VISÕES E PRIORIDADES (Opinião)
Quando fui menino ensinaram-me o valor do azul. Como bom aprendiz, passei a conquistar outras cores, como o verde, que alcancei, deitado no chão, para ganhar a copa das árvores. Liguei-me tanto à experiência de olhar para cima que, reconheço, perdi o interesse pelas coisas pequenas - às vezes necessárias, outras vezes mesquinhas - da vida. Mais do que brinquedos, eu só via as estrelas. O céu. As nuvens. O mar...
É por isso que hoje não me encantam nem marcas, nem aparências. Vivo das belezas da Ilha. Adivinhei-as nas savanas de África, embora fosse um menino de cidade. E, na urbe onde eu nasci, havia tudo o que Lisboa não tinha e as dimensões do país eram tão grandes que poucas Ilhas esgotariam o percurso entre algumas cidades.No entanto, era lá que cresciam pitangas, as goiabeiras floresciam também no quintal e as gaitinhas, com outro nome, enchiam igualmente os muros.
Apresentaram-me, também, fadas que aniquilavam bruxas e sapos que se transformavam em príncipes. Não admira que eu, da vida, tenha conquistado sonhos que "ninguém" alcança e perdido vitórias ganhas por (quase) todos: há divergências entre a ilusão que nos alimenta e a realidade, complexa e por vezes dura. Por isso, talvez fosse importante não pintarmos um Mundo exageradamente idílico às crianças: podemos correr o risco de as tornarmos demasiadamente particulares, face à Sociedade que as espera.
Na Ilha encontrei, outra vez, um céu bem azul, límpido, repleto de estrelas. Por isso a amei. Mas as pessoas raramente olham para a distância: preocupam-se mais com o imediato, as marcas do vestuário e a vida de terceiros. Preferem pendurar a Natureza numa parede da sala do que conquistá-la com os sentidos.
Na Ilha, o mar bate, areia (quase) não há, mas é no calhau rolado que a voz do oceano tem outro sabor. Haverá ilhéu que não goste do mar? No entanto, quantos se vestem de ondas e ganham asas, em busca de paz, nas longínquas Desertas? É por isso que também não se devem dar ilusões bonitas às crianças, se nós, que somos adultos, não acreditarmos nelas.
No entanto, os seres crescem e os valores vão-se perdendo, com outra filosofia, uma vez que, «agora», somos europeus. Temos que forçar os açorianos a produzirem menos leite e somos obrigados a pagar aos nossos pescadores para ficarem em terra. Deixamos que qualquer inculto entre numa escola e insulte um professor. Permitimos que qualquer mal formado envie um e-mail, pondo em causa a vida pessoal de terceiros e não somos capazes de enxotar a bilhardice: pelo contrário, alimentamo-la, com prazer maquiavélico.
No século XXI, a evolução necessária ainda não acontece. No entanto, fingimos ser tolerantes. Afirmamos não ser preconceituosos. Nenhum de nós dirá que não renega a pobreza. Mas nunca acreditámos tão pouco nos outros. Cá dentro, permanecemos na mesma: não mudámos de vaidades e somos incapazes de evitar os juízos de valor apressados. Não melhorámos o trato e, alguns de nós, ofendemos a total razoabilidade do discurso. Se não evoluir-mos, os mesmos sonsos de ontem e alguns chicos-espertos de hoje, acabarão por ser os vencedores de amanhã. Permaneceremos iludidos com aquilo que parece, só porque aparece, portanto pouco críticos face ao que verdadeiramente se faz e nada interventivos na construção do Futuro.
Quando a vida do vizinho for menos importante do que as minhas inseguranças, quando o valor comum for mais importante do que os meus interesses, quando a minha roupa de marca tiver menos valor do que o corpo e a alma que tenho, aí sim, a minha vida e a dos outros será melhor. De outro modo, não.
ANTÓNIO CASTRO
In: Revista «Saber»
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