Liberdade... para sonhar
Após intensas reflexões, grandes e dourados êxtases intelectuais, sentado em uma poltrona de um cinema: eu descobri! Logo depois de uma viagem lúcida a um passado em volta de mim mesmo, adentrando os confins de minhas habilidades psíquicas ainda desconhecidas, eis que deparei com uma dimensão que outrora, se já havia conhecido, não foi dado o devido valor e compreensão merecida. Sim! Em muitos aspectos ainda não desvendados, um deles foi descoberto assim, sentado, no início de um filme, com as atenções dos sentidos voltados para a minha frente.
O partido compensatório para não me alucinar tentando desvendar os mistérios do cosmos, está na garantia de não poder tirar os meus pés do chão, pois se isso acontecesse, logo-logo me encontraria na estratosfera, com falta de oxigênio e conseqüentemente descansaria em paz antes de chegar na lua, partindo para uma outra caminhada, seguindo a outra etapa da minha existência agora como ser puramente espiritual. Estou preso pela gravidade ao mundo e estável numa sala escura, quase sozinho, diante de uma telão a passar imagens que atiçam à visão, produzindo sons que promovem a atenção dos meus ouvidos.
O que pensava? O que estava acontecendo para chegar tão longe, estando tão próximo de tudo? Os pensamentos se distanciavam na medida em que a compreensão sobre a realidade se constituía em dar ênfase ao acontecimento que se estabelecia como real agora, neste presente outrora evidente demais para dizer, na atual conjuntura a qual estou a escrever, que já passou. Doutro modo, não era o “já” a substância temporal capaz de unicamente contribuir com este “vôo”, mas o “antes” também é parte “concomitável” e imprescindível para tal evento ter ocorrido, quase sem mais nem menos, dó ou piedade. Não sabia contudo, de sua real importância no ordenamento do cosmo intelectual presente em todas as mentes pensantes. O passado de fato, foi a semente da visão profética sobre mim mesmo e os demais membros do sistema nervoso.
Perplexo, porém não mais em estado cataléptico por ter que dar atenção ao filme, descobri mais uma verdade antes ainda guardada dentro do tesouro do meu coração. E a dita verdade, supera a própria capacidade que antes tinha acreditado ser o seu detentor. Digo-me: “não tenho mais nada e tudo ainda estar por ser descoberto a partir de então”. Não afirmo ser o passado uma massa temporal sem protuberância ou relevância alguma. O passado me constitui e tem o seu real e profundo valor exaltado no presente. “Os episódios do passado, nos quais foram concebidas obrigações e assumidos débitos, unem o presente ao passado e ao futuro de um modo a fazer de uma vida humana uma unidade”, já dizia o filósofo Alasdair McIntyre.
Cri a partir de então que a liberdade, a plena liberdade se pauta apenas e unicamente numa peculiar expressão e atividade exclusivamente humana. Além disso, está acima de qualquer prospecção tangível, e tão presente que por vezes não causa nenhuma reação de quem dela mal se aproveita. Quando a ficha da razão cair, poderemos chegar a conclusão tão nítida que nos chamaríamos de burro por nunca termos atentado para esta liberdade, tendo como produto o seu fruto de ser: livre para sonhar. Eu sou livre, livre para sonhar!