Vozes da África

VOZES DA ÁFRICA

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?

Há dois mil anos te mandei meu grito,

que embalde desde então corre o infinito...

Onde estás, Senhor Deus?...

(Castro Alves, 1868)

Terminada a Copa do Mundo da África muitos rescaldos ficaram para se tirar algumas conclusões. Não vou falar no futebol para não repetir clichês. Gostaria de falar sobre as “vuvuzelas”. Se notarmos, sua intensa zoeira não fazia parte de um processo normal de torcida em favor desse ou daquele time. Mais do que isto, apontava para um clamor secular...

Dá para fazer uma análise conjuntural focando a lúdica dos espectadores. Esses eventos que reúnem multidões são propícios a esse tipo de observação, pois queiram ou não, eles apresentam uma significativa amostragem de todos os estamentos sociais que constituem a população. Em termos de análise humana a Copa mostrou a descontração do povo africano, capaz de contagiar turistas e visitantes. As câmaras da tevê focavam, a todo instante, os espectadores locais dançando, com vistosas e coloridas indumentárias, características da cultura daquele continente. No entanto, o que mais chamou a atenção – chegando muitas vezes a irritar – foi o ruído das “vuvuzelas”, que atrapalhavam a comunicação dos técnicos com os jogadores e dificultavam as transmissões de rádio e tevê. Como o uso daqueles instrumentos sonoros, com intensidade demasiada, foi algo inusitado, eu me permiti tirar conclusões, algumas sob o enfoque sociológico. Para o povo simples, não só da África do Sul, mas de todo o continente, a vida é sofrida, não só no terreno econômico, mas também no sócio-político. Embora o apartheid tenha sido legalmente derrogado, ele ainda perdura no subconsciente de muitos, que sentam nos últimos bancos dos ônibus, que se curvam ao cumprimentar ou descem da calçada quando passa um branco.

Ora, uma festa popular é, a exemplo no nosso carnaval, um momento de desrecalque de muitas frustrações e conflitos subjacentes. Tanto assim que o uso de fantasias e outros tipos de comportamento apontam para projeções do subconsciente em geral reprimido. As “vuvuzelas”, convertidas em autênticas “vozes da África”, formaram um jeito de extravasar, de levantar um clamor capaz de dizer que estavam ali e estavam autorizados a fazer todo aquele barulho. Enquanto o filosofo africano veio ao Brasil denunciar a mutilação das meninas, lá, o povo oprimido e escravizado há séculos, não perdeu a oportunidade para “botar a boca no trombone”, ou melhor, na “vuvuzela”, contra todas as suas penas. Depois dos “dois mil anos” denunciados pelo poeta, pode ser que agora alguém escute seu clamor.

Escritor, Filósofo e Doutor em Teologia Moral