, reportar-nos ao futuro e ao passado, levantar hipóteses, enfim, acionar toda uma gama de operações mentais e funções cognitivas”.
Ficando apenas com sua realidade imediata, nada do que autora citada acima menciona pode se tornar prática efetiva. É necessário criar novos espaços, aproveitar oportunidades de contato com outras pessoas, que vivem e atuam em outros ‘espaçotempos’ distintos, ou seja, é vital saber do outro para saber de si mesmo.
Um outro aspecto relevante está aliado ao desenvolvimento da
“perspectiva multirelacional, ou seja, o conhecimento como rede. A melhor compreensão dos dinamismos mentais ocorrentes durante o processamento das idéias e aprendizados poderá, talvez, explicitar a permanente transformação de seus feixes de relações, de natureza variada e multiplamente articulados”.
É preciso continuar na busca de articulação do fazer pedagógico escolar com o meio circundante e a sua possível ampliação de horizontes, inserindo as temáticas mundiais, planetárias no cotidiano do ‘espaçoescola’. O importante no ato de educar/reeducar (a si mesmos e aos outros), no momento histórico presente, é compreendermos que os “novos fatos no mundo nos levam as novas questões, aos porquês de cada fato, de cada mudança, às novas ciências e às especializações” . Ao nosso pensar, tal articulação nos leva a uma outra mundialização, a da solidariedade, da esperança, do conhecimento compartilhado que muitos de nós acreditamos ser possível.
Um terceiro e último aspecto a ser ressaltado aqui é o da necessária mudança interna que deve se processar em cada um de nós. Principalmente na
“(...) na educação, como em qualquer outro setor, o essencial é haver pessoas compreensivas, e afetuosas que não tenham os corações cheios de frases ocas, (...) Se a finalidade da vida é ser feliz, com compreensão, com desvelos, com afeto, é então importante compreendermos a nós mesmos; e, se desejamos edificar uma sociedade verdadeiramente esclarecida, necessitamos de educadores que compreendam o significado da integração (...)” .
Esta compreensão da necessidade de integrar pessoas diferentes requer uma revisão das nossas próprias posturas diante da vida, um maior aprofundamento sobre Ética e Valores Humanos, o que nos impulsiona para a construção de uma outra Educação Moral, onde a reflexão crítica coletiva e individual, apoiada no diálogo, possa nos dar suportes para vivenciarmos em nossas relações interpessoais o respeito ao outro, aos direitos humanos e, assim, cultivarmos uma cultura de paz e da violência. Para isso, acreditamos ser necessário e possível integrar concepções teóricas diferenciadas, ampliando os modelos da chamada Educação Moral. Acreditamos ser possível aliar metodologias comportamentais com orientações construtivistas, por exemplo.
Segundo ARAÚJO (1998), isto gera um ecletismo muito grande, mas é preciso considerar que esse
“(...) ecletismo, que em princípio assusta muitos leitores e pode ser fonte de críticas epistemológicas, torna-se a grande riqueza de um programa de educação moral que assume que a construção de uma personalidade autônoma e dialógica pressupõe exercícios de reflexão sobre conteúdos moralmente relevantes, mas também pressupõe o desenvolvimento de habilidades socialmente desejáveis, baseada em modelos e valores reconhecidos como positivos pelas diferentes culturas. Ou seja, os modelos e valores histórico-culturais da humanidade são também fonte para o desenvolvimento de um sujeito moral que reflete racionalmente a realidade”.
Esta reflexão racional não deve, no entanto, esquecer da emoção, da investigação com prazer, da brincadeira, do lúdico e do poético, da troca, da partilha. Educadores, pedagogos, psicopedagogos, profissionais da área de saúde, psicólogos e demais profissionais interessados no educar para a paz devem buscar compreender a educação como um tesouro a ser constantemente redescoberto , como ato solidário, contribuinte para o desenvolvimento da humanidade, com a participação ativa de todos e todas, respeitando os princípios democráticos e servindo de elemento para a criação de novas formas de convivência.
Notas e referências bibliográficas
Comunicação apresentada na mesa redonda “Estilos de Ensinar e Aprender”, da II Jornada Regional de Psicopedagogia, promovida pela ABPp- Associação Brasileira de Psicopedagogia e organizada pelo Núcleo Sul Mineiro de Psicopedagogia, na cidade de Poços de Caldas, em 23/06/2001 e publicada originalmente no site da Fundação Aprender: www.fundacaoaprender.org.br.
Interessante abordagem deste tema encontramos em BELLONI, Maria Luiza. O que é mídia-educação. Coleção Polêmicas de Nosso Tempo. Editora Autores Associados, Campinas, SP, 2001.
BEAUCLAIR, João. Projeto Direitos Humanos, Educação e Cidadania: o uso de diferentes linguagens na ação pedagógica. CADERNOS NOVAMERICA , nº 6 , julho de 2000. II Encontro Estadual de Educadores em Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro.
Neste sentido, é importante conhecer as idéias contidas no texto “O Desafio de Educar pela Pesquisa na Educação Básica”, primeira parte da seguinte obra: DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Editora Autora Associados, Campinas, São Paulo, 2000.
AGUIRRE, Luís Pérez e MOSCA, Juan. Direitos humanos - pautas para uma educação libertadora. Editora Vozes, Petrópolis, 1990, p.19.
CANDAU, Vera Maria. Por uma cultura da paz. Revista NOVAMERICA, nº 86, junho 2000, Rio de Janeiro, p. 29.
Tratamos deste tema no estudo “Um pé na escola e outro no mundo: idéias de Paulo Freire para um cotidiano escolar em Direitos Humanos”, produzido para o I Seminário de Educação Paulo Freire na contemporaneidade, a ser realizado em julho de 2001, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Faculdade de Formação de Professores, São Gonçalo - RJ.
RUBENSTEIN, Edith. Da reeducação para a psicopedagogia, um caminhar. IN.: RUBENSTEIN, Edith (org). Psicopedagogia: uma prática, diferentes estilos. Casa do Psicólogo, São Paulo, 1999, p. 37.
ALLESANDRINI, Cristina Dias. Oficina Criativa e Psicopedagogia. Casa do Psicólogo, São Paulo, 1996, p.57.
OLIVEIRA, Ana Teresa de CC. E CARDOSO, Christina. Exatidão, a palavra exata. IN.: BRASIL. Reflexões sobre a Educação no próximo milênio. MEC/SEED. Série Estudos Educação a distância, Brasília, 1998, p.14.
KRISHNAMURTI, J. A Educação e o significado da Vida. Editora Cultrix, São Paulo, 1985, p.78.
O Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século 21, foi publicado no Brasil, com o título “Educação: um tesouro a descobrir”. É uma obra de referência importante para os interessados em se aprofundar nas temáticas desenvolvidas neste texto.
Trabalhar com o próprio texto do Manifesto 2000 Por uma cultura de paz e não-violência, pode ser um bom começo para a inserção de processos de criação destas novas formas de convivência. Endereço na Internet: http://www.unesco.org/manifesto2000. Talvez seja relevante conhecer outras idéias nossas, já disponíveis na Internet: A escola como mediadora dos Direitos Humanos e da cidadania, publicado no site www.projetoeducar.com.br , além de Educação por projetos: desafio ao educador no novo milênio, no site http://www.chpesquisa.com.br.