Amorosidade e Psicopedagogia: algumas reflexões e contribuições ao debate.
Amorosidade e Psicopedagogia: algumas reflexões e contribuições ao debate.
Professor Ms.João Beauclair.
RESUMO:
Este artigo busca sistematizar algumas reflexões e contribuições sobre a formação pessoal em Psicopedagogia, tratando de temas complexos em nosso tempo presente, tais como interconectividade, teia da vida, amorosidade e o resgate de valores e direitos humanos essencial à práxis psicopedagógica. Trata-se de um conjunto de reflexões elaborado no sentido de contribuir para o debate acerca da inserção da Psicopedagogia no que concerne à amorosidade, compreendida como uma potencialidade humana de sermos solidários uns com os outros.
Palavras - chave: Amorosidade, Formação Pessoal em Psicopedagogia, Interconectividade, Teia da vida.
Sobre Amorosidade: um começo de conversa.
“Acredito que a paz começa na sua mente,
no seu coração, e vive ao redor de você.
Lembre-se, a paz está nos seus lábios e nas suas mãos.”
Antoinette Sampson.
“Para fazer uma floresta basta apenas uma árvore,
uma abelha e um sonho.
Mas se não tiver uma árvore e uma abelha
, um sonho basta ”
Amorosidade, em nosso tempo presente, é tema de debates, encontros, publicações, discussões, enfim. Entretanto, entre o dito e o feito existe uma lacuna, pois é simples falar, discursar, elaborar um conjunto de pensamentos sobre o amor, palavra decantada em verso e prosa, mas vivenciada de modo incompleto, distante da plenitude de sua essencialidade.
Nós, ocidentais, herdeiros de uma cultura repleta de influências greco-romanas, temos muito a aprender com as filosofias orientais, tanto sobre a própria vida, com suas imensas complexidades, quanto sobre o amor. Por isso, trago aos possíveis leitores deste texto, uma bela história de Chuang Tzu:
“Nos tempos em que a vida na terra era plena, ninguém dava atenção especial aos homens notáveis, nem distinguiam o homem de habilidade. Os governantes eram apenas os ramos mais altos das árvores e o povo com cervos na floresta. Eram honestos e justos sem se darem conta que estavam “cumprindo seu dever ”. Amavam-se uns aos outros, mas não sabiam o significado de amar “o próximo”. A ninguém iludiam, mas nenhum deles se julgava um “homem de confiança”. Eram fidedignos, mas desconheciam que isso fosse “boa fé”. Viviam juntos em liberdade, dando e recebendo , mas não sabiam que eram generosos. Por esse motivo, seus feitos não foram narrados. Eles não deixaram história.”
Concordam comigo que este é um belo texto? Quanta possibilidade de reflexão pode ser criada com esta história. Uma dessas possibilidades reside no pensar nossa própria condição: somos humanos porque somos seres históricos e temos um passado evolutivo com o qual constituímos a VIDA, tecida fio a fio por outros e outras que nos antecederam. E, claro, por todos nós que, na continuidade desta trajetória, estamos imersos neste tempoespaço de nossa contemporaneidade.
O resgate da amorosidade, tarefa essencial a todos nós, torna-se profundamente necessário. Ficamos, a cada dia, mais distantes dos bons sentimentos, das genuínas emoções e, principalmente de nossa capacidade de conviver em harmonia num mundo repleto de diferenças. Faz-se necessário emergimos para um novo tempo e reconstruirmos caminhos para que o conhecimento acumulado por nossa trajetória humana nos conduza para a tomada de decisões vinculadas à aprendizagem, a administração dos conflitos e, inevitavelmente, aos processos do autoconhecimento, da auto-aceitação e da autoconsciência.
Aprimorar-se enquanto sujeitos humanos e históricos é questão de evolução de cada um de nós e para tanto, é imprescindível iniciar (ou reiniciarmos), enquanto profissionais de educação e saúde que somos, processos de formação pessoal, conforme recomendado no Código de Ética da ABPp.
Tais processos de formação pessoal perpassam pelo conjunto de valores e pela visão de mundo de cada um de nós: somos um emaranhado imenso de influências resultantes de nossas relações sociais. Fruto do convívio social, cada um de nós carrega, em nossa personalidade, diferentes influências das quais nem sempre possuímos clareza e consciência. Repetimos padrões de conduta e comportamento sem questionarmos suas origens e os motivos pelos quais o fazemos.
O que merece destaque aqui é que cada um de nós possui modos muito particulares para lidar com os conflitos que vivenciamos em nossa cotidianidade, elaborando estratégias próprias para compreender nossas angústias, ansiedades e frustrações. Como nos diz o poeta Caetano Veloso, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Esta constatação me leva a afirmar que, neste movimento, a singularidade de cada sujeito se expressa de modo muito particular, pois existem as escolhas pessoais, as experiências do vivido e, principalmente, a própria história de cada um, construída no percurso da existência e no itinerário de nossas buscas para aprender a viver e a sobreviver.
Também é importante o reencontro com nossas experiências e conceitualizações, objetivando a re-significar o vivido, ampliando perspectivas, vislumbrando outras possibilidades e, principalmente, propondo-se aos processos de construção de autoria de pensamento.
A amorosidade só pode vir a ser resgatada efetivamente em nossas relações se, antes, fizermos uma viagem para dentro de nós mesmos, buscando sentido e significado para nossos fazeres, dizeres, posturas, modos de ser e estar neste mundo, complexo em essência e, ao mesmo tempo, simples e natural. Amorosidade é um devir, uma postura pessoal, uma busca de tornarmo-nos seres humanos melhores, capazes de sermos generosos, de redescobrimos a solidariedade, de rejeitarmos a violência, de preservarmos a vida do planeta e, principalmente, de ouvirmos para compreender.
Para tal, torna-se necessário, nos espaços onde possuímos algum tipo de inserção, sermos promotores de chamadas de atenção sobre como poderemos desenvolver nossas potencialidades de diálogo, modo de operar humano capaz de diminuir a dor e o sofrimento. Maturana (1988) nos alerta que estamos imersos e vivemos
“numa cultura que opõe emoção e razão como se tratassem de dimensões antagônicas do espaço psíquico. Falamos como se o emocional negasse o racional , e dizemos que quando negamos nossas emoções, nenhum raciocínio pode apagar o sofrimento que geramos em nós mesmos ou nos outros. Finalmente, quando temos alguma desavença , ainda no calor da raiva, também dizemos que devemos resolver nossas diferenças conversando e, de fato, se conseguimos conversar, as emoções mudam e a desavença ou se esvai ou se transforma, com ou sem briga, numa discordância respeitável. ”
Condição primeira para a amorosidade é o conversar, o dialogar: sem a prática social do diálogo, ficamos a revelia, sem suportes que possibilitem nossas perspectivas de evolução ganharem força e terreno. Acredito que muitos dos nossos problemas cotidianos de convívio com os outros estão vinculados ao afastamento e ao isolamento que, em muitas situações, nós mesmos nos colocamos.
Não existe estratégia melhor para a resolução de conflitos do que a busca do entendimento a partir do diálogo. Mais um vez, é Maturana que nos ensina que a palavra “conversar vem da união de duas raízes latinas: “cum”, que quer dizer “com”, e versare que quer dizer “dar voltas com o outro.”
E se conversar é dar voltas, juntos com os outros, a promoção de vínculos afetivos entra em cena e nos remete a pensar que quanto melhores forem tais vínculos, maior qualidade teremos em nossas relações com os outros, conosco mesmos e com a VIDA.
A UNESCO, em seu Programa Aprender para o século XXI, como muitos de nós já sabemos, enfatiza quatro pilares da educação do futuro: aprender a conhecer, aprender a atuar, aprender a viver juntos e aprender a ser. Entretanto, com a ousadia e coragem de propor, elaborei um outro pilar para o conhecimento: aprender a amar. Neste trabalho discuto que precisamos, todos, redimensionar nossas ações e práticas cotidianas, com o expresso desejo de nos colocarmos em postura amorosa com o mundo, conosco mesmo e com os outros.
Um texto, de autoria por mim desconhecida, encaminha este pensar:
“A presença do amor invade meu ser
Dorme em mim,
Desperta em mim, brota em mim,
Morre em mim, nasce em mim.
Meu corpo é seu templo.
O amor faz em mim morada:
Sem o amor minha vida é nada.
Sem amor, eu sou só, ninguém.
Sua luz brilha em meus olhos,
Seu perfuma exala em meus poros,
Suas flores enfeitam minha estrada.
Hoje eu desejo, compreendo e quero,
Que todo o mundo entenda:
Sem o amor, não há saída,
Não há como se ter VIDA.”
A Interconectividade necessária na teia da vida.
“A realidade é mutável, pulsante, abre-se e fecha-se.
(...) abre-se com uma palavra, com um gesto,
com uma decisão, com um ato, e fecha-se com algo que se perde”.
J.D. Nasio
Para o resgate essencial da amorosidade, não podemos deixar de pensar na interconectividade, elemento de importância fundamental para a elaboração de estratégias e permuta de conhecimentos e idéias, de saberes e fazeres voltados ao nosso tema. A amorosidade, enquanto tema fundante para a Formação Pessoal em Psicopedagogia, ganha força, energia e vitalidade com a participação em projetos e com a parceira com pessoas, organismos e instituições. Hoje, mais do que nunca, devemos, todos e todas estarmos atentos ao estarjuntocom.
A participação em grupos de estudos e discussão, a supervisão em processos de acompanhamento de nossas ações profissionais vincula-se aos nossos próprios projetos de crescimento pessoal e as nossas utopias realizáveis, como nos falava o mestre Paulo Freire.
Em minha própria trajetória, percebo claramente a importância do que acima citei. Inúmeras possibilidades me foram dadas pela minha própria inserção em tais grupos. Ferramenta de suma validade é estarmos em rede, fazendo parte de grupos de discussão pela Internet. Afirmo isso porque desde a década de 90 do século passado, participo de alguns importantes grupos onde exercemos o que Assmann e SUNG (2001) chamam de competência solidária, pois mesmo sem estarmos uns com os outros presencialmente, intercambiamos idéias, ideais e fortalecemos o próprio movimento, importantíssimo ao meu entender, pelo reconhecimento da profissão do Psicopedagogo em nosso país, luta essa com a qual devemos, nos nossos modos possíveis, nos envolver.
Na minha práxis, enquanto docente em diferentes cursos de pós-graduação em psicopedagogia no Brasil, procuro alertar minhas alunas e alunos sobre a importância da filiação de cada um, enquanto psicopedagogas e psicopedagogos em formação, a Associação Brasileira de Psicopedagogia, órgão de classe que, com suas seções e núcleos, fomentam a discussão sobre a regulamentação de nossa profissão e, o que considero ainda mais relevante, discute questões relativas à formação em psicopedagogia em sua comissão permanente de cursos. Um outro ponto que procura destacar é a formação de grupos estudos entre estas alunas e alunos, porque acredito que todos crescem a partir desta vivência.
A interconectividade necessária, nesta teia da vida, faz-se assim, em movimentos de agregação onde cada pessoa pode estar em postura de amorosidade no simples fato da permuta, da troca, do intercâmbio, insisto. É na percepção e na presença, mesmo que virtual, do outro, que podemos evoluir.
Zenita Cunha Guenther (1997) nos ensina que tal presença e percepção
“é a noção interna e o conceito que se forma do outro, a partir das percepções diferenciadas no vivência e experiência comum com as outras pessoas que compartilham conosco a aventura de viver e ser parte integrante da humanidade.”
Em nossa cotidianidade, resgatar a reflexão sobre tal afirmativa nos conduz ao pensar que somente a partir da interação e da participação efetiva poderemos alcançar a compreensão de que somos parte de uma mesma teia de VIDA.
Cabe-nos pensar, recorrendo mais uma vez a autora citada anteriormente, apesar de longa a citação, que em
“nosso dia a dia , desde que nascemos até o momento final, temos ao nosso redor, interagindo e participando intimamente em praticamente todas as situações da vida, desde a mais próxima e concreta até às mais distantes, pessoas essencialmente iguais a nós e ao mesmo tempo diferentes, únicas existindo em si próprias, ao mesmo tempo que existem conosco e juntos formamos configurações globais, maiores e mais complexas do que cada um de nós é, ou poderia ser. Essa é, em essência, a dimensão social da personalidade humana.Isso quer dizer que cada pessoa que existe, ao construir sua maneira própria , individual e única de ser, desenvolve através da vivência comum com outras pessoas uma conceituação do “outro”,englobando e integrando todas as percepções diferenciadas em relação às outras pessoas em uma configuração coerente e que faz sentido para ela. Essa organização de percepções compõem uma parte de sua própria personalidade, também única, individual e congruente com a configuração maior, interna, de cada um, a qual, por sua vez, influencia o comportamento e a maneira própria de ser e interagir com esses mesmos outros.”
Em tal dimensão estamos imersos. O resgate de valores e direitos humanos é essencial à práxis psicopedagógica. Cabe estarmos atentos e atuando no sentido de poder, de certa forma, contribuir para o debate acerca da inserção da Psicopedagogia no que concerne a amorosidade, compreendida como uma potencialidade humana de sermos solidários uns com os outros. É um processo de decisão, que perpassa nossas próprias vidas e que alimenta de horizontes nossa caminhada. É um processo de escolha e “escolher é apropriar-se do desejar a partir de um trabalho de pensamento”.
Com o sentido de contribuir, deixo-lhes um belo trecho de José Saramago, citado por Alícia, que instiga nosso desejo de ir além:
“... A aldraba de bronze tornou a chamar a mulher da limpeza, mas a mulher da limpeza não está, deu a volta e saiu com o balde e a vassoura por outra porta, a das decisões, que é raro ser usada, mas quando o é, é...”
Façamos, então, como a mulher: tomemos a decisão de fazer do amor meta maior de nossas ações.
Referências:
Dedico este artigo às alunas, e aluno, concluintes do curso de Especialização em Psicopedagogia da UNIFOR – Centro Universitário de Formiga, Minas Gerais, onde lecionei Fundamentos da Psicopedagogia e Psicopedagogia e Ética, nos meses de novembro e dezembro de 2004. Pela acolhida, amorosidade e respeito, este trabalho é dedicado, também, a Professora Mestre Dagmar Damasceno, Pró-Reitora de Apoio Acadêmico, Extensão, Pesquisa e Pós-graduação desta instituição e suas auxiliares, Celina e Rosamaria.
Desconheço o autor.
Citado em: FAGUNDES, Márcia Botelho. Aprendendo valores éticos. Editora Autêntica, Belo Horizonte, 2001.
Conferir na página da ABPp.: www.abpp.com.br
BEAUCLAIR, João. Autoria de pensamento, aprendências e ensinagens: novos modelos e desafios na produção de conhecimento em Psicopedagogia. Artigo publicado na página da Associação Brasileira de Psicopedagogia: www.abpp.com.br
Pressupostos do Manifesto 2000: por uma cultura de paz e Não-violência, elaborado pela UNESCO, no Ano Internacional por uma cultura de paz e não-violência. Conferir: www.unesco.org.
MATURANA, Humberto R. Ontologia Del conversar. Revista Terapia Psicológica, Año VII, v. 10, p.15-22. Santiago do Chile. Tradução de Cristina Magro e Nelson Vaz.
Idem.
Obra de relevância fundamental, para pensarmos sobre tais vínculos é o trabalho de: CONSUELO, Dulce. Os vínculos como passaporte da Aprendizagem: um encontro D´Eus. Editora Caravansarai, Rio de Janeiro, 2003.
BEAUCLAIR, João. Psicopedagogia: trabalhando competências, criando habilidades. WAK Editora, Rio de Janeiro, 2004.
ASSMANN, Hugo e SUNG, Jung Mo. Competência e sensibilidade solidária. Editora Vozes, Petrópolis, 2001.
GUENTHER, Zenita Cunha.Educando o ser humano: uma abordagem da Psicologia humanista. Campinas, São Paulo: Mercado das Letras, Lavras, Minas Gerais, Universidade Federal de lavras, 1997, p. 119.
Idem. P. 1119 e 120.
FERNÁNDEZ, Alicia. O saber em jogo: a Psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre, Editora Artmed, 2001, p.176.
Idem.
Amorosidade e Psicopedagogia: algumas reflexões e contribuições ao debate.
Professor Ms.João Beauclair.
RESUMO:
Este artigo busca sistematizar algumas reflexões e contribuições sobre a formação pessoal em Psicopedagogia, tratando de temas complexos em nosso tempo presente, tais como interconectividade, teia da vida, amorosidade e o resgate de valores e direitos humanos essencial à práxis psicopedagógica. Trata-se de um conjunto de reflexões elaborado no sentido de contribuir para o debate acerca da inserção da Psicopedagogia no que concerne à amorosidade, compreendida como uma potencialidade humana de sermos solidários uns com os outros.
Palavras - chave: Amorosidade, Formação Pessoal em Psicopedagogia, Interconectividade, Teia da vida.
Sobre Amorosidade: um começo de conversa.
“Acredito que a paz começa na sua mente,
no seu coração, e vive ao redor de você.
Lembre-se, a paz está nos seus lábios e nas suas mãos.”
Antoinette Sampson.
“Para fazer uma floresta basta apenas uma árvore,
uma abelha e um sonho.
Mas se não tiver uma árvore e uma abelha
, um sonho basta ”
Amorosidade, em nosso tempo presente, é tema de debates, encontros, publicações, discussões, enfim. Entretanto, entre o dito e o feito existe uma lacuna, pois é simples falar, discursar, elaborar um conjunto de pensamentos sobre o amor, palavra decantada em verso e prosa, mas vivenciada de modo incompleto, distante da plenitude de sua essencialidade.
Nós, ocidentais, herdeiros de uma cultura repleta de influências greco-romanas, temos muito a aprender com as filosofias orientais, tanto sobre a própria vida, com suas imensas complexidades, quanto sobre o amor. Por isso, trago aos possíveis leitores deste texto, uma bela história de Chuang Tzu:
“Nos tempos em que a vida na terra era plena, ninguém dava atenção especial aos homens notáveis, nem distinguiam o homem de habilidade. Os governantes eram apenas os ramos mais altos das árvores e o povo com cervos na floresta. Eram honestos e justos sem se darem conta que estavam “cumprindo seu dever ”. Amavam-se uns aos outros, mas não sabiam o significado de amar “o próximo”. A ninguém iludiam, mas nenhum deles se julgava um “homem de confiança”. Eram fidedignos, mas desconheciam que isso fosse “boa fé”. Viviam juntos em liberdade, dando e recebendo , mas não sabiam que eram generosos. Por esse motivo, seus feitos não foram narrados. Eles não deixaram história.”
Concordam comigo que este é um belo texto? Quanta possibilidade de reflexão pode ser criada com esta história. Uma dessas possibilidades reside no pensar nossa própria condição: somos humanos porque somos seres históricos e temos um passado evolutivo com o qual constituímos a VIDA, tecida fio a fio por outros e outras que nos antecederam. E, claro, por todos nós que, na continuidade desta trajetória, estamos imersos neste tempoespaço de nossa contemporaneidade.
O resgate da amorosidade, tarefa essencial a todos nós, torna-se profundamente necessário. Ficamos, a cada dia, mais distantes dos bons sentimentos, das genuínas emoções e, principalmente de nossa capacidade de conviver em harmonia num mundo repleto de diferenças. Faz-se necessário emergimos para um novo tempo e reconstruirmos caminhos para que o conhecimento acumulado por nossa trajetória humana nos conduza para a tomada de decisões vinculadas à aprendizagem, a administração dos conflitos e, inevitavelmente, aos processos do autoconhecimento, da auto-aceitação e da autoconsciência.
Aprimorar-se enquanto sujeitos humanos e históricos é questão de evolução de cada um de nós e para tanto, é imprescindível iniciar (ou reiniciarmos), enquanto profissionais de educação e saúde que somos, processos de formação pessoal, conforme recomendado no Código de Ética da ABPp.
Tais processos de formação pessoal perpassam pelo conjunto de valores e pela visão de mundo de cada um de nós: somos um emaranhado imenso de influências resultantes de nossas relações sociais. Fruto do convívio social, cada um de nós carrega, em nossa personalidade, diferentes influências das quais nem sempre possuímos clareza e consciência. Repetimos padrões de conduta e comportamento sem questionarmos suas origens e os motivos pelos quais o fazemos.
O que merece destaque aqui é que cada um de nós possui modos muito particulares para lidar com os conflitos que vivenciamos em nossa cotidianidade, elaborando estratégias próprias para compreender nossas angústias, ansiedades e frustrações. Como nos diz o poeta Caetano Veloso, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Esta constatação me leva a afirmar que, neste movimento, a singularidade de cada sujeito se expressa de modo muito particular, pois existem as escolhas pessoais, as experiências do vivido e, principalmente, a própria história de cada um, construída no percurso da existência e no itinerário de nossas buscas para aprender a viver e a sobreviver.
Também é importante o reencontro com nossas experiências e conceitualizações, objetivando a re-significar o vivido, ampliando perspectivas, vislumbrando outras possibilidades e, principalmente, propondo-se aos processos de construção de autoria de pensamento.
A amorosidade só pode vir a ser resgatada efetivamente em nossas relações se, antes, fizermos uma viagem para dentro de nós mesmos, buscando sentido e significado para nossos fazeres, dizeres, posturas, modos de ser e estar neste mundo, complexo em essência e, ao mesmo tempo, simples e natural. Amorosidade é um devir, uma postura pessoal, uma busca de tornarmo-nos seres humanos melhores, capazes de sermos generosos, de redescobrimos a solidariedade, de rejeitarmos a violência, de preservarmos a vida do planeta e, principalmente, de ouvirmos para compreender.
Para tal, torna-se necessário, nos espaços onde possuímos algum tipo de inserção, sermos promotores de chamadas de atenção sobre como poderemos desenvolver nossas potencialidades de diálogo, modo de operar humano capaz de diminuir a dor e o sofrimento. Maturana (1988) nos alerta que estamos imersos e vivemos
“numa cultura que opõe emoção e razão como se tratassem de dimensões antagônicas do espaço psíquico. Falamos como se o emocional negasse o racional , e dizemos que quando negamos nossas emoções, nenhum raciocínio pode apagar o sofrimento que geramos em nós mesmos ou nos outros. Finalmente, quando temos alguma desavença , ainda no calor da raiva, também dizemos que devemos resolver nossas diferenças conversando e, de fato, se conseguimos conversar, as emoções mudam e a desavença ou se esvai ou se transforma, com ou sem briga, numa discordância respeitável. ”
Condição primeira para a amorosidade é o conversar, o dialogar: sem a prática social do diálogo, ficamos a revelia, sem suportes que possibilitem nossas perspectivas de evolução ganharem força e terreno. Acredito que muitos dos nossos problemas cotidianos de convívio com os outros estão vinculados ao afastamento e ao isolamento que, em muitas situações, nós mesmos nos colocamos.
Não existe estratégia melhor para a resolução de conflitos do que a busca do entendimento a partir do diálogo. Mais um vez, é Maturana que nos ensina que a palavra “conversar vem da união de duas raízes latinas: “cum”, que quer dizer “com”, e versare que quer dizer “dar voltas com o outro.”
E se conversar é dar voltas, juntos com os outros, a promoção de vínculos afetivos entra em cena e nos remete a pensar que quanto melhores forem tais vínculos, maior qualidade teremos em nossas relações com os outros, conosco mesmos e com a VIDA.
A UNESCO, em seu Programa Aprender para o século XXI, como muitos de nós já sabemos, enfatiza quatro pilares da educação do futuro: aprender a conhecer, aprender a atuar, aprender a viver juntos e aprender a ser. Entretanto, com a ousadia e coragem de propor, elaborei um outro pilar para o conhecimento: aprender a amar. Neste trabalho discuto que precisamos, todos, redimensionar nossas ações e práticas cotidianas, com o expresso desejo de nos colocarmos em postura amorosa com o mundo, conosco mesmo e com os outros.
Um texto, de autoria por mim desconhecida, encaminha este pensar:
“A presença do amor invade meu ser
Dorme em mim,
Desperta em mim, brota em mim,
Morre em mim, nasce em mim.
Meu corpo é seu templo.
O amor faz em mim morada:
Sem o amor minha vida é nada.
Sem amor, eu sou só, ninguém.
Sua luz brilha em meus olhos,
Seu perfuma exala em meus poros,
Suas flores enfeitam minha estrada.
Hoje eu desejo, compreendo e quero,
Que todo o mundo entenda:
Sem o amor, não há saída,
Não há como se ter VIDA.”
A Interconectividade necessária na teia da vida.
“A realidade é mutável, pulsante, abre-se e fecha-se.
(...) abre-se com uma palavra, com um gesto,
com uma decisão, com um ato, e fecha-se com algo que se perde”.
J.D. Nasio
Para o resgate essencial da amorosidade, não podemos deixar de pensar na interconectividade, elemento de importância fundamental para a elaboração de estratégias e permuta de conhecimentos e idéias, de saberes e fazeres voltados ao nosso tema. A amorosidade, enquanto tema fundante para a Formação Pessoal em Psicopedagogia, ganha força, energia e vitalidade com a participação em projetos e com a parceira com pessoas, organismos e instituições. Hoje, mais do que nunca, devemos, todos e todas estarmos atentos ao estarjuntocom.
A participação em grupos de estudos e discussão, a supervisão em processos de acompanhamento de nossas ações profissionais vincula-se aos nossos próprios projetos de crescimento pessoal e as nossas utopias realizáveis, como nos falava o mestre Paulo Freire.
Em minha própria trajetória, percebo claramente a importância do que acima citei. Inúmeras possibilidades me foram dadas pela minha própria inserção em tais grupos. Ferramenta de suma validade é estarmos em rede, fazendo parte de grupos de discussão pela Internet. Afirmo isso porque desde a década de 90 do século passado, participo de alguns importantes grupos onde exercemos o que Assmann e SUNG (2001) chamam de competência solidária, pois mesmo sem estarmos uns com os outros presencialmente, intercambiamos idéias, ideais e fortalecemos o próprio movimento, importantíssimo ao meu entender, pelo reconhecimento da profissão do Psicopedagogo em nosso país, luta essa com a qual devemos, nos nossos modos possíveis, nos envolver.
Na minha práxis, enquanto docente em diferentes cursos de pós-graduação em psicopedagogia no Brasil, procuro alertar minhas alunas e alunos sobre a importância da filiação de cada um, enquanto psicopedagogas e psicopedagogos em formação, a Associação Brasileira de Psicopedagogia, órgão de classe que, com suas seções e núcleos, fomentam a discussão sobre a regulamentação de nossa profissão e, o que considero ainda mais relevante, discute questões relativas à formação em psicopedagogia em sua comissão permanente de cursos. Um outro ponto que procura destacar é a formação de grupos estudos entre estas alunas e alunos, porque acredito que todos crescem a partir desta vivência.
A interconectividade necessária, nesta teia da vida, faz-se assim, em movimentos de agregação onde cada pessoa pode estar em postura de amorosidade no simples fato da permuta, da troca, do intercâmbio, insisto. É na percepção e na presença, mesmo que virtual, do outro, que podemos evoluir.
Zenita Cunha Guenther (1997) nos ensina que tal presença e percepção
“é a noção interna e o conceito que se forma do outro, a partir das percepções diferenciadas no vivência e experiência comum com as outras pessoas que compartilham conosco a aventura de viver e ser parte integrante da humanidade.”
Em nossa cotidianidade, resgatar a reflexão sobre tal afirmativa nos conduz ao pensar que somente a partir da interação e da participação efetiva poderemos alcançar a compreensão de que somos parte de uma mesma teia de VIDA.
Cabe-nos pensar, recorrendo mais uma vez a autora citada anteriormente, apesar de longa a citação, que em
“nosso dia a dia , desde que nascemos até o momento final, temos ao nosso redor, interagindo e participando intimamente em praticamente todas as situações da vida, desde a mais próxima e concreta até às mais distantes, pessoas essencialmente iguais a nós e ao mesmo tempo diferentes, únicas existindo em si próprias, ao mesmo tempo que existem conosco e juntos formamos configurações globais, maiores e mais complexas do que cada um de nós é, ou poderia ser. Essa é, em essência, a dimensão social da personalidade humana.Isso quer dizer que cada pessoa que existe, ao construir sua maneira própria , individual e única de ser, desenvolve através da vivência comum com outras pessoas uma conceituação do “outro”,englobando e integrando todas as percepções diferenciadas em relação às outras pessoas em uma configuração coerente e que faz sentido para ela. Essa organização de percepções compõem uma parte de sua própria personalidade, também única, individual e congruente com a configuração maior, interna, de cada um, a qual, por sua vez, influencia o comportamento e a maneira própria de ser e interagir com esses mesmos outros.”
Em tal dimensão estamos imersos. O resgate de valores e direitos humanos é essencial à práxis psicopedagógica. Cabe estarmos atentos e atuando no sentido de poder, de certa forma, contribuir para o debate acerca da inserção da Psicopedagogia no que concerne a amorosidade, compreendida como uma potencialidade humana de sermos solidários uns com os outros. É um processo de decisão, que perpassa nossas próprias vidas e que alimenta de horizontes nossa caminhada. É um processo de escolha e “escolher é apropriar-se do desejar a partir de um trabalho de pensamento”.
Com o sentido de contribuir, deixo-lhes um belo trecho de José Saramago, citado por Alícia, que instiga nosso desejo de ir além:
“... A aldraba de bronze tornou a chamar a mulher da limpeza, mas a mulher da limpeza não está, deu a volta e saiu com o balde e a vassoura por outra porta, a das decisões, que é raro ser usada, mas quando o é, é...”
Façamos, então, como a mulher: tomemos a decisão de fazer do amor meta maior de nossas ações.
Referências:
Dedico este artigo às alunas, e aluno, concluintes do curso de Especialização em Psicopedagogia da UNIFOR – Centro Universitário de Formiga, Minas Gerais, onde lecionei Fundamentos da Psicopedagogia e Psicopedagogia e Ética, nos meses de novembro e dezembro de 2004. Pela acolhida, amorosidade e respeito, este trabalho é dedicado, também, a Professora Mestre Dagmar Damasceno, Pró-Reitora de Apoio Acadêmico, Extensão, Pesquisa e Pós-graduação desta instituição e suas auxiliares, Celina e Rosamaria.
Desconheço o autor.
Citado em: FAGUNDES, Márcia Botelho. Aprendendo valores éticos. Editora Autêntica, Belo Horizonte, 2001.
Conferir na página da ABPp.: www.abpp.com.br
BEAUCLAIR, João. Autoria de pensamento, aprendências e ensinagens: novos modelos e desafios na produção de conhecimento em Psicopedagogia. Artigo publicado na página da Associação Brasileira de Psicopedagogia: www.abpp.com.br
Pressupostos do Manifesto 2000: por uma cultura de paz e Não-violência, elaborado pela UNESCO, no Ano Internacional por uma cultura de paz e não-violência. Conferir: www.unesco.org.
MATURANA, Humberto R. Ontologia Del conversar. Revista Terapia Psicológica, Año VII, v. 10, p.15-22. Santiago do Chile. Tradução de Cristina Magro e Nelson Vaz.
Idem.
Obra de relevância fundamental, para pensarmos sobre tais vínculos é o trabalho de: CONSUELO, Dulce. Os vínculos como passaporte da Aprendizagem: um encontro D´Eus. Editora Caravansarai, Rio de Janeiro, 2003.
BEAUCLAIR, João. Psicopedagogia: trabalhando competências, criando habilidades. WAK Editora, Rio de Janeiro, 2004.
ASSMANN, Hugo e SUNG, Jung Mo. Competência e sensibilidade solidária. Editora Vozes, Petrópolis, 2001.
GUENTHER, Zenita Cunha.Educando o ser humano: uma abordagem da Psicologia humanista. Campinas, São Paulo: Mercado das Letras, Lavras, Minas Gerais, Universidade Federal de lavras, 1997, p. 119.
Idem. P. 1119 e 120.
FERNÁNDEZ, Alicia. O saber em jogo: a Psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre, Editora Artmed, 2001, p.176.
Idem.