NOSTRO NONNO...*

Ao contrário do privilégio de meus filhos, que possuem uma única bisavó viva, conheço meus bisavôs estrangeiros somente por intermédio de duas fotos. Um português, outro italiano. Guardo bem estas fotos, como duas preciosidades. A de meu bisavô português se acha quase apagada nas nuances em preto e branco, de tão antiga; ele com meu falecido avô pequenininho, lá em Portugal. A de meu bisavô italiano é mais nítida. Ele, minha bisavó brasileira, um bandinho de crianças em volta.

Antonio Olivieri - eis o nome! É tudo que me restou dele! Fazendeiro naqueles tempos idos, bem vestido para a foto, como era costume neste passado enevoado; bigode farto e grandes olhos claros, ele parece me olhar detrás da moldura envelhecida com um certo ar de surpresa de quem diz: Chi sei tu? Sei uno dei miei pronipoti brasiliano?!! "Quem é você? É uma de meus bisnetos brasileiros?!"

Lamento não ter podido conhecer de perto estes meus bisavós. Um de meus avôs desencarnou já com noventa e um anos, portanto a distância entre gerações se fez enorme! E é por isto, talvez, que me deliciei esta semana com uma cena de novela que me comoveu para além do que se pedia - de resto interpretada e valorizada pela nossa grande dama da dramaturgia, Fernanda Montenegro! Em Passione, novela Global das nove horas da noite, Beth, a matriarca brasileira em viagem à belíssima região da Toscana italiana para enfim conhecer o filho já com mais de cinquenta anos, depara com todo o resto daquela parte de família desconhecida: bisneto pequeno, netos já homens - que, e ao contrário do filho propriamente dito, Totó, interpretado com virtuosismo idêntico por Toni Ramos, a recebem com festa e muito bem, a despeito de até então não conhecê-la!

Foi nisto, pois, que, para mim, residiu todo o encanto da cena! Na reação desapegada e enternecedora daqueles jovens!

Sei, doutra feita, que em se tratando de italianos a cena em si não poderia ter sido mais fidedigna. Porque há pouco tempo um meu tio italiano descobriu também possuir irmãos na Itália que ainda não conhecia. Viajou, e em seguida soubemos com o seu relato: os irmãos desconhecidos fizeram uma festa com a sua chegada! Reação idêntica! Não importou ali como, quando, onde, por que se dava a existência de mais irmãos - de mais aquele irmão! O vínculo importante existia, e pronto! O passado não veio ao caso, e então tudo que fizeram foi celebrar! Um regalo!

Verdadeiramente surpreendente, encantador!

Assim como na cena de Passione. Não importou àqueles jovens simples, gente dos campos toscanos, a carga dramática que havia por detrás da história daquela nonna brasiliana, para que só agora viessem a conhecê-la! Ela existia, e estava ali de improviso para conhecê-os também e visitá-los de surpresa - eis tudo! Assim, entusiasmaram-se com a novidade. O pequenino bisneto fez desenhos para ela trazer de lembrança ao Brasil. Os netos homens a convidaram logo para um delicioso lanche. Fizeram-na provar o queijo saboroso da região. E Beth, emocionadíssima por detrás de seu porte sempre nobre e altivo, ia aceitando com simplicidade e afeto as homenagens e mimos - sob a perplexidade algo contrariada do próprio filho, ainda sem saber como lidar com acerto com a novidade daquela mãe desconhecida. Até o momento em que a matriarca daquela pequena família italiana, Gema, chega na casa e, com desagrado e demonstrações descorteses, enciumada, praticamente expulsa a indesejada intrusa do ambiente familiar que entende inviolável.

Só que depois, aconselhado por Adamo, o filho mais velho, o próprio Totó sai em busca da mãe biológica rejeitada, numa tentativa de ainda se despedir dela antes que tome o rumo de volta ao Brasil. E fracassa na tentativa. Vê o carro já indo longe do hotel onde ela se hospedara, se distanciando. E as lágrimas sentidas de remorso banham os seus olhos...

Como seria bom que todos na vida reagissem como aqueles netos de Totó, Alfredo e Adamo! Como reagiram aqueles irmãos novos de meu tio Franco! Encanto e surpresa diante do novo! Novos parentes! Uma boa novidade - e nem supunhamos que existissem! Presentes da vida! De modo algum razão para ciúmes e possessividade doentia! Mas, infelizmente, a humanidade tende a reagir a estas surpresas do destino, no mais das vezes, da forma mais equivocada. Os clãs fechados. Ninguém mais entra! Somos suficientes!

Afinal, o novo sempre ameaça. Assusta! Há todo um contexto familiar bem estabelecido. Há situações já assentadas, cômodas. Algo novo que aparece pode produzir um efeito semelhante ao que acontece quando se cutuca um formigueiro!

Assemelha-se um pouco às reações de crianças diante de um bolo. O bolo será dividido entre seis crianças. Seis fatias. Quantidades de doces suficientes para cada uma. Eis que de repente novas crianças inesperadas irrompem porta adentro, e a sensação nalguma delas é a de que não haverá bolo e doces suficientes para todas, mais. Alguém ali sairá perdendo!

Crianças intrusas! Por que tinham que aparecer?!!...

Mas o fato é que nunca faltam doces ou bolo. A mãe de família e dona da festa sempre é previdente. Há mais de um bolo, ou o bolo é grande o suficiente. Doces demais! Haverão, inclusive, de sobrar! A proficiência da Vida, amigos, portanto, também atua, infalivelmente, desta maneira!

Num Universo rico de Vida como este, do qual somos partes tanto únicas quanto importantes, a Providência por vezes parece nos situar diante destas armadilhas para que coloquemos à prova a nossa largueza de vistas. Para que nos tornemos mais e mais "elásticos" em relação ao manancial insuspeitadamente infinito de nossa afetividade! Mais irmãos! Mais primos! Parentes novos com um casamento! Amigos novos! Colegas de trabalho recém chegados! Animais de estimação, há um ano atrás imprevistos!...

A lista não tem fim!...

A Vida não se farta de nos oferecer, através da eternidade, oportunidades de consolidar laços de afetividade dentro e fora do universo familiar consanguíneo - todavia, quantas e quantas vezes não insistimos em reagir como a enciumada irmã italiana de Totó?! A mãe biológica?! Mas ela haverá de me roubar o meu figlio! Eu fui a verdadeira mãe! A que criou!

O irmãozinho novo que nasce?! Para quê?! A afetividade dos pais entra em jogo! Os brinquedos não serão mais só para mim! O quarto! As atenções! E no entanto pais habilidosos haverão de ensinar ao primogênito birrento que o manancial de amor é infindo, inesgotável, e se estenderá de maneira justa para quantos filhos vierem!

Nada faltará a ninguém!

Novos irmãos que aparecem; parentes que vão surgindo nas circunstâncias ao longo da rotina de convivência familiar. Filhos que se casam; noras e genros que chegam. Pais ou filhos adotivos. Irmãos ou tios por afinidade. Mães de aleitamento. Duas mães de crianças acidentalmente trocadas em maternidades. Padrastos e madrastas. Parentes estrangeiros que subitamente são conhecidos...

Tudo oportunidade de se oferecer e trocar mais e mais afetividade! De se descobrir novas afinidades; chances insuspeitadas de vivências enriquecedoras para o nosso universo íntimo! Hora única de se expandir ao infinito o nosso potencial para oferecer e receber amor!

Que pena, não ter conhecido aquele "mio nonno" (meu avô)!

*Título: Nosso Avô.
Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 20/06/2010
Código do texto: T2331021
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