O ESPETÁCULO DA MEDIOCRIDADE ATRAVÉS DA MÍDIA

O ESPETÁCULO DA MEDIOCRIDADE ATRAVÉS DA MÍDIA

Introdução

O fim do século XX e o início do século XXI têm se caracterizado pelas constantes transformações decorrentes das diversas ações dos seres humanos, na tentativa de adequar aos seus anseios tudo que pode ser construído para seu próprio benefício. A humanidade procura, incansavelmente, adaptar o meio a si próprio para que não precise adaptar-se ao meio como faziam seus antepassados em todo o processo da evolução. Só que para isso, muitos (ou talvez todos) têm que passar a viver harmoniosamente uns com os outros para que um convívio seja possível sem afetar os espaços alheios. Essa harmonia é construída a partir da instauração de normas de condutas que norteiem seus comportamentos, caracterizando, assim, padrões éticos no sentido etimológico da palavra.

Não obstante, a sociedade que fez questão de “criar” o termo para definir a conduta, esqueceu-se de praticá-la. Como veremos neste trabalho, há seguimentos da sociedade que não mostram interesse em viver com ética, respeitando a dignidade humana, tampouco tem influenciado a outros a adotar padrões de vida baseados em preceitos morais. Como exemplos de vilões da ética, podemos citar a mídia, que se apresenta como uma ovelha, mas não passa de um lobo voraz; e as massas, que se deleitam em ver a selvageria do “lobo-mídia”.

Depósitos de lixos midiáticos

Em junho de 2009, encontraram no Porto de Santos mais de 40 contêineres carregados de lixos domésticos vindos da Inglaterra. Na época, toda imprensa noticiou o fato e todo o Brasil ficou indignado com a falta de respeito por parte da Inglaterra (embora o governo inglês se considere isento de culpa pelo envio do lixo). Muitos afirmaram que isso não passava de uma provocação de uma potência econômica mundial como a Inglaterra.

Ainda que não seja de acordo com o pensamento de muitos em relação a este fato – até porque o governo britânico puniu os responsáveis – gostaria de usar esse episódio para ilustrar algo que tem sido frequente nos dias hodiernos. Os meios de comunicação de massa (MCM), principalmente a televisão, enviam diariamente toneladas de “lixos midiáticos” para cada residência. Quando analisamos a programação da TV, podemos concluir que o conteúdo não apresenta moralidade, pelo menos na maior parte da programação. Novelas, programas de auditório, reality show, programas policiais, entre outros, constituem-se verdadeiros lixos midiáticos introduzidos pelas “potências” da comunicação.

Cada produto midiático citado anteriormente apresenta particularidades que nos possibilitam estigmatizá-los de conteúdos impróprios para apreciação humana. Simplesmente porque a falta de princípios éticos é notória, sem deixar dúvidas que a real intenção de mídia não é prezar pelos valores morais, e sim, vender seus produtos para um público que sente prazer em ver o ridículo, a impudência, a espetaculosidade da morte e da miséria.

A atual novela global “Viver a Vida” é um claro exemplo da inversão de valores. Em seu enredo, pode-se encontrar uma criança – a menina Rafaela, interpretada pela atriz mirim Klara Castanho – sendo marcada como uma vilã que não age conforme sua idade, como uma criança normal, mas mergulha no mundo das falcatruas dos adultos, inclusive chantageando a própria mãe. Ainda existe a clara mensagem de que para viver a vida é necessário trair seus/suas companheiros/companheiras, pois a novela é campeã em traições. Irmão que fica com a noiva do próprio irmão. Filho que mantém um caso com a mulher do próprio pai. Todos são típicos personagens hedonistas, onde o prazer individual e imediato está acima de quaisquer valores éticos.

O reality show Big Brother Brasil, em sua décima edição, não tem sido diferente das edições anteriores. Disputas, trocas de ofensas, exposição da intimidade dos participantes, hipervalorização do sexo como objeto de consumo, são exemplos de “espetacularização” do banal. A mídia fica encarregada de oferecer ao público tudo aquilo que este espera para seu “entretenimento”, sem se importar com valores morais. Segundo Amilton Gláucio de Oliveira, que tratou sobre o processo de midiatização da ética no BBB 7, o reality show consiste em um processo de sedução que permeia os lares de forma persistente. Dentre os diversos aspectos destacados pelo autor, vale ressaltar que:

[...] aglomerar pessoas e jogar com seus valores morais, espetacularizando suas vidas íntimas de acordo com a moralidade do programa é algo estarrecedor, porque a televisão, ao conseguir mostrar a vida comum como um show de realidade, consegue vender seus segredos e destinos no âmbito de sua historicidade ética. Neste sentido, não só vende mostrando a prática cotidiana de uma comunidade de pessoas numa casa, como usa e abusa dos que tentaram e não conseguiram participar do jogo. (OLIVEIRA, 2007, p.5)

Fica evidente que as pessoas estão, cada vez mais, prisioneiras de seus desejos ardentes de vivenciar algo que não traz nada proveitoso para o próprio desenvolvimento, seja intelectual, seja espiritual, ou qualquer outro tipo de desenvolvimento que possibilite ao homem conquistar sua independência.

Os programas de auditório também tido sido outro palco para que os palhaços midiáticos possam usar seus artifícios circenses e ridicularizar com a intimidade das pessoas. Basta acompanhar o programa da apresentadora Márcia Goldschmidt, da Band, um talk show onde as pessoas expõem suas vidas, contando traições, discutindo relacionamentos, entre outros. Sem falar, ainda, das brigas que ocorrem no curso do programa. Mais uma prova contundente do espetáculo através da mídia.

Os programas policiais, com seus altos índices de audiências, provam, sem contestação, como muitos se deleitam em ver o mórbido. Há, nessas produções midiáticas, a espetacularização da morte, da miséria e do horrendo. Só em Alagoas, existem dois programas que seguem uma linha de “pseudo-informação” – Fique Alerta, da TV Pajuçara e Plantão Alagoas, da TV Alagoas – cujo principal interesse é ser um veículo de marketing, tanto comercial como pessoal, pois alguns repórteres utilizam o espaço dado pela TV para promoverem sutilmente suas imagens, para galgarem posições na política alagoana.

Lamentavelmente, não são poucas as pessoas que abrem espaços em seus lares para ampliar ainda mais a audiência desses lixos midiáticos. Muitos compartilham a hora do almoço – que para nossos avós sempre foi considerado um momento sagrado – com imagens de pessoas mortas, jogadas ao chão e na lama, totalmente ensanguentadas.

Condenados a assistir aos espetáculos midiáticos

Recentemente assisti a um filme que apresenta um enredo interessante e gostaria de utilizá-lo como objeto de analogia com que estamos vivenciando. Trata-se do filme O Encontro, dirigido por Brian Gilbert, realizado em 2002 e lançado no Brasil somente em 2004. O roteiro de Anthony Horowitz é original e até tem um ponto de partida interessante, mas deixa muito a desejar em explicações de fatos que ficaram meio obscuros na trama, como o abuso na infância do mecânico Fraddie (Peter McNamara) o vilão da trama.

O filme se passa em uma pequena comunidade rural da Inglaterra, onde são encontradas as ruínas soterradas daquela que seria a primeira igreja católica, construída no século I. As autoridades eclesiásticas, claro, querem manter tudo em segredo, por isso pedem que um estudioso de arqueologia, o professor Simon Kirkman (Stephen Dillane), faça uma investigação sigilosa.

Kirkman entra nas ruínas da igreja e descobre que, misteriosamente, a imagem de Cristo crucificado fica de costas no altar, virado não para o local onde estaria o público, mas sim em direção à parede dos fundos da igreja, onde existem esculturas representando pessoas. Praticamente ao mesmo tempo, chega à cidadezinha uma jovem americana, Cassie Grant (Ricci), que ainda na estrada é violentamente atropelada pela esposa de Simon, Marion (Kerry Fox). No acidente, Cassie bate a cabeça e perde a memória, esquecendo o que ia fazer no vilarejo.

A família Kirkman abriga a desconhecida em sua casa, sem se importar sobre a origem da moça. Imagine se ela fosse uma “menina malvada”, que teria acontecido? A madrasta das crianças tem a imprudência de deixá-la levar os enteados pequenos, Michael e Emma, para a escola (algo que eu nunca faria, pois não se pode confiar num desconhecido). Enquanto se adapta à rotina do lugar, e tenta lembrar quem é e o que faz, Cassie tem estranhas premonições. Ela percebe depois que está sendo seguida por pessoas com fisionomias iguais às imagens que aparecem em baixo-relevo na parede da igreja.

Um amigo de Simon, o padre Luke Fraser (Simon Russell Beale), constatou o mesmo fenômeno. Analisando as fotografias feitas pelo pesquisador, ele reconhece os mesmos rostos em imagens históricas representando tragédias e também em fotos e filmes históricos, como aquele que mostra o assassinato do presidente americano John Kennedy. A cúpula da igreja então explica ao padre o fenômeno religioso conhecido como "O Encontro": pessoas que assistiram a crucificação de Jesus Cristo por prazer e foram amaldiçoadas, sendo obrigadas a passar a eternidade "assistindo" outras catástrofes e crimes violentos ao redor do mundo. Tudo isso acontece porque os “condenados” foram apenas espectadores e nada fizeram para mudar ou interferir no evento que é considerado como sagrado, que para eles não passava de mais um espetáculo. Segundo Cassie, que relata o ocorrido no fato da crucificação ao menino Michael, ainda que superficialmente no fim do filme, a garota que estava aos arredores da cidade e que, por simples curiosidade (que Dan Haklley, personagem de Ioan Gruffudd, diz não ser errado ter curiosidade) foi ver a cena da morte de Cristo deveria ter feito algo para mudar aquilo. A protagonista completa que ela deveria ter se rebelado, ou tentado impedir, ou ajudar, mas ela não fez nada, só ficou apenas olhando. Observou com prazer o show da morte de um homem. Por isso, foi sentenciada a eternamente observar as catástrofes e tragédias do mundo todo.

Hoje, milhões de pessoas sentem prazer em ver o que acontece de mais horrendo no mundo. Ficam na plateia da vida só observando o que é exibido nos palcos da mídia e nada fazem para mudar essa situação. Acompanham incessantemente cada desfecho do espetáculo como se fosse algo essencial para a vida. Quem não lembra do caso da menina Isabella Nardoni, assassinada pelo pai e pela madrasta em 29 de março de 2008? Numa forte tentativa de marketing a mídia bombardeou as massas com informações constantes daquilo que considero o maior espetáculo midiático no Brasil em 2008. Tudo isso para que a audiência das emissoras de TV aumentasse e atraísse mais investidores para patrocinar a banalização dos padrões éticos. Até porque, a mídia não está preocupada com que o público quer saber ou ouvir, e sim com que o povo quer comprar mesmo que não necessite.

Fica muito evidente que, à semelhança dos personagens do filme, as pessoas estão condenadas a passar eternamente, ou pelo menos até durar a humanidade, assistindo toda porcaria proveniente da TV, uma vez que nada foi feito para mudar essa situação, como uma “rebelião” ou um boicote. Mas, não! Preferimos assistir! Somos coniventes com tudo isso!

Conclusão

É importante lembrar que logo após ter sido acolhida pela mulher que a atropelou, Cassie começou a procurar pistas sobre sua vida e buscar uma forma de ajudar o menino Michael. Assim, a única forma de livrar-se da condenação de continuar como espectadora era ajudar a alguém ou interferir numa tragédia. Infelizmente, poucos têm tomado essa atitude e muitos têm permanecido omissos.

Então, não resta outra alternativa a não ser realizar os “eternos encontros” como consequência da maldição e ficar no controle das mídias como verdadeiras marionetes. A não ser que aproveitem a “segunda chance” que Cassie teve, e façam algo diferente para libertar-se da “maldição”. Esta nova chance, porém, começa nos cursos de Mídia e Ética ofertados pelas universidades espalhadas pelo país. Pois, o ambiente acadêmico é um porto-seguro depois de um forte atropelamento sofrido no decorrer da vida.

REFERÊNCIA

OLIVEIRA, Amilton Gláucio de. O processo de midiatização da ética no reality show Big Brother Brasil. Maceió, 2007. Artigo