DA AVALIAÇÃO LIBERTADORA.

A finalidade de qualquer ação educativa deve ser a produção de conhecimentos que aumenta a consciência e a capacidade de iniciativa transformadora dos grupos.

Paulo Freire.

Se há um tema deveras complexo no terreno educacional, este é o da avaliação. Como sabemos, os debates ultrapassam até mesmo o campo específico da educação. No dizer de Jussara Hoffmam, “nunca tantos se consideraram no direito de avaliar a prática avaliativa, apontando as ambivalências , as injustiças e as desastrosas conseqüências de ações impensadas e arbitrárias que, pressupostamente, se efetivam sob a etiqueta avaliação”. De modo que não há um só sujeito que não apresente uma leitura qualquer. A multidimencionalidade deste fenômeno (avaliação) ora nos coloca frente a investigações científicas, ora imergimos apenas em meras convicções. De minha parte, vejo duas vertentes bem delineadas: uma avaliação que ouso chamar de Liberal e outra de cunho absolutamente Libertadora. Portanto, seguiremos o seguinte roteiro: abordaremos alguns pontos de cada linha demarcada (Liberal e Progressista), centrando nossa análise no que denomino “Avaliação Libertadora” cujo mentor maior, digamos assim, é Paulo Freire.

Partiremos do evidente: todo processo educacional traz condicionantes sociopolíticos. Assim, existem várias concepções tanto de homem como de sociedade, só não é possível mesmo é o truque mal aplicado de que há certos vieses educacionais que ocorrem numa espécie de vácuo conceitual, ou melhor, ideológico. Não é à toa que Gadotti enfatiza: “sempre que o educador deixou de fazer política, escondido atrás de uma pseudoneutralidade da educação, estava fazendo, com sua omissão, a política da dominação”. Não há saída, o lócus aqui (educação) é a luta política. Ora, num modelo social dominante exige-se, é claro, uma pedagogia dominante, consequentemente uma avaliação dominante, daí a premissa lukesiana: “a avaliação está limitada pelas teorias e práticas que as circunstancialiazam”. Imaginar ser possível avaliarmos fora dos elementos citados anteriormente é miserabilidade filosófico-política.

Utilizo as categorias liberal e progressista, na esteira de José Carlos Libâneo, não apenas por acreditar que a avaliação é conseqüência de uma macrovisão, mas por serem as mesmas sintetizadoras do que conhecemos por “tendências pedagógicas” na sociedade escolar brasileira.

De um lado, estão as subcorrentes concatenadas na expressão “Pedagogia Liberal”. Claro que o termo liberal nada tem a ver com os princípios clássicos do liberalismo político. Neste caso, sua carga semântica aponta para uma forma de se justificar o sistema capitalista, defendendo a propriedade privada dos meios de produção, ou seja, o que interessa é manter, a todo custo, a sociedade como a temos hoje - de classe, concentradora de renda e excludente. Portanto, esta pedagogia, com seu processo avaliativo, nada mais é do que a manifestação desse modelo de vida social. Vale ressaltar o alerta de Libâneo. “A educação brasileira, pelo menos nos últimos cinqüenta anos, tem sido demarcada pelas tendências liberais, nas suas formas ora conservadora, ora renovada”. O pior é que não são poucos os que sequer percebem isso. É a velha história: “a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”. Até porque a consciência crítica de “algo” ainda é esse “algo”, isto é, o compromisso de mudar o “algo” criticamente entendido é coisa muito diferente, no fundo, está no que Paulo Freire chama de “conscientização”. Pedro Demo corrobora o afirmado ao nos ensinar: “a maioria dos educadores reproduz um pedagogismo arcaico, configurado na idéia vazia de que a consciência crítica é suficiente para transformar a realidade”.

Mas o que defende a pedagogia liberal? Não é outro o papel da escola senão “preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais”. No fundo, é uma pedagogia do fetiche, pois procura velar, à guisa do cultural, a estratificação social reinante. Esse mascaramento atinge o auge do cinismo quando apregoa a famosa “igualdade de oportunidades”, sem jamais considerar as profundas desigualdades de condições. Se tivesse que ousar um neologismo para essa tendência, na certa seria “pedeugogia”, pois, sobretudo na linha tradicional, o eu do indivíduo é bombardeado a fim de que possa alcançar “sua plena realização como pessoa”. É bem verdade que na onda “liberal renovada” são os interesses e necessidades do aluno que devem ser levados em conta, todavia, os mesmos hão de se ajustar ao meio. A “liberal tecnicista” enreda o sujeito nos interesses da sociedade industrial. No tecnicismo, afirma Libâneo, acredita-se que a realidade contém em si suas próprias leis, bastando aos homens descobri-las e aplicá-las”.

Vejamos como cada linha (LIBÂNEO,2000) se manifesta, a partir dos seguintes aspectos: a) Papel da escola; b) Conteúdos de ensino; c) Métodos; d) Relacionamento Professor aluno; e) Pressupostos de aprendizagem e f) Manifestações na prática escolar.

1) Tendência liberal Tradicional

a) Papel da escola – Cuidar da cultura, nada de questões sociais, todos devem trilhar os mesmos caminhos na busca do conhecimento.

b) Conteúdos de ensino – aquilo acumulado pela história oficial e repassado como verdade. Os conteúdos são repassados da experiência do aluno.

c) Métodos de ensino – Exposição centrada no professor. Conforme Libâneo, eis os passos: a) preparação do aluno (definição do trabalho, recordação da matéria anterior, despertar interesse); b) apresentação (realce de pontos chave, demonstração); c) associação (combinação do conhecimento novo com o já conhecido por comparação e abstração); d) generalização ( dos aspectos particulares chega-se ao conceito geral, é a exposição sistematizada);

e) aplicação (explicação de fatos adicionais e /ou resoluções de exercícios). A ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulas na memorização visa disciplinar a mente e formar hábitos.

d) Relacionamento professor/aluno – Predomina a autoridade do professor, sem que exista comunicação no decorrer da aula. È disciplinador.

e) Pressupostos da aprendizagem – É receptiva, é mecânica.Repetem-se exercícios sistemáticos e recapitulam-se as matérias. É necessário treinamento. Avalia-se para verificação de curto prazo (interrogatórios orais, exercícios de casa) e de prazo maior ( provas escritas, trabalhos de casa). O reforço quase sempre é de cunho negativo (punição, notas baixas, apelo aos pais).

f) Manifestação na prática escolar – Não há dúvida, esse tipo de pedagogia se encontra vivo e atuante nas escolas brasileiras.

2) Tendência Liberal renovada Progressista.

a) Papel da escola – Adequar as necessidades do aluno ao meio social. Deve preparar o sujeito para a vida.

b) Conteúdos de ensino – O sujeito deve “ aprender a aprender, pois suas vivências devem ser respeitadas e adaptadas à realidade social”.

c) Métodos de ensino – Diz Libâneo: “A idéia de “aprender fazendo” está sempre presente. Valorizam-se as tentativas experimentais, a pesquisa, a descoberta, o estudo do meio natural e social, o método de solução de problemas”.

d) Relacionamento professor/aluno – O professor não ocupa um lugar privilegiado. A vida grupal, com seus limites, serve de referência disciplinadora.

e) Pressupostos da aprendizagem – Aprender é algo de descoberta, é auto-aprendizagem. Avaliar é reconhecer os esforços e os êxitos dos alunos.

f) Manifestação na prática escolar – Sua aplicação é rara no sistema. Temos algumas experiências com o método montessori, Derroly, Dewey e Piaget.

3) Tendência Liberal Renovada Não-Diretiva.

a) Papel da escola – Centra-se mais nos problemas psicológicos do que pedagógicos ou sociais. Interessa-se na formação de atitudes. O indivíduo deve mudar a fim de se adequar ao ambiente.

b) Conteúdos de ensino – A transmissão de conteúdos não é prioridade. Afinal, são os processos de desenvolvimento das relações e das comunicações que nos interessem.

c) Métodos de ensino – Cabe ao professor trabalhar seu estilo próprio a fim de melhor facilitar a aprendizagem.

d) Relacionamento professor/aluno – O aluno é o centro, pois a escola deve visar à formação de sua personalidade. Cabe ao professor estabelecer um “clima de relacionamento pessoal e autêntico”. Nada de internação.

e) Pressupostos de aprendizagem – A motivação é ato interno, se o aluno se sentir capaz de agir a fim de atingir seus objetivos pessoais, a motivação irá aumentar. Privilegia-se a auto-avaliação.

f) Manifestação na prática escolar – Está presente mais na formação de orientadores educacionais, C. Rogers é o grande mentor.

4) Tendência Liberal Tecnicista.

a) Papel da escola – Cabe à escola modelar o sujeito, através de técnicas específicas, para a sociedade.

b) Conteúdos de ensino – Tudo aquilo que estiver segundo os princípios ideológicos, científicos, estabelecidos por especialistas. Deve-se eliminar a subjetividade.

c) Métodos de ensino – Nos termos de Libâneo, consistem nos procedimentos e técnicas necessárias ao arranjo e controle das condições ambientais que assegurem a transmissão/recepção de informação.

d) Relacionamento professor/aluno – É hierarquizado. O professor ensina e o aluno aprende. Debates, discursos e questionamentos são dispensáveis.

e) Pressupostos de aprendizagem – Aprender é modificar o desempenho. O ensino nada mais é “do que um processo de condicionamento”.

f) Manifestação na prática escolar – Teve grande influência a partir da década de 60, com o golpe militar.

Essas quatro pedagogias – tradicional, renovada progressista, renovada não-diretiva e tecnicista – sustentam a configuração de uma sociedade como a nossa. Nosso modelo – “Social Liberal Conservador” - , quando muito, permite uma espécie de “renovação” interna, cosmética, propalando certa equalização por puro cinismo, com o intuito de manter o sistema exatamente como deve ser mantido.

Por outro lado, movendo as águas pedagógicas, levantam-se três tendências progressistas. Saliento que por progressista entendo aquela teoria pedagógica que parte de uma leitura crítica das realidades sociais e defende as finalidades sociopolíticas da educação. É de fundamental importância, conforme assegura Libâneo, estarmos conscientes de que “a pedagogia progressista não tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista; daí ser ela um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais.

1. Tendência Progressista Libertária.

a) Papel da escola – À escola cabe exercer “uma transformação na personalidade dos alunos no sentido libertário e autogestionário”. As modificações institucionais devem ocorrer dos níveis mais baixos para os demais segmentos do sistema.

b) Conteúdos de ensino – As matérias são apenas um instrumento a mais, pois o importante é aquilo que vem da chamada “vivência crítica”.

c) Métodos de ensino – Segundo Libâneo, “é na vivência grupal, na forma de autogestão, que os alunos buscarão encontrar as bases satisfatórias de sua própria “instituição”, graças à sua própria iniciativa e sem qualquer forma de poder”.

d) Relação professor/aluno – O professor deve se colocar a serviço do aluno, sem impor suas idéias, sem manipulá-lo. O professor é apenas um orientador, mistura-se aos grupos para reflexão comum. A pedagogia libertária recusa qualquer forma de poder ou autoridade.

e) Pressupostos de aprendizagem – Tudo deve ser trabalhado a partir da vivência grupal. No dizer de Libâneo, “somente o vivido, o experimentado é incorporado e utilizado em situações novas. Em termos de conteúdos não faz sentido qualquer forma de avaliação”.

2. Tendência Progressista “Crítico-Social Dos Conteúdos”.

a) Papel da escola – Difundir conteúdos vivos, concretos, ligados às realidades sociais. Preparar o cidadão.

b) Conteúdos de ensino – Conteúdos culturais reavaliados constantemente à luz das realidades sociais.

c) Métodos de ensino – Partem “de uma relação direta com a experiência do aluno, confrontada com o saber trazido de fora”. Há uma unidade entre teoria e prática.

d) Relação professor/aluno – Há intervenções do professor, num processo dialético, buscando conduzir o aluno “a acreditar nas suas possibilidades, a ir mais longe, a prolongar a experiência vivida”.

e) Pressupostos de aprendizagem – A aprendizagem depende tanto do aluno, quanto do professor, quanto do contexto. Aprender, diz Libâneo, dentro da visão da pedagogia dos conteúdos, “é desenvolver a capacidade de processar informações e lidar com os estímulos do ambiente, organizando os dados disponíveis da experiência”.

3. Tendência Progressista Libertadora

a) Papel da escola – A marca da pedagogia libertadora é a chamada atuação “não-formal”. Mas, Brasil afora, vários professores vêm aplicando os pressupostos dessa linha pedagógica. A Educação Libertadora é eminentemente crítica. Questiona tudo aquilo que envolve as relações do homem. Nas palavras de Libâneo, quando se fala em educação em geral, diz-se que ela é uma atividade onde professores e alunos, mediatizados pela realidade que apreendem e da qual extrapolam o conteúdo de aprendizagem, atingem um nível de consciência dessa mesma realidade, a fim de nela atuarem, num sentido de transformação social.

b) Conteúdos de ensino – São extraídos da realidade prático-existencial dos educandos. São descartados os conteúdos tradicionais.

c) Método de ensino – Por excelência, é o dialético, através dos grupos de discussões que devem dar a autogestão dos mesmos, definindo o próprio conteúdo e ritmo das atividades. O professor é apenas uma espécie de animador intervindo apenas o significativamente necessário, deve estar sempre em nível dos alunos. O vivido deve ser trabalhado a partir de um olhar crítico-analítico composto dos seguintes passos: codificação – decodificação e problematização da situação.

d) Relacionamento professor/aluno – Toda a relação se dará de forma horizontal, pois tanto o educador como o educando devem ser sujeitos no processo de conhecimento. Não deve haver nenhuma relação de autoridade.

e) Pressupostos de aprendizagem – É a situação–problema que deve gerar a motivação. Aprender vincula-se a atos de conhecimentos concretos, são realidades vividas pelo educando que devem ser um “processo de compreensão, reflexão e crítica.” A única avaliação possível é aquela voltada para a “prática vivenciada entre educador-educandos no processo de grupo e, às vezes, a auto-avaliação feita em termos de compromissos assumidos com a prática social”.

f) Manifestações na prática escolar – As formulações teóricas de Paulo Freire estão voltadas para a chamada educação de adultos ou educação popular, isto, é óbvio, não tem impedido que muitos professores vêm tentando exercitá-las em várias partes do Brasil.

Frente ao exposto, uma certeza: concebe-se avaliação dentro de uma perspectiva filosófica sobre educação. Ora, avaliar é um processo que ocorre sempre envolto a uma escala de valores, ou melhor, é um fenômeno interpretativo. Ninguém duvida, imagino, de que se trata apenas de um meio, e isso requer um fim (tenhamos ou não consciência dele). Se temos que avaliar a aprendizagem do aluno, a grande pergunta é: a partir de que pressupostos estou avaliando? Afinal, o que penso sobre o homem? E sobre vida? E sobre conhecimento? E sobre felicidade? E sobre o pensar certo? E sobre divinizar ou diabolizar certo método? E sobre a justa ira? E por aí vai.

Na ótica progressista, saber avaliar não é testar se houve mera transferência de conhecimento, mas ser capaz de perceber as possibilidades criadas na direção de uma vida social de fato digna, onde eu me construo numa construção social. Minha presença no mundo, diz Paulo Freire, não é a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da História, considerando também o outro.

Avaliação libertadora não é só um evento, digamos, um estado de coisas, é também um salto. Trata-se de uma avaliação que protesta ( contra toda e qualquer forma de exploração) e uma avaliação que desperta ( desperta para uma outra forma de organização social mais justa, menos feia). Por isso, ela não é metafísica na qual há uma essência individual a ser perseguida. Na avaliação, segundo leitura freireana, nos interessa sim “a elevação da consciência coletiva realizada concretamente no trabalho (interação) que cria o próprio homem”, o futuro, pois, é um projeto coletivo. Na avaliação Libertadora a questão nodal é o homem enquanto sujeito político. Daí repudiarmos a idéia de avaliação “tranqüila”, se tal ocorre, sem dúvida, estamos testemunhando reflexos de repressão. Numa práxis progressista, toda avaliação é conflitante, não se barra a resistência, não se sufoca a criatividade, pois “a tensão e o conflito geram a mudança e o progresso cultural”.

No pensamento de Paulo Freire, avaliar é ato transformador, logo, é práxis. Não basta reformar (ainda que isso possa ocorrer em campos nos quais predomine a lógica do poder). Ouso mesmo dizer que em Freire a avaliação é uma espécie de “re-existenciamento” crítico do processo oportunizando a todos (professor/aluno) melhor saberem a fim de melhor viverem. Portanto, sabermos que relações de sentidos o aluno estabelece com as coisas, os eventos, enfim, os fenômenos, o que ele já conhece e o que o novo conhecimento significa realmente para ele, é avançarmos desvelando paradigmas e instaurando outros deveras comprometidos com novas auto- realizações.

Para o mestre (Paulo Freire), a verdadeira avaliação é aquela onde professor e aluno caminham juntos, problematizam os fatos (a realidade) e agem visando à transformação libertária. No bojo de tudo está a nossa dignidade humana, por isso somos todos aprendizes. Afinal, qual o grande sonho de Paulo Freire? O sonho de Paulo Freire, diz Moacir Gadotti, foi unir as pessoas numa sociedade de iguais. Para isso é preciso desburocratizar o conhecimento e trabalhar mais com vínculos, com relações interpessoais. Não é, portanto, à toa que o motor da história seja, para ele, como para nós progressistas, o conflito e a única forma saudável de superarmos tal estado o diálogo.

Avaliar para liberdade é testar nossa capacidade de “estranhamento”, é nos exercitarmos amiúde numa pedagogia da indignação, da revolta sem frustração. É sabermos que uma genuína avaliação ocorre para muito além de manuais, para muito além de leituras teóricas. Ao falar de estranhamento, quero lembrar o seguinte: é profundamente lamentável que poucos percebam o quanto de malandragem ocorre nas pedagogias conservadoras no sentido de naturalizarem o que não devia ser natural (refiro-me às nossas desigualdades). Portanto, avaliar não é algo apenas de cunho pedagógico, menos ainda teórico; em essência, trata-se de um fenômeno construído político-economicamente.

Numa avaliação nos moldes liberais – “bancária” – o educando não tem alternativa, seu único dever é repetir o que lhe for transmitido sem refazer criticamente nada. No dizer de Paulo Freire: “os alunos têm de se dotar de uma consciência continente a receber permanentemente os depósitos que o mundo lhe faz, e que se vão transformando em seus conteúdos”. Ora, cabe ao professor verificar os “conhecimentos” depositados no aluno, nada de questionamentos quer de conteúdos, quer formais.

São esclarecedoras as palavras de José Eustáquio Romão : “com uma concepção educacional “bancária” desenvolvemos uma avaliação “bancária” da aprendizagem, numa espécie de capitalismo às avessas, pois fazemos um depósito de “conhecimentos” e os exigimos de volta, sem juros e sem correção monetária, uma vez que o aluno não pode a ele acrescentar nada de sua própria elaboração gnosealógica, mas repetir o que lhe foi transmitido. Desenvolvemos a “pedagogia espetacular”, na qual os alunos devem se limitar a expelir pálidos reflexos do que é o professor enquanto sujeito epistemológico”.

Por outro lado, conforme já acentuamos, a avaliação libertadora, problematizando as realidades, re-faz o caminho andando num processo de substantividade democrática. Conforme mestre Romão, “ a avaliação deixa de ser um processo de cobrança para se transformar em mais um momento de aprendizagem, tanto para o aluno quanto para o professor – mormente para este se estiver atento aos processos e mecanismos de conhecimento ativados pelo aluno, mesmo no caso de “erros”, no sentido de rever e refazer seus procedimentos de educador”.

Se de um lado temos aquele tipo de avaliação centrada no que é ( a estrutura, o produto, aquilo que existe), do outro, despontam as propostas construtivistas ( a mutação, o devir, o processo). Todavia, a avaliação libertadora se utiliza dos dois pólos. Vejamos o que nos ensina Paulo Freire: “o ponto de partida deste movimento está nos homens mesmos. Mas, como não há homens sem mundo, sem realidade, o movimento parte das relações homem-mundo. Daí que este ponto de partida esteja sempre nos homens no seu aqui e no seu agora que constituem a situação em que se encontram ora imersos, ora emersos, ora insertados. Somente a partir desta situação, que lhes determina a própria percepção que dela estão tendo, é que podem mover-se. E, para fazê-lo, automaticamente, é necessário, inclusive, que a situação em que estão não lhe pareça algo fatal e intransponível, mas como uma situação desafiadora, que apenas os limita”.

Salta aos olhos o fato de que superar a realidade existente só é possível pelo viés da dialética, do contraditório. Assim, se pensarmos numa avaliação “promocional” – passa-se ou se é reprovado – pode ser um grande entrave no que toca às transformações. Nos termos de Eustáquio, “para os que se inserem no universo dialético, a liberdade começa, isto é, o homem se torna sujeito de sua própria História, no momento em que lê o mundo e reconhece a correlação de forças políticos. Assim, a liberdade não nega a necessidade histórica, mas constrói-se a partir de seu reconhecimento”.

Finalizo estas breves reflexões com um grito de Paulo Freire: “Um dos piores males que o poder público vem fazendo a nós, no Brasil, historicamente, desde que a sociedade brasileira foi criada, é o de fazer muitos de nós correr o risco de, a custo de tanto descaso pela educação pública, existencialmente cansados, cair no indiferentismo fatalistamente cívico que leva ao cruzamento dos braços. “Não há o que fazer” é o discurso acomodado que não podemos aceitar”. Por isso, dispara o mestre: “A esperança é necessidade ontológica, a desesperança, esperança que, perdendo o endereço, se torna distorção da necessidade ontológica. Não sou esperançoso por pura teimosia mas por imperativo existencial e histórico. Precisamos da esperança crítica, como o peixe necessita de água fria”.

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