A ARTE DO BOM VIVER

Sempre ouço as pessoas dizerem: “eu não estou me suportando!” Estive pensando na profundidade dessa fala, que é proferida em momentos de alguma situação que não foi administrada de maneira equilibrada. Esse “eu não estou me suportando” é sintomático e precisa ser observado com mais atenção pelo seu arauto. Vivemos no mundo dos olhos, e somos atraídos pelas coisas, pelos outros, pelas situações...; o produzir é a tônica, o número produzido é insuficiente, meu esposo, minha esposa, meus filhos, eles precisam de coisas; o nosso tempo é consumido em benefício dos outros, isso é muito bom, mas em excesso faz um mal terrível para a saúde emocional! Chega o ponto da pessoa não se suportar. Na concorrência do dia a dia, não há tempo para melhorar o meu interior, o homem não tem mais tempo para a contemplação do seu mundo interior, da Divindade, da família, da poesia etc. Não mais é buscado o equilíbrio emocional, espiritual. Jesus disse: “não andeis ansiosas pela vossa vida, quando que haveis de comer ou beber, nem pelo vosso corpo quanto que haveis de vestir... observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; Contudo vosso pai celeste as sustenta” (Mt 6.25,26). A preocupação, a ansiedade rouba a paz e escraviza seres humanos, destruindo relacionamentos preciosos. Por que há violência em todos os lugares? Briga-se por qualquer motivo, desde um pequeno susto no trânsito a um prato colocado sobre a mesa após a refeição, em vez de colocar na pia. Tudo leva casais e filhos, parentes e vizinhos à briga.

O desprezo pela qualidade de vida interior abrange todas as faixas-etárias da vida do homem moderno. Atinge o idoso, o adulto e também o moço... O idoso não suporta a vida, não sabe viver a beleza e a ternura na velhice, nunca aprendera a viver o si mesmo. O que mais é visto, são idosos depressivos, sem perspectiva de vida, sentindo inútil, sentindo como objeto de depósito, simplesmente descartável. Apelando a todos que conceda um pouco de atenção. Passa-se a juventude e a idade madura buscando paz e harmonia nas coisas, nas conquistas de patrimônio, nas empreitadas acadêmicas, mas jamais é gasto tempo buscando uma harmonia interior. Como diz o poeta “o tempo não pára”, como ele não pára chega-se à velhice e na última fase da vida é tirada do homem aquilo que mais ama. Tira o trabalho, o cônjuge, os filhos saem para os seus vôos. O que sobra para o dia-a-dia? Sobra apenas a alma. As pessoas têm aprendido a viverem consigo durante o decorrer da vida? Por certo a maioria não aprendera a arte, a sabedoria de viver bem consigo mesma, quando não tem elementos externos que os satisfaçam.

O verdadeiro significado do mundo interior se torna mais claro quando começamos a perceber que quase tudo que se faz, cada reação, cada decisão que tomamos, cada relacionamento que firmamos, é resultado final de nossas características interiores e da nossa dinâmica interior. Tudo é controlado pelos enormes sistemas de energia que nos impulsionam de dentro, que determina a maior parte do que pensamos e fazemos.

A pós-modernidade roubou do homem a observância das pequenas coisas. Olhar a folha seca em decomposição para logo mais alimentar uma árvore verde, é coisa de gente utópica e ociosa que não tem objetivo na vida, enfim, gente que não produz. Esse tipo de comportamento não cabe nesse mundo acelerado. Mas do que a alma se alimenta? Alma alimenta de abstrações, de imagens, como diz Jung acerca dos arquétipos (imagens da nossa origem).

Mas o que fazia João Batista no deserto? Nos lugares áridos, nas estepes tórridas? O que fez Moisés nos seus quarenta anos guiando as ovelhas do seu sogro? Quais as vozes ouvidas por estes homens? João Batista acordava sentindo cheiro de terra e mato, isto o embevecia, porque estava preparando para colher o seu café matinal, ouvia o barulho típico das abelhas, misturado ao cheiro de mato. “O homem do terceiro milênio, vivendo em aglomerados urbanos não pode perder o seu tempo em tais abstrações. Auto-reflexão é para gente de índole ociosa, não é coisa de gente produtiva”. Esse pensamento produz gente que faz mal para si mesmo e para a sociedade que vive.

As ocupações; as lides diárias visa a aquisição de bens utilitários, não deixam o homem interiorizar-se, o travesseiro não é mais usado, não há mais diálogo com a alma. Quem não conversa com a sua alma tem o que para conversar como os outros? Há um medo pavoroso em ouvir o que o homem interior está comunicando. Os ruídos das muitas atividades atrapalham e não deixa o homem exercitar a contemplação.

O maior homem que viveu neste olho de sol tinha a contemplação como tarefa do dia. Jesus tinha a capacidade de largar qualquer labor para poder contemplar a Deus, o criador. Lucas nos informa que Jesus curou um leproso e uma grande multidão o assediava, todos queriam falar com Ele, buscando uma solução para os seus problemas. Jesus deixa toda aquela multidão e “... se retirava para locais ermos, solitários e orava” (Lc 5.16). Numa outra oportunidade, estava ele orando com os discípulos. Jesus em profunda reflexão pergunta aos seus seguidores: “Quem dizem ás multidões que eu sou?” (Lc 9.18). O carpinteiro da Galiléia Sabia quem Ele era? Foi por isso que Ele não se perdeu na sua caminhada e nos seus propósitos. Também nunca perdeu o equilíbrio, mesmo em situações adversas, que exigiu controle e equilíbrio emocional pleno.

João, o evangelista observa que Jesus tinha posse do auto-conhecimento, quando diz: “Eu sou o filho do homem que falo contigo (9.37). “Eu sou a porta, entre por mim, e seja salvo...” (10.9); “Eu sou o bom pastor e conheço as minhas ovelhas...” (10.14). Cristo tinha a capacidade de olhar os lírios do campo e vibrar com tão magnânima visão, que as coisas, os artigos de luxo, o último lançamento da marca famosa por certo não o tentaria, não O fascinava. Eram perecíveis; a oxidação consumir-nas-iam. Ele penetrava no seu universo, no universo de Deus, através da contemplação das coisas criadas. Os céus, as plantas, os animais... a oração e a reflexão.

Viver bem, é prioridade, precisa tratar o mundo interior, com zelo e carinho hoje, com vista o se suportar, mesmo quando tem só o Si mesma.

CIRLON - "O AMIGO QUE SE IMPORTA"