O samarinato solidário (SERMO LXXXVII)
O SAMARITANO SOLIDÁRIO
Vai e faze tu o mesmo!
O texto da Escritura
25 Um especialista em leis se levantou, e, para tentar Jesus perguntou: “Mestre, o que devo fazer para receber em herança a vida eterna?” 26 Jesus lhe disse: “O que é que está escrito na Lei? Como você lê?” 27 Ele então respondeu: “Ame o Senhor, seu Deus, com todo o seu coração, com toda a sua alma, com toda a sua força e com toda a sua mente; e ao seu próximo como a si mesmo”. 28 Jesus lhe disse: “Você respondeu certo. Faça isso, e viverá!”. 29 Mas o especialista em leis, querendo se justificar, disse a Jesus: “E quem é o meu próximo?” 30 Jesus respondeu: “Um homem ia descendo de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos de assaltantes, que lhe arrancaram tudo, e o espancaram. Depois foram embora, e o deixaram quase morto. 31 Por acaso um sacerdote estava descendo por aquele caminho; quando viu o homem, passou adiante, pelo outro lado. 32 O mesmo aconteceu com um levita: chegou ao lugar, viu, e passou adiante, pelo outro lado. 33 Mas um samaritano, que estava viajando, chegou perto dele, viu, e teve compaixão. 34 Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal, e o levou a uma pensão, onde cuidou dele. 35 No dia seguinte, pegou duas moedas de prata, e as entregou ao dono da pensão, recomendando: ‘Tome conta dele. Quando eu voltar, vou pagar o que ele tiver gasto a mais’”. E Jesus perguntou: 36 “Na sua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” 37 O Doutor da Lei respondeu: “Aquele que praticou misericórdia para com ele”. Então Jesus lhe disse: “Vá, e faça a mesma coisa!” (Lc 10,25-37).
Um teólogo que queria confundir
Igual a muitos de nós, o teólogo tenta um jogo de palavras para confundir a Jesus e fugir do verdadeiro sentido da lição do Mestre. Como a Lei dos judeus era religiosa, um “doutor da lei”, como aparece nos evangelhos, aponta para um especialista em religião, que nada mais é que um teólogo, mais ou menos como os que conhecemos hoje em dia. Aqui, a autoridade judaica tenta, através de perguntas, desconcertar a Jesus, quem sabe para fugir de uma verdade que ele conhece, mas, ou não quer ou não pode seguir.
Movidos por ceticismo, ou espírito de contradição, algumas pessoas tentam escapar, pela linha da intelectualidade, do debate a respeito da fé cristã e dos compromissos que dela provêm. Essas cortinas de fumaça servem como estratégia de fuga, quando não querem entrar na discussão de um assunto, que desconhecem ou que não lhes convém. Esse escapismo é freqüentemente encontrado. Até hoje, para não ter que assumir compromissos, muitos preferem afirmar que as opções preferenciais da Igreja, como pelos pobres, por exemplo, são mais ideológicas que bíblicas. Vejam que no caso, Jesus não dá respostas diretas, mas conta uma parábola, para que o homem, através da alegoria, descubra o sentido mais profundo do ensinamento.
No caso da conversa de Jesus com o teólogo, a tentativa de fuga deste, é sintomática. Como homem culto, ele sabia bem quem era seu próximo, mas questionou Jesus, para ver se em suas palavras obtinha alguma rota de fuga, ou se podia apanhar o rabi em alguma armadilha. Jesus, que não faz jogo de palavras, igualmente não se deixa apanhar em armadilhas desse tipo. Perguntado sobre a exigência legal, o especialista respondeu:
Ame o Senhor, seu Deus, com todo o seu coração, com toda a sua alma, com toda a sua força e com toda a sua mente; e ao seu próximo como a si mesmo (v. 27).
Está claro que ele sabia a lei, afinal, era um “doutor”, mas como quisesse mais esclarecimentos (por busca, dúvida ou para confundir), não hesitou em perguntar:
E quem é o meu próximo? (v. 29).
Jesus conta uma história. É o teor da parábola que epigrafa este capítulo. A narrativa leva o “especialista” a escolher a opção da misericórdia e depois o aconselha, como aconselha a nós, a segui-la. A justiça, e Jesus deixa isto claro, deve estar acima da lei, assim como a misericórdia deve sobrepor-se a ambas. Isso deixa, aos estudiosos e pesquisadores de todos os tempos, uma gama de pistas para novas interpretações e aplicações, na vida das pessoas e das comunidades.
Conforme foi sugerido por vocês, não vou me limitar ler uma parábola e comentar seu sentido e conteúdo. Isto são coisas que todos sabem e conhecem. Aqui hoje vamos mais além. Vamos buscar uma interpretação daquilo que está por trás das palavras de Jesus. Não se trata de comentar um assalto (ocorrência policial), narrar a omissão de muitos (fato sociológico) e terminar com o relato da ajuda emprestada por um homem (visão solidária).
A parábola tem todos esses elementos, mas vamos tentar enriquecê-la com outros dados, de cunho histórico, geográfico, religioso, social e até político, para através da alegoria e da comparação, descobrir, o real significado das palavras de Jesus. O que ele quis, de fato, dizer com a narrativa da solidariedade do samaritano? O exercício que vamos fazer daqui em diante é o que se costuma chamar de exegese. Vamos interpretar o texto, buscando, numa visão hermenêutica, toda a sua riqueza. As lições da exegese vão além do primeiro plano, buscando o sentido que se mostra no chamado pano-de-fundo. Como a exegese é uma atividade científica, não cabe às pessoas despreparadas buscar soluções e idéias pelo ouvir dizer ou pelo achismo, acho isto, acho aquilo. A interpretação das Escrituras só podem ser feitas por um especialista: o exegeta.
Quem passou por ali?
Recordando o texto, vemos que um homem andava por uma estrada e foi assaltado por ladrões, ferido e despojado de seus haveres. Passaram por ali diversas pessoas. Cada uma delas tinha motivos, desculpas e prioridades para não parar e não ajudar o ferido. Dentre eles, pelo desencontro que havia com os judeus, talvez o samaritano fosse o que mais tivesse motivos para se omitir, já que era considerado um inferior. No entanto, foi ele quem ajudou o ferido;mais que isto: teve compaixão dele...
Aprofundando, podemos observar que, para desconcertar seu interlocutor, Jesus coloca na parábola três pessoas que passam pelo lugar onde se achava o homem caído: um sacerdote, um levita e um samaritano. Ao escutar a menção daquelas três classes sociais, o teólogo, por certo, imaginou que a providência saneadora do problema, o socorro ao homem caído tivesse partido, do sacerdote, um hierarca do templo, ou do levita. Os sacerdotes eram membros daquela classe mais elevada, os que ofereciam, no templo, os sacrifícios a Deus. Eram respeitados pela imagem de santidade e piedade que passavam ao povo. A maioria não passava da imagem... Modernamente, o levita poderia ser um “cursilhista”, um encontrista, algum ministro-extraordinário, ou o encarregado da liturgia. É inegável tratar-se de alguém pertencente a uma elite religiosa.
Há uma música (“seu nome é Jesus Cristo e passa fome...”) que fala em Jesus, presente no pobre, que caído na rua, é ignorado, porque as pessoas estão com pressa. “Às vezes para chegar depressa à igreja...”. Recordam? Muitas vezes nossas práticas religiosas, que geralmente não passam de “práticas”, atividades oriundas do costume, da rotina e da anestesia, têm a capacidade de nos deixar cegos. Muitas vezes, por transitarmos com os olhos voltados para o céu, esquecemos de enxergar os dramas e as realidades que ocorrem aqui na terra, bem perto de nós. Chegamos a tropeçar em quem está caído...
Na vigorosa narrativa de Jesus, o sacerdote e o levita, mesmo vendo o homem ferido, passaram adiante (por certo para chegarem mais depressa ao templo). Recordo, uma vez, em uma capital do nordeste, enquanto centenas de pessoas, dentro de uma igreja, cantavam e batiam “palmas para Jesus”, ali mesmo, um homem pobre, caído, vítima de um ataque, quase morreu, desatendido por tantos cristãos inebriados pelo poder de Jesus. Se não fosse a visão de gente mais atenta, não sei não...
Quem passou por ali, então? Passou um samaritano, um pecador público, considerado idólatra, excluído das rodas sociais e das igrejas... Por que os samaritanos eram excluídos? Quando aconteceram os exílios dos judeus a Babilônia, os samaritanos ficaram na terra e se deixaram contaminar pela cultura, religião e idolatrias dos dominadores. Quando houve retorno à Palestina, após o edito de Ciro (539 a.C.) o povo que voltou encontrou uma Samaria devastada pela idolatria. A reforma dos costumes (± 450 a.C.), a partir de Esdras combateu o culto aos ídolos estrangeiros, e colocou o povo samaritano sob suspeita. A partir dali os judeus passaram a hostilizar seus vizinhos da Samaria.
Pois um samaritano,um homem considerado inferior pelos judeus que teve misericórdia e compadeceu-se da miséria da vítima do assalto. E diz a Escritura:
[...] chegou perto dele, viu, e teve compaixão... (v. 33).
Não se limitando tão somente a ter pena (ou à denúncia), o samaritano socorreu o homem, tratou de suas feridas e levou-o a um lugar onde houvesse mais recursos para o tratamento. Nós, geralmente, quando vemos um fato semelhante, ficamos indignados, denunciamos a violência, a ausência de policia, mas não passamos disto. Os judeus, quando revoltados por algum fato, rasgavam suas roupas em sinal de protesto e indignação. Contra esse espalhafato, os profetas advertiram:
Não adianta rasgar as roupas; é preciso rasgar o coração (Jl 2,13).
Eram três os personagens que passaram por ali. Dois eram incluídos no sistema, e um excluído. Foi o samaritano excluído que teve misericórdia. É a caridade fraterna tomando a frente dos títulos e das posições hierárquicas. É o amor vencendo a apatia, o carisma suplantando o poder...
Jesus ensina, neste trecho, um importante princípio da ética humanitária do evangelho: o próximo pode não ser nenhum amigo, parente, colega ou participante do nosso grupo, “movimento” ou congregação; pode ser uma pessoa inteiramente desconhecida, de outra região ou oriunda de critérios ou padrões morais diferentes dos nossos.
O samaritano, por causa de critérios culturais e religiosos, era um excluído. Quem sabe como um “crente” de outra religião, ou de um recasado, hoje. Era um discriminado, como os negros, os pobres, os idosos, os homossexuais, os doentes, que nós igualmente desprezamos e marginalizamos. No entanto, ele teve compaixão, parou, abaixou-se, sujou suas mãos com o sangue do ferido, perdeu tempo, gastou dinheiro...
Às vezes trata-se de uma questão de auditório ou de falta de claque. Muitos gostam de fazer caridade e praticar atos de piedade em frente a grandes platéias. Chegam a fazer festas para entregar uma cadeira de rodas ou algumas “cestas básicas”. Como ali era uma estrada deserta, não havia espectadores. Só Deus viu aquela ação solidária...
Visão pastoral
As parábolas de Jesus são bastante conhecidas pelos cristãos. Quem não conhece a história do “filho pródigo”, do “semeador” ou, ainda, “dos trabalhadores da vinha”? Todas elas trazem, por trás de um simples relato, tirado da vida simples do povo, um ensinamento, um questionamento. Atrás da figura alegórica há sempre um preceito moral, onde um pano de fundo histórico, em geral uma midraxe, emoldura uma exortação ou o convite a uma prática mais efetiva de vida. A expressão parábola, no grego parabolé, nos remete a uma aproximação ou semelhança; é uma história com um fundo moral. Tem o mesmo significado do hebraico mashal.
A chamada “parábola do bom samaritano” é talvez uma das mais ricas, expressivas e interpeladoras narrativas de Jesus, e que nem sempre é adequadamente interpretada. Nela há aspectos sociais, históricos, étnicos, geográficos, religiosos, culturais e uma forte carga apologética. Para nós cristãos, é muito instrutivo que Jesus tenha escolhido um samaritano para sua ilustração.
Além da abertura à caridade individual com quem sofre e está alquebrado, a história retrata com cores vivas e compreensíveis, o mistério da revelação do Deus da Vida que vem ao encontro da humanidade, com as mãos cheias de misericórdia, perdão e cura. Na interiorização desta parábola, podemos descobrir o projeto amoroso e salvífico do Pai. A história narrada por Jesus não se prende a um fato ocorrido naquela época cronológica, mas transforma-se, em uma janela que se abre para o futuro. Sua capacidade pedagógica é notável. Pastoralmente, a história do “bom” samaritano nos revela a vocação cristã à caridade, à solidariedade e à acolhida ao próximo, especialmente aquele que sofre dores e injustiças.
A adjetivação bom, dada ao samaritano, chega até nós, pelas traduções portuguesas, em muitos casos entre aspas, como a denotar uma certa ironia. Parece que os outros eram santos e quase perfeitos, e só o samaritano, dentro daquele problema histórico enfocado, trilhava os caminhos dos pecadores públicos. Pois é a esse homem que a tradição bíblica chama de “bom”, a despeito dos pretensos méritos invocados pelos demais, pois ele agiu com misericórdia. Por que usar o adjetivo bom, a um samaritano?
Trata-se de uma ironia. Para os fariseus e seus comparsas, só os “filhos de Abraão” eram bons, santos e “separados” dos pecadores. Os samaritanos, por idólatras, eram malvistos e excluídos por aqueles revestidos da santidade formal das classes dominantes.
No campo pastoral, a parábola nos emula à prática de uma caridade acima dos rótulos e dos clichês, que muitos teimam em colocar nas pessoas. A prática da misericórdia tem inspiração divina, e ninguém é tão pecador que não possa torná-la uma prática de vida. É pena que a gente vai às igrejas, frequenta cursos e ouve pregações em novenas e não escuta nada mais além dessa mera visão pastoral de um samaritano que levantou um homem ferido.
Na história, o samaritano além de levantar o homem ferido, limpando suas feridas, ainda gasta dinheiro com seu tratamento. Assim é a verdadeira caridade. A prática do amor não está para além das forças do ser humano, mas dentro do seu coração.
Interpretando um fato
Esta parábola é ambientada na estrada que desce, de Jerusalém para Jericó. Há muito mais coisa a descobrir que uma simples ocorrência policial, coroada pela atitude generosa de um homem pertencente a um grupo malvisto. Para interpretar um fato, seja no terreno que for, precisamos ter uma visão temporal, espacial e dos personagens que o integram.
A estrada da narrativa, onde ocorre o assalto, não é um caminho qualquer, mas a vida humana, sujeita a tantos percalços e acidentes. Todas as estradas, seja no passado seja nos dias de hoje, têm suas características, suas vantagens e seus percalços. Como na vida, a via tem um valor relativo. O que mais importa é o destino de chegada. No entanto, se a pessoa, por uma razão ou outra, ficar pelo meio do caminho, nunca conseguirá atingir seu objetivo. O homem descia de Jerusalém para Jericó. A cidade de Jericó era sua meta de chegada... O fato que ocorreu com o viajante assemelha-se a tantos problemas existenciais que acontecem em nossa trajetória humana. Nosso destino de vida é o Reino de Deus, no entanto, no caminho, quantos obstáculos...
O viajante assaltado é o ser humano; somos todos nós. A vida humana, por sua fragilidade, está sujeita a problemas de toda ordem, assim como alguém que segue por uma estrada longa e desabitada. São as paixões, a ambição, a vaidade, o egoísmo. Na figura dos ladrões que ambicionam seus bens e o despojam, vamos encontrar o demônio e suas obras, representados por tantos sistemas humanos, políticos, sociais ou econômicos. Os bens que lhe roubam é a dignidade, o sentido de sua existência, a vida da graça. O homem, derrubado pelo assalto do pecado e do mal, jaz à margem da estrada da existência, ferido, quem sabe em perigo de perder a vida... A vida da graça.
As pessoas que passam e não lhe dão atenção são os indiferentes, os acomodados, os egoístas. Há indiferentes e egoístas na sociedade, na política, nas famílias e até nas igrejas... Muitos deles, a despeito de posição ou estado, podem ser omissos, simpatizantes ou até partidários das artimanhas do inimigo. Tem gente que não sabe acolher ou socorrer porque está sempre com pressa.
O samaritano que age com bondade é Jesus. Vejam como o Mestre é desconcertante. Ele assume a posição do excluído, do rejeitado samaritano, para mostrar sua ação misericordiosa. Jesus também foi excluído e rejeitado pelo poder religioso, social, econômico e político. Nesse contexto, o samaritano merece o qualificativo de bom, pois refere a prática do próprio Cristo no meio da história dos homens. Jesus age, movido de compaixão. Afinal, sabemos pela boca do próprio Jesus: só Deus é bom... Em resposta aos indiferentes e omissos, que tentam, de todas as formas, mostrar uma pretensa imagem de santidade, Jesus disse:
As prostitutas e os cobradores de impostos entrarão antes de vocês no Reino dos Céus (Mt 21, 31).
A solidariedade que o samaritano demonstra para com o ferido é a salvação, ou talvez mais: o resgate das garras da morte e do pecado. É salutar notarmos que não se trata de uma mera esmola ou um assistencialismo circunstancial, mas de uma atitude tipicamente cristã. É eficaz! Ela vai ao centro do problema e atinge o objetivo proposto. As atitudes de Jesus são radicais, nunca paliativas.
Na estalagem, onde é deixada a vítima da agressão, para que se recupere, enxergamos traços da Igreja-comunidade, lugar de acolhida e refrigério, com todos seus mecanismos de cura espiritual. Pelo menos devia ser assim... No texto grego original, a palavra estalagem é composta de pan (todos) e do verbo dechomai (acolher). A Igreja é o lugar onde todos são acolhidos.
Há exegetas que enxergam, na montaria do samaritano, um cavalo, um jumento ou um camelo, em que ele levou o ferido à estalagem, o trabalho dos missionários que conduzem aqueles que estão feridos (pelo pecado) à estalagem (Igreja).
A figura do estalajadeiro é vista como uma prefiguração da comunidade apostólica, seus sucessores e fiéis em geral. É todo o povo de Deus, de braços abertos, em fraternal acolhida. É também, igualmente, a Igreja, depositária dos bens confiados por Jesus, para a salvação da humanidade.
A cura é a regeneração do pecador, sua penitência e perdão dos pecados, representada pelo azeite e pelo vinho que o samaritano despejou sobre as feridas do homem. Enquanto as feridas são os estragos causados pelo pecado, o azeite e vinho são matéria sacramental, prefigura do poder curativo dos sacramentos. O óleo é a matéria do Batismo e o vinho, como sinal do generoso sangue derramado, está inserto no mistério da Eucaristia.
Por último, as duas moedas deixadas com o estalajadeiro, ao que tudo indica, são as Sagradas Escrituras, o Antigo e o Novo Testamento, suficientes para manter o cristão vivo em sua fé, até o retorno definitivo de Cristo. Além das duas moedas, o samaritano dá “carta-branca” ao estalajadeiro:
Tome conta dele. Quando eu voltar, vou pagar o que ele tiver gasto a mais (v. 35)
Esse “quando eu voltar, vou pagar...” é a retribuição que Cristo vem trazendo em suas mãos para dar (cf. Ap 22, 12) àqueles que ajudaram a acolher, converter e salvar os pecadores, caídos pelas estradas da vida humana. É o salário dos missionários, hoje, amanhã ou na parusia.
A presente parábola, embora aparentemente simples, nos revela, embutidos em seu núcleo fundamental, os mais claros traços da história da salvação. Jesus, presente no excluído, rejeita, de certa forma a figura imponente dos “notáveis” do templo, para se apresentar como alguém sem posição social ou religiosa, mas vestido com o tecido mais visível aos olhos de Deus: a misericórdia.
O ato de socorro do samaritano ao homem caído é tipo do gesto redentor de Cristo em favor da humanidade, destroçada pelo pecado. O fariseu que queria confundir a Jesus teve que reconhecer que o próximo do homem assaltado foi aquele que usou de misericórdia para com ele. As palavras de Jesus, após dois mil anos de interpelação, são dirigidas ao interlocutor mas também a nós:
Vá, e faça a mesma coisa! (v. 37)
Para debate em grupo
1. Qual o significado da caridade do samaritano?
2. Você perderia tempo com uma pessoa caída na rua, ou se escusaria, dizendo tratar-se de um bêbado?
3. Por que ainda hoje, algumas pessoas se furtam ao serviço ao próximo?
4. Você pararia para ajudar um homem caído, mesmo sabendo que estava quase na hora de animar a liturgia da “Missa das nove”?
5. O que prefiguram as duas moedas que o samaritano deixou com o homem da pensão?
Excerto de uma pregação a religiosos, realizado em Goiás, em setembro de 2008.
O autor, que prega retiros de espiritualidade (padres, religiosos, leigos e casais) e assessora cursos de teologia é Biblista com especialização em exegese, Doutor em Teologia Moral. Escritor com mais de cem livros publicados no Brasil e Exterior, entre eles, “Histórias de Samaritanos” (em preparo). Gaúcho de Porto Alegre, 68 anos, casado com Carmen, também escritora há 46 anos). O casal tem dois filhos e uma neta.