Luz nas trevas

LUZ NAS TREVAS

Num dias desses, fruto de um furacão nunca visto, faltou energia no meu bairro. O apartamento onde moro fica no nono andar, o que unido à imobilidade do portão elétrico da garagem, praticamente nos deixou reclusos, Carmen e eu, por quase vinte horas. Com a falta de luz, pelas escadarias era impossível descer.

Só quando falta energia é que a gente dá valor a ela. A geladeira pára, o rádio não fala, a televisão deixa de apresentar seus programas, o microondas se omite e até o fogão, por causa do acendedor eletrônico, nos faz ir atrás dos prosaicos fósforos.

Sem energia, os motores que bombeiam água para a caixa, deixaram de funcionar, e em menos de três horas, quem não se precaveu, ficou também sem água. Como temos a água da piscina, tarefas de limpeza podem ser feitas, e até uma ajuda a algum vizinho menos previdente.

Isto sem falar no computador, ao qual passo ligado o dia inteiro. Meu laptop funciona com uma bateria que garante uma sobrevida de pouco mais de duas horas, mas o hub e o moden sem energia não permitem o acesso a Internet. Deste modo, como viram, a falta de luz afeta praticamente todos os setores da casa. Banho, nem pensar. Não deu para ir à padaria; só restou o pão velho. Sem energia na torradeira, a saída foi o forno. Ainda bem que era época de frio. No verão houve algo semelhante, com todos esses problemas, além do ar-condicionado que não pode ser ligado.

Quando caiu a noite, a solução foi dormir mais cedo. Dormir não: deitar. Carmen arrumou no quarto várias velas e uma lanterna, o que possibilitou uma sessão de leitura. Leitura da Bíblia. Aos poucos o ambiente se harmonizou. Parecia que a iluminação das velas era uma coisa normal, e começamos a achar graça da situação, pois havia luz suficiente para iluminar nossas trevas.

A leitura da Bíblia nos proporcionou algumas horas de entretenimento, paz e estudo. Fizemos interpretações, discutimos argumentos e celebramos a falta de energia que foi capaz de dissipar muitas trevas, e nos aproximar, naquela noite de ameaçadores temporais. Não assistimos televisão, não ouvimos rádio, não mexemos nos computadores, mas tudo ficou muito bom, alegre e acolhedor.

Por incrível que possa parecer, quando voltou a energia, perto das dez horas da noite, já que o ambiente estava tão acolhedor, soltamos um oh!, quase de decepção, pelo fato de a energia ter voltado em uma hora inoportuna e haver interrompido nossa tertúlia.

Do incidente é possível respigar várias lições, entre elas a iluminação da simplicidade, que muitas vezes ocorre dentro de uma casa, às vezes desprovida de maiores confortos e modernidades.