Apóstolos cansados
APÓSTOLOS CANSADOS
Na vida, todos estão sujeitos ao cansaço. Até os apóstolos. As longas caminhadas, expostos ao sol, à chuva, e às pedras da estrada, os debates e diatribes, tudo vai se acumulando para que num determinado ponto do caminho, mesmo o apóstolo mais disponível e mais ferrenho se sinta cansado e até desestimulado. Pois “apóstolos cansados” foi o título de um interessante livro que o Neimar escreveu na década de 70.
Sabedor da limitação humana de seus amigos, o Mestre, volta e meia, fazia umas paradas para aliviar a tensão do grupo, reunindo-se com eles: “Venham e descansem um pouco!” O cansaço físico, porém, não se compara à exaustão psicológica. Há dias fui dar uma conferência, sobre “religiões orientais” em um mestrado de sociologia em uma faculdade do Rio de Janeiro. Havia ali gente de todas as crenças, uns, inclusive, fanáticos, fundamentalistas, agressivos.
Depois de hora e meia de um debate (quase confronto), expondo minhas idéias, na terrível diatribe da esgrima teológica, saí de lá cansado, esgotado, como se tivesse enfrentado um “faixa preta”, tamanho o esforço físico despendido. Esse cansaço, porém, um dia depois, havia passado. Pior é o cansaço do espírito.
Deus não cansa ninguém. Algumas pessoas, autênticas “malas” é que conseguem, em função de sua forma equivocada de agir, popularmente falando, “encher o saco”. Os apóstolos não ficam cansados de Deus, do serviço ou da missão. Não, isso não cansa! Pelo contrário, revigora e impele à frente. O que cansa são as incompreensões, os ciúmes, o autoritarismo de alguns, a censura, a inveja daqueles que gostam de dominar e mandar sem saber fazer as coisas.
Irrita igualmente a superficialidade de quem tem medo de se comprometer. Coisa desagradável também é a mediocridade. Essas atitudes, infelizmente encontradas em algumas comunidades é que cansam.
Dizem que a pior inveja é a “apostólica”, aquela urdida no interior das comunidades, por quem nos chama de irmão, ou dentro de um grupo que se dizia motivado por um ideal maior. Isso, por não ser cristão nem evangélico, é que cansa. Vasilhas desse porte, como diz a maldição do profeta, racham e perdem a água. Rezo para que algo assim, como volta e meia se presencia, vá aos poucos se diluindo.
Intrigas desse tipo, motivadas pela inveja, lançaram o profeta Daniel na cova dos leões. A trama urdida pelos cortesãos foi mais forte que a simpatia que o rei tinha pelo jovem profeta. Roído pelo remorso, o rei não dormiu nem quis papo com as concubinas.
Pela manhã foi ver os restos de Daniel. O profeta estava vivo, no meio das feras. “Meu Deus enviou um anjo que fechou a boca dos leões” (Dn 6, 23). Aos que, decepcionados com as traições dos irmãos, demonstram cansaço, vale o dito do profeta: “Pobre do homem que deposita sua confiança em outro homem!” (Jr 17, 5).
Há que se confiar só em Deus. Ele nunca falha. Quando os homens fecham uma rua, Deus abre cem avenidas, onde há trabalho de sobra, para carregar os indiferentes, motivar os tíbios, converter os vacilantes, dobrar os autoritários e dar testemunho de justiça, misericórdia e fidelidade ao Deus da vida. Sempre há trabalho e espaço; mesmo para apóstolos cansados.
Doutor em Teologia Moral