O PERIGO DE ESCREVER

Andava El-Rei D. Manuel a redigir minuta para esclarecer certa matéria a Sua Santidade e, não conhecendo melhor modo, rogou ao Conde de Sortilha D. Luís da Silveira, que elaborasse outra; lendo-se ambas, escolher-se-ia a melhor.

Acordou o Conde e elaborou texto com arte e boa diplomacia.

O Rei ao conhecer a missiva de D. Luís escusou-se a mostrar a Sua, pois a considerava inferior.

Apressou-se D. Luís da Silveira levar a nova aos filhos, aconselhando-os que buscassem trem de vida e não aguardassem mercês reais, já que Sua Majestade acabara de reconhecer que era menos capaz do que ele.

Esta curiosa historieta, narrada por D. Francisco Rodrigues Lobo, na “ Corte na Aldeia”, adverte-nos para o perigo de escrever, principalmente quando se exprime opinião.

Se o articulista difere do parecer do leitor, é imediatamente etiquetado de estúpido, faccioso e retrógrado e mimoseado de verrinas do mesmo quilate.

Os que trabalham num jornal local sabem que expressar opinião acarreta, muitas vezes, dissabores incontornáveis, e raro é não se perder assinantes e anunciantes.

Por sua vez o jornalista de periódico nacional, conhece o colete-de-forças que o coagide a dizer, livremente o que pensa. As pressões chegam de dentro e fora da redacção.

Conheci cronista de certa gazeta que, alcançando prestigio viu-se zombeteado pelo chefe da repartição onde trabalhava. Sempre que se enganava nas contas, ouvia o remoque: “ A única coisa que sabe fazer é escrever na folha de couve! …”

Também eu fui vitima por ser colunista do jornal da minha cidade. No local de trabalho era abordado por colegas e até gestores que reprovavam pareceres que defendia nas crónicas.

Deus sabe se não foram esses comentários que me apartaram definitivamente de grupos de influência, que facilitariam oportunidades de ascensão na carreira.

Humberto Pinho da Silva
Enviado por Humberto Pinho da Silva em 10/07/2010
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